Emissão Renascença | Ouvir Online

Conversas Cruzadas

“Governo não vai conseguir privatizar a TAP”, diz Daniel Bessa

21 dez, 2014 • José Bastos

“Pode haver vontade, não sei se há tempo” afirma o antigo ministro da Economia para quem “há no governo gente sem vontade de privatizar a TAP”. Silva Peneda, presidente do CES, questiona legalidade da requisição civil na greve do  fim de ano.

“Governo não vai conseguir privatizar a TAP”, diz Daniel Bessa
“Pode haver vontade, não sei se há tempo” afirma o antigo ministro da Economia para quem “há no governo gente sem vontade de privatizar a TAP”. Silva Peneda, presidente do CES, questiona legalidade da requisição civil na greve do fim de ano.

O economista Daniel Bessa diz que “o Governo não vai conseguir privatizar a TAP. Acho sinceramente. O momento já não é o melhor, estamos muito no fim da legislatura”.

O antigo ministro da Economia justifica a opinião, no "Conversas Cruzadas", da Renascença, com razões técnicas e políticas. “Primeiro há questões operacionais, porque um processo destes exige muito tempo. Não sei se há tempo. Pode haver vontade, não sei se há tempo. O ministro da Economia tem a vontade. O governo todo não sei se tem a vontade”, refere Daniel Bessa.

“O ministro da Economia [Pires de Lima] tem vontade. O primeiro-ministro [Passos Coelho] parece ter. Mas há no Governo gente que manifestamente não tem. Mas mesmo que tenha não sei se há tempo. Depois, evidentemente, os potenciais compradores olham para isto e a vontade não deve ser muito. Já os passageiros escolhem outra companhia”, observa o antigo titular do ministério chave nesta privatização, o da Economia.

Mas quem, afinal, não tem vontade? Daniel Bessa não aponta o dedo. “Não estou a visar ninguém. Já tenho idade suficientemente para não me meter em mais trabalhos que os estritamente indispensáveis. Não me vou meter aqui em mais confusões. Está à vista de toda a gente”.

Esta semana o socialista Jorge Coelho – enquanto ministro tutelou a TAP – disse-se no programa "Quadratura do Circulo", da SIC Notícias, convencido que o Presidente da República não irá promulgar o diploma de autorização do processo de privatização e que “na coligação não há acordo sobre a questão”. Coelho referia-se a declarações de Paulo Portas que pediu “prudência” na questão da TAP. “O PP nunca esteve de acordo com a privatização”, defendeu na SIC Notícias o actual comentador.

Já Daniel Bessa identifica o calendário eleitoral como um dos factores a atrasar o processo. “Veja-se que no caso do senhor Germán Efromovich, em 2012,  a TAP só não foi vendida porque, na hora, o senhor não apresentou garantias bancárias. Porque a TAP estava então vendida. As condições seriam muito diferentes destas? Não me parece. Na altura ninguém protestou”, faz notar. “Se formos ao caderno de encargos e às condições nem o PS, nem os sindicatos tiveram alguma coisa a dizer. Porquê? Cheirava menos a eleições, agora já cheira bastante”, indica Daniel Bessa.

Silva Peneda: “Este processo devia ter sido negociado com calma e tempo”
José da Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social (CES), também partilha reservas quanto à privatização da TAP nos limites da actual legislatura. “Eu tenho muitas dúvidas. Face ao que se está a passar não posso deixar de concordar com o Daniel Bessa”, diz o economista.

“Este processo de privatização devia ter sido negociado com calma e com tempo. E houve muito tempo para o fazer. A preocupação mais delicada seria a da negociação com os sindicatos, porque podem ser um factor a levar a que potenciais compradores não estejam interessados neste tipo de situação”, admite Silva Peneda.

E o calendário eleitoral? “Proximidade de eleições é um factor que pesa. Esta oscilação do PS – já foi a favor e agora é contra – decorre claramente de se estar à porta de eleições. É um argumento que pesa, porque a sete ou oito meses de eleições e perante a escassez de tempo disponível este é um argumento a considerar no debate”, refere o presidente do orgão constitucional de consulta e concertação.

“O ‘porquê tanta pressa?’ (NRD: pergunta de António José Seguro) pode surgir como uma linha de argumentação de peso. Porque não se pode esperar um pouco mais e criar uma atmosfera mais pacífica, mais favorável, para a privatização?”, questiona Silva Peneda.

Mas é essa a posição do presidente do CES? “A minha posição aqui não é relevante. Limito-me a constatar que, de facto, não vai ser nada fácil para o governo conseguir concretizar a privatização da TAP até ao final da Legislatura”, reafirma Silva Peneda.

Silva Peneda: “Requisição civil só no dia 27”
Interpretações jurídicas opostas dividem opiniões no caso da requisição civil decretada para a TAP, antes ainda do tribunal arbitral definir serviços mínimos. O primeiro-ministro diz que a “decisão cumpre a lei”, mas o presidente do CES mostra reservas.

Silva Peneda, antigo ministro do Emprego, que a 13 de Fevereiro de 1990 assinou a portaria 114-A/90 de requisição civil aos controladores aéreos, questiona a forma como o processo é conduzido em 2014. Peneda defende que nem Governo nem sindicatos ficam bem na fotografia.

“Lembro dessa requisição civil que assinei em 1990. Mas o que queria dizer é que hoje eu não poderia fazer aquela requisição civil nos termos em que foi feita”. “Se estou de acordo sobre a má escolha dos sindicatos face à data – sobretudo isso – nós não podemos deixar de olhar para os fundamentos de natureza legal”, afirma.

“Em 2003 com a revisão do Código do Trabalho houve uma alteração fundamental na regulamentação da requisição civil. É que no artigo 541, nº3, a requisição civil só pode ser accionada se os sindicatos não cumprirem os serviços mínimos”, explica.

“Este ponto não existia dantes. É, portanto, um pressuposto novo. E o Supremo Tribunal Administrativo já produziu dois acórdãos por unanimidade que deixa tudo isto muito clarinho. Cito um deles, de 26 de Junho de 2008: ‘O Governo só pode lançar mão da requisição civil depois de instalada a greve e de constatar que, efectivamente, os serviços mínimos não estão a ser assegurados. Não constituindo, por isso, fundamento da mesma a ameaça dos seus promotores de que os não iriam cumprir, ou, independentemente desta ameaça, da presunção fundada em outros factores de que os mesmos não iriam ser assegurados'. Por outro lado, a requisição civil só pode ser decretada quando se conheça a verdadeira dimensão dos efeitos da greve e daí resulte a constatação de que os serviços mínimos não estão a ser assegurados.’ Fim de citação.”

Silva Peneda diz que “no Conselho Económico e Social está-se a tratar, neste momento, da definição dos serviços mínimos. Não sei qual vai ser a decisão do Tribunal Arbitral. É um tribunal autónomo que normalmente funciona muito bem e rápido no CES. Segundo a lei, a decisão terá de surgir 48 horas antes do início da greve (dia 27)”.

“Portanto é preciso saber que serviços mínimos irão ser decretados e depois, no dia 27 às 0 horas e 5 minutos, saber se os serviços mínimos estão a ser cumpridos ou não. Na minha leitura, só nesse momento, de acordo com a legislação vigente, é que pode ser decretada a requisição civil”, refere o presidente do Conselho Economico e Social.

Silva Peneda lembra que está a basear a sua interpretação "numa alteração que foi feita em 2003 no Código de Trabalho. Um ponto que não existia antes. Lembro-me perfeitamente e também fui reler essa questão na requisição civil que assinei em 1991: tinha a ver com fundamentos de segurança aérea em greves de controladores que se repetiam, donde havia um problema de segurança mais geral. Mas quero sublinhar que esta alteração de 2003 no Código de Trabalho – consensual na Concertação Social – condiciona a requisição civil face ao quadro legal anterior. Dir-me-ão, ‘o Conselho de Ministros’ introduz aqui um elemento preventivo e se verificados os pressupostos não precisa de reunir de novo... eu não sei se será assim: se primeiro os pressupostos têm de ser verificados e o Conselho de Ministros actuar a seguir”.

“Tenho quase a certeza de que este ponto irá fazer correr muita tinta, porque há aqui um problema de natureza jurídica que, na minha interpretação, é muito claro. Bem ou mal é assim que está na lei”, faz notar. “Na requisição civil é decisiva a observação desta componente do cumprimento da lei. Não sei se vão ser accionadas providências cautelares e todo o tipo de outras questões, mas não é nada pacífica a forma como tudo foi decidido no Conselho de Ministros da última quinta-feira”, conclui Silva Peneda.