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Nunca vimos Plutão tão próximo. Um dia histórico para a Humanidade

14 jul, 2015 • Carlos F. Oliveira

Após uma viagem que durou mais de nove anos e em que percorreu 4,8 mil milhões de km, a sonda New Horizons passou o mais perto de Plutão às 11h49 TMG (12h49 em Lisboa) em piloto automático. Coordenador-geral do site AstroPT escreve sobre o significado deste feito científico.

Pela primeira vez na história, uma sonda feita por humanos conseguiu passar perto, relativamente perto, o que em termos cósmicos se consideraria "passar a mão pelo pêlo", de Plutão, o mais famoso planeta-anão do sistema solar.

O feito é extraordinário e os parabéns vão todos para os cientistas da NASA. Eles conseguiram encontrar-se com uma "pequena pedra gelada", com cerca de 2.400 quilómetros de diâmetro, a uma distância de quase 5 mil milhões de quilómetros de distância, mais de 9 anos no futuro.

Sim, porque quando a sonda New Horizons foi lançada da Terra, a 19 de Janeiro de 2006, nem Plutão estava no local atual, nem a Terra estava no local actual, nem sequer o Sol (e sua família) estava no local atual.

Os cientistas da NASA tiveram que calcular tudo praticamente ao "centímetro" em milhares de milhões de quilómetros e ao segundo em mais de nove anos, o que, convenhamos, é um pouco mais difícil de calcular do que combinar encontrar-me com alguém às 17h00 no café X (e mesmo assim, na nossa vida diária, atrasos de muitos segundos são frequentes, e nem sequer contamos com efeitos como rotação, precessão ou translação).

Se dito assim, já nos parece assombrosamente admirável, imaginem ainda que esta sonda não foi direta a Plutão – ou melhor, ao ponto vazio no sistema solar quando ela foi lançada, mas que, nove anos e meio depois, lá estaria Plutão. Na verdade, ela recebeu assistência gravitacional de Júpiter.

Em Fevereiro de 2007, a sonda, de acordo com o que tinha sido planeado para a missão, passou perto de Júpiter, de modo a receber assistência gravitacional.

O que é isto?

Provavelmente já viram em filmes de ficção científica: é quando uma nave passa perto de um grande corpo celeste, como um planeta ou uma estrela, e passa dentro de uma "janela" (intervalo) orbital que lhe permite não só corrigir a órbita (de tal forma que fique com o "caminho livre" em direção ao seu destino – neste caso, Plutão), mas sobretudo receber um impulso adicional, sem precisar de combustível extra (são as maravilhas da gravidade), para ter "força" suficiente para chegar ao destino na altura pretendida.

Sem isto, a New Horizons nunca chegaria a Plutão, não só porque a direção seria diferente, mas até porque, supondo que a direção seria a mesma, chegaria ao ponto onde Plutão está neste momento com anos de atraso e por isso já não passaria perto dele.

Claro que na ficção científica isto é fácil de fazer, basta carregar em alguns botões que supostamente fazem isso facilmente. Na vida real, a coisa é um pouco mais complicada, porque desvios que para nós, o comum dos mortais, nos parecem totalmente insignificantes, cientificamente atirariam a sonda para o vazio cósmico. É a matemática a dizer aos humanos: sem mim, não são nada.

Neste momento podem estar a pensar: mas porque enviaram uma sonda tão lenta, que demora mais de nove anos a chegar ao seu destino e ainda precisa de "empurrões" gravitacionais para andar mais rápido? É uma excelente pergunta! E a resposta é surpreendente: esta foi a sonda com maior velocidade de escape (em relação à Terra) que alguma vez enviamos para o sistema solar exterior: 58.536 km/h. O problema do espaço, neste caso do sistema solar, é que é muito grande. E mesmo a velocidades enormíssimas, a sonda precisou de nove anos e meio para lá chegar.

Na verdade, mesmo que a sonda viajasse à velocidade-limite da luz, mesmo assim demoraria mais de quatro horas a chegar a Plutão (como comparação, a luz do Sol demora oito minutos a chegar à Terra). Esta sonda é tão rápida que demorou somente nove horas a chegar à órbita lunar (lembremo-nos que as missões Apollo demoraram três dias para chegar lá).

Neste momento, a sonda está a recolher dados, sobretudo da superfície de Plutão, da sua geologia e morfologia, e da composição da sua atmosfera. Infelizmente, ainda não é hoje que receberemos os dados. Por dois motivos:

- porque a sonda não consegue receber e enviar os dados simultaneamente (dispenderia muita energia e espaço em disco, o que a colocaria em modo de segurança, como aconteceu há dias atrás);

- porque, como expliquei atrás, vai levar tempo até que os dados nos cheguem devido à distância a que a sonda está.

Mas amanhã, ou melhor, esta noite, durante esta madrugada em Portugal, estaremos todos bastante atentos aos dados que nos chegarão. Cientificamente, o maior interesse está nos dados geológicos e atmosféricos. Popularmente, o interesse irá estar nas fotografias de Plutão enviadas pela sonda.

Enquanto esperam pelas novas fotos, deliciem-se com a última foto enviada pela sonda, feita na segunda-feira e revelada esta terça-feira:



Por último, deixem-me referir que este é um fly-by. Ou seja: a sonda vai passar perto de Plutão, mas não vai ficar na sua órbita (para tal, teria que dispender bastante combustível, para travagens, mudanças de órbita, etc., que não tem).

Talvez daqui a 200 anos (devido à excêntrica órbita de Plutão) possamos ter uma sonda a orbitar Plutão.

Em termos de New Horizons, passando pelo sistema plutoniano, ela vai agora embrenhar-se na escuridão do sistema solar exterior, como fizeram as duas Voyager e as duas Pioneer. Com sorte poderá ainda passar perto de três pequenos objetos da Cintura de Kuiper com o pouco combustível para ajustes de trajetória de órbita que ainda possui. Mas isso será somente para 2019.

Finalmente, em 2047, deverá chegar à heliopausa, onde o vento solar passa a ter uma influência menor que o meio interestelar, onde já se encontra a Voyager 1 que partiu da Terra em 1977 – no entanto, a Voyager estará numa direcção diferente da New Horizons.

Carlos F. Oliveira é astrónomo e educador científico. É coordenador-geral do site AstroPT, um projecto de astronomia em Portugal. Escreve segundo o novo acordo ortográfico