29 mai, 2012 • Catarina Santos
É um acontecimento raro em Portugal. Duas antestreias de um filme internacional, na mesma noite, na mesma cidade, ambas com a presença do realizador e do protagonista. Com um orçamento de 15 milhões de euros, "Cosmopolis" foi produzido por Paulo Branco e só existe por causa dele. Foi o produtor português que propôs a realização do filme a David Cronenberg.
O realizador vem agora a Portugal mostrar a sua adaptação de um romance de Don DeLillo, "Cosmopolis". O Centro Cultural de Belém (CCB) e o Cinema Monumental foram escolhidos para mostrar, esta terça-feira, um filme protagonizado por Robert Pattinson. A estrela da saga “Twilight” veste agora a pele de um jovem multimilionário de Wall Street e é protagonista de todas as cenas do filme - o realizador apropriou-se literalmente do actor.
A escolha de Pattinson, diz Cronenberg, foi fácil, porque "ele era pouco caro e estava disponível, o que é sempre importante num filme de baixo orçamento". "Também ouvi dizer que ele era obediente ao realizador e isso também era bom", brincou Cronenberg, na conferência de imprensa que decorreu esta terça-feira no CCB.
Um guião escrito como se fosse poesia
"Cosmopolis" acompanha 24 horas da vida de um jovem, Eric Packer, que pode estar prestes a perder toda a fortuna depois de fazer uma má aposta na bolsa. Quase toda a acção se passa dentro de uma limusine insonorizada que atravessa o caos de Nova Iorque.
Robert Pattinson, que passou a conferência a beber água directamente pela garrafa de vidro, confessa que aquela espécie de prisão de luxo sobre rodas o intimidou. "Da primeira vez que entrei na limusine, foi provavelmente a situação mais assustadora que vivi desde que comecei a representar", afirmou.
Cronenberg escreveu o guião em seis dias e manteve boa parte dos diálogos imaginados por Don DeLillo. O que daí resulta é cinema com a palavra ao centro, feito de muitos planos e contra-planos, desenhando a narrativa a partir de uma sucessão de conversas, como pode ser visto nas salas portuguesas a partir desta quinta-feira.
A estrutura agradou ao actor, que considera que o guião foi "construído como se fosse poesia". Robert Pattinson garante que "foi muito fácil dizer o texto", ao ponto de imaginar "que o Don DeLillo estava recitar à medida que ia escrevendo".
O mundo de hoje escrito há nove anos
Don DeLillo escreveu “Cosmopolis” em 2003 e a alegoria corrosiva que imaginou então pode ser lida hoje como premonitória. Está lá o capitalismo em crise, a dependência tecnológica em excesso, a decadência de uma sociedade profundamente corrupta e regulada pelo dinheiro e as manifestações nas ruas contra todo este cenário.
Pattinson ultrapassou os medos e vestiu a pele do homem de negócios. Pelos vistos, convenceu: "Antes, nas entrevistas, perguntavam-me qual era a minha comida favorita e como seria o encontro perfeito. Depois do 'Cosmopolis', as pessoas perguntam-me o que penso da economia".
O actor tenta sublinhar que não percebe muito da matéria, mas Cronenberg sustenta que "a maioria dos economistas também não sabe do que fala". "Por isso, o que o Robert disser sobre a economia ou o investimento terá a mesma validade."