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Uma casa com 18 mil quilómetros

19 dez, 2011 • Maria João Costa [em Macau]

Doze anos depois da transição de Macau para a administração chinesa, há muitos portugueses que continuam a chamar "casa" a este território. A Renascença foi conhecer quem tem pátria em Portugal e casa em Macau.

Uma casa com 18 mil quilómetros
São jovens com idades entre os 20 e 30 anos. Alguns deles nasceram em Macau quando os pais trabalhavam para a administração portuguesa. Vieram a Portugal tirar um curso, mas acabaram por voltar, porque só ali se sentem em casa.
 
Há também agora uma nova emigração. São portugueses que deixam a crise para trás e procuram novas oportunidades na China. A Renascença esteve em Macau à procura de saber quem são estes portugueses que não se sentem de Portugal, onde conheceu António Conceição.

“Eu sentia em Portugal que não era de Portugal. Isso é um conceito que um pouco complicado de explicar a portugueses de Portugal. Portanto, quando regressei a Macau não houve propriamente uma adaptação, estava em casa. No entanto, quando vou a Portugal, sinto-me em casa também. Tenho uma casa com 18 mil quilómetros de largura."

A imensa casa de António Conceição tem diversos habitantes. São todos jovens portugueses que não se sentem de Portugal e que consideram Macau a sua casa. Tal como António, de 26 anos, também Débora Bee, de 29, vive na ilha que não pára de conquistar terra ao mar. Tem bilhete de identidade português, mas não se sente só portuguesa.

“É ambíguo, porque quando dizem ‘nós os portugueses’, eu nunca digo ‘vocês os portugueses’. Mas também não digo ‘eu a chinesa’. Não sinto nem um lado, nem o outro. Sinto que a minha terra é Macau: é uma mistura do chinês com o português, se quisermos seguir o conceito objectivo, mas Macau é muito mais do que isso”, diz Débora.

"Portugal não está fácil"
Rui Cid também vê Macau como uma casa. Chegou com a mãe quando tinha quatro anos e acabou por ficar.

“É um pouco como toda a gente aqui em Macau. Vínhamos por pouco tempo e de repente passaram 18 anos. Nós crescemos aqui, eu e o meu irmão. Fiquei cá até 2001 e depois fui estudar para Lisboa. Fui estudar para a [Universidade] Nova, fiquei lá sete anos, não pensava voltar, só que Portugal não está fácil e surgiu o convite para vir para Macau”, conta Rui.

Em comum, António, Débora e Rui têm o facto de terem deixado Macau para se licenciarem em Portugal. Na ilha que é chinesa há 12 anos, há apenas duas universidades e a oferta é curta, como explica António Conceição.

“Na altura de ingressar no ensino superior, decidi ir para Portugal, porque Macau não oferece muitas escolhas, nem aquilo que queria estudar. Em Portugal, estudei cinema, tirei o mestrado no Porto. Depois de acabar o curso, trabalhei dois anos em publicidade, mas depois, quando surgiu uma oportunidade de vir para Macau trabalhar, aproveitei”, conta António.

Um sítio "fácil" para os portugueses
Não muito longe da Praça do Leal Senado, sentada num café onde servem chá, Débora Bee explica que foi estudar para Portugal contrariada. Com o diploma em psicologia na mão, voltou com outras ideias, mas Macau trocou-lhe as voltas. 

“Primeiro, comprei uma viagem para cá com o meu namorado, com a duração de um ano, mas marcámos a passagem para três meses depois. O nosso objectivo foi vir até Macau, onde já não vinha há muitos anos, e fomos fazer uma viagem pela Ásia. Por acaso, ele arranjou logo trabalho, bem remunerado, na área dele. Em Portugal, éramos os dois desempregados, vivíamos em casa dos pais dele. [Quando surgiu esta oportunidade], pensámos ‘vamos já ficar aqui’”, recorda.

Há dois anos, Débora e o namorado abriram uma loja de artesanato com um restaurante vegetariano. Lançar o projecto foi fácil. "É claro que a burocracia dos portugueses ficou aqui um bocado, mas acaba por ser tudo mais fácil. A nível financeiro, a nível das licenças, da papelada, do que é que é possível ou não fazer. Sem dúvida é mais fácil [criar um negócio aqui."

Melhor que em Portugal?
António Conceição considera que Macau abre perspectivas melhores que Portugal e a Europa. Por sua vez, Rui Cid coloca alguns "ses": este jornalista de rádio diz que há áreas mais fáceis onde conseguir trabalho. “Não é tão fácil como as pessoas pensam”, diz.

“Houve uma altura que sim. Chegavas, passava não muito tempo e conseguias facilmente um emprego. Agora, em áreas muito específicas - advogados, jornalistas, professores, arquitectos, engenheiros -, é relativamente fácil encontrar [emprego]. Fora estas áreas, não é assim tão fácil quanto isso”, afirma Rui Cid.

Gonçalo Caetano chegou há menos tempo a Macau, território ao qual não tinha qualquer ligação. A Renascença encontrou-o num restaurante português. Tem 27 anos, um curso de gestão hoteleira e um pai que vive há quatro anos em Macau. 

“Ao fim de uma semana, vim beber café aqui ao restaurante do António, através de um amigo meu que vendia vinhos aqui em Macau. O António estava a precisar de um cozinheiro. Fez-me uma proposta de vir abrir um restaurante novo e aceitei”, conta Gonçalo.

Agora, Gonçalo não pensa voltar a Portugal. É mais um dos dois mil portugueses que vivem nos 27 quilómetros quadrados de Macau. A ilha começa a ser pequena para os portugueses que fogem da crise.

“Quase todas as semanas chega alguém de Portugal, em estágio ou mesmo à procura de trabalho. Ainda na semana passada chegou uma rapariga das Caldas e já tem trabalho e já está a orientar a sua vida. É muito mais fácil”, descreve Gonçalo Conceição. 

Notícias de portugueses
Gonçalo Monteiro partiu para Macau há um ano com a família. É responsável pelas comidas e bebidas do Hotel Four Seasons.  À sua caixa de correio chegam todos os dias pedidos.

“Não só nas notícias dos jornais portugueses em Macau, mas também através do LinkedIn e de vários outros meios, muitas pessoas pedem ajuda. Às vezes é para contactos cá, às vezes é de fornecedores que querem meter cá produtos, mas a grande parte das pessoas envia currículo a perguntar como é que funciona Macau, quais as vantagens."

E todos os dias chegam portugueses à ilha onde se conduz à direita, como conta Gonçalo Monteiro. “As pessoas que estiveram em Macau há dez anos e que foram embora, penso que muitos se arrependeram e alguns estão a voltar. Temos vindo a ver uma grande emigração portuguesa para Macau ultimamente. Não é que seja enorme em números, porque o território também não absorve essa quantidade, mas, todos os dias, há notícias de novos portugueses que chegaram a Macau”, diz Gonçalo Monteiro.

O regresso dos que estudaram em Portugal
Além dos que chegam de novo, há os que voltaram a casa. António, a Débora e Rui são espectadores da mudança.

“Eu costumo dizer na brincadeira ‘onde é que colocaram a minha cidade?’, porque Macau está completamente diferente", refere António Conceição. "Estive sete anos sem cá vir e quando vim foi uma diferença da noite para o dia. Muito mais confusão, muito mais gente na rua, mais turistas. Se tivéssemos 10 milhões de turistas por ano há dez anos, era muito. Agora temos 30 milhões. Macau cresceu, mas continua a ser pequeno para tanta gente.”

E depois há  os turistas que vêm da China continental para encher os casinos que nascem "que nem cogumelos", como aponta António Conceição.

“Há um ‘boom’ demográfico. Quer dizer, há uma enchente diária de turistas em Macau que não era habitual. Em relação às diferenças de infra-estruturas: vieram muito mais casinos, os americanos entraram cá e os russos também, mas acho que não interferiram na cidade directamente, como muita gente considera. Fazer uma área só de casinos foi de facto a melhor escolha”, considera António.

A muralha de néones continua a ser erguida, perante o olhar destes portugueses que não se sentem de Portugal, mas que chamam casa a Macau. António COnceição diz como é: “Não pertenço a um sítio só. A minha pátria é Portugal, a minha casa é Macau.”