Tempo
|

Cozinhar um livro e descobrir literatura num prato

09 jan, 2015 • Maria João Costa

Afinal, escrever um livro e cozinhar têm algo em comum. Foi isso que descobrimos no Ensaio Geral da Renascença gravado ao vivo na Livraria Ferin, numa parceria com a Booktailors em que entrevistamos a escritora Patricia Reis e o chéf de cozinha Ljubomir Stanisic.  

Cozinhar um livro e descobrir literatura num prato
A "obra de arte" é do Chef Ljubomir Stanisic: salmonete com quinoa. O Renato Duarte, claro, não resistiu e provou... ou melhor, comeu até ao fim!
Até do fiambre da perna extra falaram. A escritora Patricia Reis e o chéf de cozinha Ljubomir Stanisic não trocaram receitas mas descobriram que há afinal ingredientes comuns entre a arte da escrita e a arte da cozinha. No programa da Renascença Ensaio Geral gravado ao vivo na Livraria Ferin, no Chiado, numa parceria com a Booktailors a autora do livro “Contracorpo” começou por afirmar que “a matéria para a escrita é como a matéria para a cozinha. Abre-se a dispensa e faz-se com o que há.” Patricia Reis considera que na escrita há também um “processo de prazer” que “pode ser de salvação relativamente ao mundo porque é uma forma de estar isolado dos outros”.

O chéf do grupo de restaurantes “100 Maneiras” confessou que não tinha pensado no paralelismo entre cozinha e literatura. Ljubomir Stanisic, nascido na antiga Jugoslávia vive em Portugal desde 1997. Para ele afirma, “tudo é cozinha”. O chéf que aos microfones da Renascença deixou escapar que rouba pimenta rosa dos Jardins da Gulbenkian em Lisboa, explicou que também lê e muito. Para se ser um bom chéf no seu entender, há que ler inclusivamente livros de medicina e anatomia para se saber onde cortar a carne por exemplo.

Foi aqui que a autora Patricia Reis tomou as rédeas da entrevista e perguntou a Ljubomir o que é afinal o fiambre da perna extra? O chéf deu uma resposta minuciosa sobre o processo de fazer fiambre que mete enzimas à mistura, o que levou Patricia Reis a concluir que o melhor mesmo é só comer o fiambre da perna extra onde estão “as carnes mais nobres”, garantiu o chéf e que têm um tratamento especial.

A situação nos Balcãs foi também tema de conversa. O chéf que fugiu à guerra e admitiu ter passado fome lembrou os cozinhados da sua mãe em tempos de escassez que fazia magia com uma batata e ortigas. Sobre a actual condição da região, Ljubomir diz que “quanto mais a Europa se mete, pior é” e lamentou hoje quando viaja para a sua antiga Jugoslávia ter de passar muitas fronteiras.

Interrogada sobre o atentado de Paris contra o jornal Charlie Hebdo, a escritora Patricia Reis afirmou que “não é só a liberdade de expressão que foi atacada. É a nossa identidade e tradição judaico-cristã que foi atacada”. A autora de “Por Este Mundo Acima” sublinhou que “triste é o ataque ao humor, porque o humor é o acto mais inteligente na nossa existência” e concluiu que se tratou de um “ataque ao valor da liberdade que a França nos deu”.

Questionada por Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura e colaborador do Ensaio Geral, sobre qual o motor de entusiasmo que falta ao país para combater a depressão geral, Patricia Reis explicou que se deve começar pelo “fim da queixa”, juntar “boas práticas de cidadania” e uma aposta na cultura que passa pela criação de um Ministério da cultura. A autora considera que temos mais de 800 anos de história e como tal precisamos de ter a dignidade de ter um Ministério da Cultura.