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Portugueses abrem caminho a ataque selectivo à leucemia infantil

27 ago, 2014 • Ricardo Vieira

Equipa do instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina de Lisboa identificou gene que tem papel importante no desenvolvimento de um tipo de leucemia frequente em crianças.

Portugueses abrem caminho a ataque selectivo à leucemia infantil

Investigadores portugueses abriram a porta a um novo tratamento contra um tipo de leucemia frequente em crianças. A terapia pode ser “menos nociva” para os doentes, em comparação com a quimioterapia tradicional.

O resultado de três anos de trabalho de uma equipa do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa foi agora publicado na revista científica “Oncogene”

“Verificámos que doentes com leucemia linfoblástica aguda de células T, que é um cancro pediátrico bastante agressivo, apresentam níveis aumentados de um gene que se chama CHK1”, explicou à Renascença João Taborda Barata, director do grupo de investigação da Unidade de Biologia do Cancro do IMM.

À partida, este gene serviria de travão à divisão celular, uma vez que tem uma função anti-tumoral, mas “paradoxalmente, é benéfico para as células leucémicas” porque as mantém “sob controlo”, diz o cientista. 
 
“Se inibirmos o gene CHK1 ou se, geneticamente, diminuirmos a sua expressão, acontece que as células leucémicas acabam por morrer, porque entram em stress”, adianta João Taborda Barata.

E tudo começou num acaso...
"Foi uma coincidência que nos levou ao estudo deste gene", confessa o investigador. A equipa tentava encontrar genes que regulassem uma outra proteína associada ao cancro e, "por casualidade", verificou que o gene CHK1 "parecia ter uma função importante para as células leucémicas".

A investigação portuguesa identificou um “novo alvo” e utilizou um composto farmacológico desenvolvido por uma companhia farmacêutica para inibir o gene CHK1. Verificou que induzia a morte de células de leucemia linfoblástica aguda, sem afectar as células normais.

“Ao identificarmos um alvo molecular como o CHK1, que está selectivamente aumentado nas células malignas, temos aqui uma janela de oportunidade para usar drogas que são específicas para o CHK1 e que não vão, em princípio, afectar as células normais, pelo menos, de forma tão significativa como as terapias actuai,s que, neste tipo de doença, são muito eficazes, mas têm bastantes efeitos secundários”, explica Barata.

O investigador salienta que este é um “primeiro passo” para o desenvolvimento de uma nova terapia, que ainda vai demorar alguns anos a chegar aos hospitais. A “bola” está agora do lado da indústria farmacêutica, porque não há “capacidade para desenvolver os ensaios clínicos necessários.”

“O natural seria que aquilo que nós identificámos agora possa vir a dar algo que realmente beneficie os doentes daqui a cinco anos ou algo próximo disto”, vaticina o especialista.

A leucemia linfoblástica aguda de células T atinge “cerca de uma pessoa em cada 50 mil, é um cancro bastante raro, mas afecta sobretudo crianças, entre os dois e os seis anos. Depois há um novo pico de incidências em pessoas com mais de 50 anos”.

Cinco investigadores do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa estão envolvidos neste estudo, que contou com a colaboração de especialistas de outras entidades nacionais, como o Instituto Gulbenkian de Ciência, e estrangeiras.