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Conversas Cruzadas

“Bruxelas deu orientação: terceira via com PS”

23 fev, 2014 • José Bastos

Alternativa ao programa cautelar e à saída limpa do resgate foi tema em discussão no “Conversas Cruzadas” deste domingo, com Manuel Carvalho da Silva e Daniel Bessa.

“Bruxelas deu orientação: terceira via com PS”
Alternativa ao programa cautelar e à saída limpa do resgate foi tema em discussão no “Conversas Cruzadas” deste domingo, com Manuel Carvalho da Silva e Daniel Bessa.
O economista Daniel Bessa diz não ter “dúvida nenhuma – porque há uma evidência nesse sentido – de que de Bruxelas saiu uma orientação: vamos ter de encontrar uma terceira via”.

Essa "terceira via" pode passar por um compromisso político interno, envolvendo o PS, garantindo assim a execução das reformas no pós-“troika”.

A alternativa ao programa cautelar ou à saída limpa é o tema do programa “Conversas Cruzadas” deste domingo.

O ex-ministro da Economia aprofundou a pista deixada por Peter Praet, economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE) na conferência da revista “Economist”. “A saída não é um programa cautelar – e um programa cautelar obrigava a uma negociação e acordo formal subscrito com Bruxelas, já não com o FMI, mas com a Comissão e o BCE.”

“Nós não sabemos qual é o conteúdo desse acordo, mas uma coisa julgo que se tornou clara nos últimos dias: de Bruxelas veio uma orientação de ‘não senhor, não vai haver esse acordo cautelar, portanto não vamos chegar aqui a um papel que vai ser assinado pelo BCE, Comissão Europeia e Governo português, não vamos chegar aí’.

“De Bruxelas, sai então uma orientação clara de que ‘vamos encontrar aqui um meio-termo’ que passa por trazer o Partido Socialista a um compromisso em matéria de finanças públicas mais forte que aquele que já está na Lei de Enquadramento Orçamental”, conclui Daniel Bessa, director-geral da Cotec Portugal.

O sociólogo Manuel Carvalho da Silva alerta, por seu turno, para a necessidade de se debater uma Europa fonte de problemas. “Há uma sintonia total em relação ao guião a seguir entre o governo português, a União Europeia e o FMI. Esse é o drama. A propósito de Europa, eu direi que esta ‘nova Europa’ – de onde se diz que terão de partir as soluções – está transformada, para nós portugueses, no ‘grande problema’, sustenta.

“Esse ‘problema’ tem de ser o grande aspecto que teremos de encarar num futuro próximo e, em particular, seria bom que se encarasse já na discussão para a eleição do próximo Parlamento Europeu”, adianta Carvalho da Silva.

Mas como envolver o PS num acordo de estratégia orçamental em pleno ciclo eleitoral? “Não me vou pôr a discutir se o primeiro-ministro genuinamente entende que o acordo com o PS é importante. Vamos admitir que sim. Hoje pronuncia-se abertamente sobre esse acordo, mas não vão muitas semanas que disse na televisão que ‘para um programa cautelar não precisamos da assinatura do PS”, relembra Daniel Bessa aludindo à entrevista de Passos Coelho à TVI, a 12 de Dezembro.

Daniel Bessa dá razão a Paulo Portas: “a política portuguesa não é decidida aqui. No tema do salário mínimo nós sabemos que a ‘troika’ se opôs em absoluto à sua subida. Ponto final. É um tema em que o governo português não tem soberania. Nem sei se está no memorando”, refere.

“A verdade é que aqueles senhores disseram: ‘enquanto aí estivermos, até ao dia 17 de Maio, os senhores não mexem no salário mínimo. Ponto Final’. Portanto, quando se fala na soberania que se perdeu – e perdeu de facto – chega-se a pontos como este: salário mínimo, não! Acabou! Assunto encerrado”, afirma o ex-ministro da Economia.

Carvalho da Silva: “Ainda não batemos no fundo! Pode piorar!”
Na semana em que FMI e Comissão Europeia, em distintos relatórios, “fixa” o caderno de encargos do pós-“troika”, Carvalho da Silva receia o futuro imediato. “Não se fizeram mudanças estruturais na economia.

O próprio FMI vem agora por o dedo na ferida. Não há novos investimentos. As exportações são um processo, em grande parte, sem solidez e resultam mais da perda de poder de compra dos portugueses que de outra coisa”, sustenta o ex-líder da CGTP.

“O que vemos é a pobreza, as desigualdades as injustiças a aumentarem. As doenças, por exemplo. Acho que este país precisa de um movimento muito forte em defesa do Serviço Nacional de Saúde. Esta semana foi marcada pela proliferação de notícias que vão mostrando que o problema da saúde é grave. Não é apenas a questão das urgências. A coisa está a estoirar por todos os lados. Desarticulação de serviços e incapacidades várias”, avalia Carvalho da Silva.

“Estamos a ficar em condições muito perigosas. Nem há resolução dos problemas da economia, muito menos há qualquer sentido de saída da crise. O problema não está naquela perspectiva do ‘quem critica isto pensa que vai poder – que é possível - voltar a um cenário de pré-crise’. O problema não é esse”, defende ainda.

“Objectivo: trabalhar sem descanso para pagar dívida”
Carvalho da Silva não poupa nas críticas ao FMI por retomar a exigência da flexibilização da legislação laboral em Portugal.

“O apelo que o FMI faz é absolutamente criminoso. Percebe-se porque o faz. O objectivo é transformar Portugal numa oficina terceiro-mundista que trabalhe sem descanso para pagar dívidas que não param de crescer” é a afirmação do professor da Universidade de Coimbra.

“A contratação colectiva está destruída e o país vai pagar muito caro este crime. É a segunda vez que utilizo esta adjectivação. Em Portugal, neste momento, não há negociação colectiva. Não há negociação colectiva muito por efeito da pressão da Troika contra esse instrumento de diálogo laboral” denuncia Carvalho da Silva.

“Energia é mais cara? Vamos saber porquê?”
O FMI alerta para as fragilidades da retoma, porque as estruturas da economia não mudaram, mas também insiste nas “rendas excessivas” no sector da energia.
Daniel Bessa defende melhor comunicação no sector e produz uma declaração de interesses.

“Eu tenho uma ligação profissional ao sector da energia, concretamente ao petróleo e ao gás em Portugal. Já comentei com pessoas com quem partilho esse exercício profissional que é do mais elementar interesse das entidades do sector de promover – mostrando com toda a transparência – como é que os custos em Portugal comparam com os custos dos outros países para as empresas e para as famílias”, afirma.

“Acho que havia interesse em trabalhar essa informação, para nos entendermos sobre se é mais caro ou não e quanto é mais caro. Por exemplo, ouvi um destes dias o ministro da economia, o Dr. António Pires de Lima dizer que no custo da energia para as empresas já não haverá uma diferença assim tão considerável com o estrangeiro. Para as famílias admito que a diferença seja maior. Mas vamos então apurar esses números”, apela o ex-ministro, desagradado com a imagem pública de um sector também pressionado pelo FMI.

Carvalho da Silva defende a ausência de envolvimento oficial nesse eventual processo. “As coisas devem ser esclarecidas com verdade. Por equipas que mereçam confiança. Não por mensagens de propaganda do governo que, normalmente, são manipulações grosseiras quando não são mentiras”, observa.

“A propósito, sempre que se fala de reduções coloca-se a questão dos custos do trabalho. Não sei qual é o peso dos custos do trabalho no sector da Energia, mas é seguramente reduzido, muito abaixo da média nacional que anda pelos 13, 14%”, sustenta Carvalho da Silva.

“É importante ter em conta os custos da energia no contexto concreto em que Portugal vive. Nas condições objectivas em que estão as pessoas e as empresas no plano dos seus rendimentos e limitações para o funcionamento das empresas e para uma vida digna nas famílias. Nas diferenças concretas com o estrangeiro. Essa devia ser a base”, advoga o sociólogo.

Daniel Bessa contrapõe. “Eu percebo esse argumento de Carvalho da Silva, mas se o quisermos seguir até ao fim, levaria a qualquer coisa deste género: ‘as empresas portuguesas têm resultados mais baixos logo precisam de energia mais barata, as famílias portuguesas ganham menos logo precisam de energia mais barata’. Não sei se dá para chegar a este ponto”, interpela.

Carvalho da Silva esclarece. “Não. A ideia é criar um equilíbrio. O que digo é que a situação que temos é a de enorme suspeita, com afirmações múltiplas – algumas bem credenciadas – de que pagamos mais pela energia que outros. Dizem isso os empresários, dizem isso as famílias.”

“Isso sim. É por isso que eu próprio, trabalhando no sector, não fico confortável quando oiço este discurso sobre as rendas. Não sei. Vamos lá ver”, insiste Daniel Bessa.

“Se puder empenhar-me-ei pessoalmente num trabalho que esclareça estas dúvidas. Em particular, se o preço da energia é mais caro que no estrangeiro, saber porquê e onde está a diferença”, reitera o economista.

“É mais caro porque os salários são mais altos? Não deve ser. É mais caro porque temos mais gente a trabalhar no sector? Não sei, gostava de saber. É mais caro porque os lucros são maiores? Não sei. É mais caro porque temos mais energias renováveis? Não sei. É mais caro porque os impostos são maiores?” são algumas das dúvidas de Daniel Bessa.

“Na área da gasolina e gasóleo todos sabemos da carga fiscal. Portanto, acho que é do interesse das empresas que estão na área energética ajudar ao esclarecimento destas questões e, depois, as consequências logo se verão”, conclui o ex-ministro.