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Entrevista

É um punk? É um futebolista? Não. É um cientista com o coração em Marte

17 out, 2014 • Carolina Rico

Comandou a aterragem da sonda Curiosity e espera ver o homem em Marte em 2030. Obama fala dele e diz-se que é o cientista mais sexy do mundo. A Renascença esteve à conversa com Bobak Ferdowsi.

É um punk? É um futebolista? Não. É um cientista com o coração em Marte
De botas de cabedal e corte de cabelo estilo moicano, o engenheiro aerospacial da NASA Bobak Ferdowsi, de 34 anos, podia ser confundido com um punk ou um excêntrico jogador de futebol.

Ficou conhecido em Agosto de 2012, quando o mundo o viu comandar a aterragem da sonda Curiosity, um veículo robotizado que está a explorar a superfície de Marte. Ferdowsi tornou-se um fenómeno na internet e fora dela: até Barack Obama falou do seu aspecto “mais fixe” do que era comum na NASA.

Foi considerado o cientista mais sexy do mundo pelo "site" Business Insider. Mas diz que se trabalhasse num café nunca ninguém teria reparado nele. A Renascença esteve à conversa com o engenheiro da NASA que está em Portugal para inspirar estudantes portugueses a trabalhar com o universo no horizonte.

O homem esteve na Lua, mas a mente humana já chegou mais longe. Qual é a sensação de ser uma das pessoas que contribuiu para tornar isso possível?
Há muitas pessoas inteligentes a trabalhar comigo, mentes brilhantes, eu tento apenas fazer a minha parte. O nosso fascínio pelo Universo levou-nos para lá da Terra há muitos anos atrás. Desde a escrita de ficção científica até Galileu, que viu as luas de Júpiter e Saturno, todas essas pessoas despertaram a curiosidade humana para ir a estes sítios e agora temos a tecnologia para o fazer.

Aos 23 anos, integrou a equipa responsável pela missão da Curiosity, a sonda enviada para Marte. Como foi desenvolver esse trabalho?
Planear essa missão foi a primeira coisa que fiz como engenheiro no Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA. Comecei a trabalhar numa equipa de 30 pessoas que passou a integrar centenas de profissionais, até aos primeiros anos de operações na superfície de Marte.

Durante o percurso tiveram alguns problemas. Houve algum momento em que duvidasse do sucesso da missão?
Há sempre desafios nestes projectos. Apesar de testarmos tudo o que sabemos e contarmos com situações que não somos capazes de prever, existem sempre coisas que nem sequer sabemos, que não somos capazes de prever, o que torna tudo mais difícil. Lembro-me de quando tivemos problemas de "software" e a equipa se uniu para tentar descobrir o que aconteceu e testar ideias diferentes. Nos momentos mais difíceis nunca duvidei das capacidades da minha equipa.

Como descreve o momento em que viu o Curiosity aterrar com sucesso na superfície de Marte?
Foi fantástico. Quando passamos grande parte da nossa vida a trabalhar em algo, vê-lo concretizado num momento exacto é fantástico. Há muitas emoções na sala com as pessoas que também desenvolveram esse trabalho durante tantos anos, que muitas vezes trabalharam até tarde ou perderam eventos familiares para fazer esta missão acontecer. No fim, ver que tudo funcionou é um sentimento muito poderoso em que se chorou e celebrou.



Qual é o próximo passo da Curiosity?
A Curiosity acabou de chegar ao monte Sharp, que era o nosso objectivo para a missão quando aterramos em Marte. Estamos a receber os primeiros vislumbres desta cadeia montanhosa e parece um Grand Canyon gigante, um sítio muito bonito. A ideia, nos próximos anos, é explorar os diferentes tipos de terreno da zona.

Graças à Curiosity todos podemos ser exploradores em Marte à distância, mas será possível visitar o Planeta vermelho em breve?
Um dos objectivos da NASA é, a longo prazo, levar pessoas a Marte e trazê-las para casa a salvo, que é a parte mais difícil. Esperamos poder enviar exploradores por volta do ano 2030.

Em que ponto está o seu projecto actual, o Europa Clipper?
A equipa está a estudar uma missão-conceito para o reconhecimento detalhado da lua Europa, em Júpiter. O motivo porque esta lua é tão fascinante para nós é o facto de termos detectado, em missões anteriores, uma camada de gelo que cobre um oceano de água líquida, e um núcleo rochoso onde há calor, condições que, à semelhança dos nossos oceanos são propícias à existência de vida. Também estamos a estudar a possibilidade de enviar um veículo para esta lua por volta de 2022.

Como é um dia de trabalho normal na NASA?
Adoro o meu trabalho porque posso fazer tudo aquilo que desejava em criança, mas o meu dia-a-dia não deve ser muito diferente da maioria das pessoas. Temos uma série de reuniões, apresentações e costumo construir modelos computacionais para ajudar a perceber algo, investigar e tomar decisões sobre qual o caminho a seguir e as suas consequências.

Qual é a mensagem que quer passar aos estudantes portugueses durante as visitas que já fez ou ainda vai fazer às universidades?
Além de contar a história da Curiosity e do que é preciso fazer para levar a cabo uma missão destas tenho tentado destacar a importância do trabalho de equipa. Na NASA tudo gira à volta daquilo que a união de um conjunto de pessoas, também com ajuda da comunidade internacional, consegue-se alcançar, algo muito maior do que uma pessoa sozinha pode fazer.

Quer tenhamos de aterrar uma sonda em Marte, quer estejamos a estudar medicina na Terra, é preciso paciência e muito trabalho. A única forma de continuarmos a fazer as coisas incríveis que estamos a fazer e a ultrapassar fronteiras é trabalharmos juntos.

Foi considerado o cientista mais sexy do mundo para o "site" Business Insider, terá sido pelo estilo tão diferente do habitual?
Se trabalhasse num [café] Starbucks nunca ninguém tinha reparado em mim, mas porque a imagem que o público constituiu da NASA remonta ao anos 60 ou 80, o meu estilo parece diferente de um cientista, o que não é verdade. Qualquer pessoa pode ser aquilo que quiser sem ter de corresponder a uma determinada imagem. Há uma nova geração de cientistas e engenheiros de topo na NASA, jovens da minha idade ou mais novos que trazem uma nova energia, ideias e abordagens.

Perfil
Bobak Ferdowsi formou-se em Aeronáutica e Astronáutica pela Universidade de Washington e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). De ascendência iraniana, naturalizou-se norte-americano, e é especializado em sistemas de engenharia, planeamento de missões, lançamento integrado, verificação de rotas, engenharia de validação e direcção de voo.