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Barro preto de Bisalhães não pode morrer

20 mai, 2015 • Olímpia Mairos

Autarquia de Vila Real avança com plano de salvaguarda do barro preto de Bisalhães. O plano será implementado até 2020 e está inserido na candidatura da olaria negra à lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO, já formalizada pelo município.

A Câmara de Vila Real vai avançar, este ano, com um plano de salvaguarda da olaria preta de Bisalhães, que prevê um investimento de 450 mil euros para apoio aos oleiros, realização de cursos para atrair novos artesãos e introdução do tema nas escolas.

O plano vai ser aplicado até 2020 e está inserido na candidatura da olaria negra de Bisalhães à lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO, já formalizada pelo município.

“Esta candidatura impôs-nos alguns objectivos e o principal deste plano de salvaguarda é impedir o desaparecimento da confecção da louça preta de Bisalhães”, diz a vereadora Eugénia Almeida, explicando que a aposta do município “é, principalmente, na transmissão do conhecimento tendo como foco principal os nossos oleiros”.

A candidatura do barro preto de Bisalhães à UNESCO contempla a concretização de “medidas de salvaguarda, com formação, divulgação, incremento económico com valor acrescentado do produto” e “o reconhecimento social daqueles que trabalham no barro”.

O apoio da autarquia aos oleiros vai avançar e numa primeira fase vai ser requalificado o espaço onde se localizam os seus postos de venda, numa das entradas da cidade, e vai ser concedida uma ajuda para o transporte do barro, que actualmente tem de ser comprado em Chaves. Posteriormente, serão promovidos cursos de formação profissional para novos artesãos e a proposta da autarquia às escolas do concelho para a inclusão de temáticas relacionadas com o barro preto no projecto educativo.

Serão também realizadas acções de divulgação e sensibilização da comunidade para realçar a “importância da continuidade futura desta tradição”.

Está ainda prevista a criação uma espécie de mostruário com as principais peças de todos os oleiros e a realização de exposições itinerantes para dar a conhecer este património.

Para a implementação destas medidas, a Câmara conta com o apoio de parceiros como a Junta de Freguesia, Associação Empresarial Nervir e Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que será convidada a avançar com investigações sobre o barro negro, no sentido de ajudar a “a preservar e modernizar esta arte”.

Salvar a arte
Os oleiros olham com esperança para esta iniciativa e para a candidatura da olaria negra de Bisalhães à lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO e esperam que ainda venha a tempo de salvar esta arte.

Encontrámos Cesário Martins de 79 anos no seu pequeno ‘stand’, localizado numa das entradas da cidade de Vila Real. Ao toque do pé de Cesário, a roda de madeira inicia o seu rodopiar, amassando um bocado de barro, que tem de estar humedecido de forma homogénea. O barro é colocado no centro da roda e esta continua a girar, à medida que dos dedos de mãos calejadas do oleiro, se formam as peças que o artesão quer fabricar, fazendo aparecer formas de vida de um pedaço de pó. Hoje, após muitas voltas e por entre a conversa, surgiu uma alguidar para fazer arroz de forno.

“Havendo paixão, o trabalho aqui na louça faz-se com facilidade”, diz o artesão, que começou a meter as mãos ao barro aos 11 anos.

As peças, cujas formas são heranças de gerações, contam um pouco da história e dos hábitos dos habitantes do concelho. Da aldeia de Bisalhães continuam, pois, a sair as louças churras para o forno, a assadeira, o alguidar para o arroz e os tachos, e as …. decorativas, ou louça fina, como as bilhas de segredo e de rosca, os vasos de argolas, as pichorras para beber vinho, e tantas outras que fazem o deleite dos visitantes.

“Aqui, não há modelos. São só os dedos e muita paciência para dar corpo às peças”, diz Cesário, confessando que a confecção de uma peça de barro é morosa e até meticulosa.

“Depois de estar seco, o barro leva as mesmas voltas que o pão. Peneira-se, amassa-se e vai para a roda, onde é moldado conforme a peça que queremos. Feita a peça é preciso deixar secar para ir ao forno a 800 graus, onde leva umas duas horas a cozer. Depois de cozida, abafa-se com a terra da própria lenha e está assim quatro horas sem respirar”, conta o oleiro.

Cesário Martins diz que não sabe muito bem o que significa isso da candidatura a Património Imaterial, mas diz que tudo o que vier ajudar a arte “é bem-vindo”.

“Acho muito bem. E ainda bem que uma Câmara, finalmente, vem resolver isto, porque está em vias de acabar. E, se isso vier a acontecer, é uma pena e uma perda muito grande para o concelho”, lamenta Cesário Martins, mostrando-se disponível para transmitir aos outros o tanto que tem para ensinar.

“Até deviam ensinar a olaria nas escolas, como ensinam outras coisas. E eu gostaria muito de ensinar”, diz o oleiro.

Cesário Martins também gosta de recordar o tempo de criança em que havia “para aí” uns 80 oleiros espalhados por Bisalhães. Foi nesse mesmo tempo e logo que saiu da escola primária que aprendeu a moldar o barro com os pais.

Mais tarde, foi à tropa e ingressou na GNR, mas, nas folgas ou férias, não perdia a oportunidade para se dedicar à arte que se transformou na sua grande paixão e que abraçou a tempo inteiro depois de se reformar.

Actualmente são sete os oleiros de Bisalhães a trabalhar o barro. A maioria já é idosa. Recentemente, surgiu um outro, mais novo, que concilia o trabalho na autarquia com a produção de algumas peças.

A tradição como oportunidade de emprego
A Olaria de Bisalhães é conhecida pela cor negra das suas louças. O segredo está no forno e nos métodos da cozedura. O forno é um buraco aberto na terra, da aldeia de Bisalhães, com paredes revestidas a barro, sendo as peças colocadas numa grelha em ferro, com a lenha a crepitar. A lenha também tem que ser especial: giestas, caruma e carquejas. A peça tem de ser abafada, depois, com terra escura, a mesma que vai dar a cor negra ao barro.

O processo de confecção da olaria de Bisalhães remonta, pelo menos, ao século XVI.

O principal problema desta actividade centra-se no envelhecimento dos oleiros. São poucos e quase todos de idade avançada.

“Os oleiros são o principal canal da nossa missão e daquilo que pretendemos”, realça Eugénia Almeida, não ocultando o desejo e a necessidade de “captar novos praticamente para esta arte”, uma actividade que a autarca considera rentável e que se poderá revelar uma oportunidade de emprego para desempregados ou jovens licenciados.

No sentido de despertar o interesse e ajudar, o município vai sinalizar as oficinas e fornos dos oleiros, na aldeia de Bisalhães, para os tornar acessíveis à visitação, reforçar a divulgação turística e avançar com o processo de certificação da louça preta para uso alimentar.