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Sophia, a escritora dos jardins e do mar, vai para o Panteão

02 jul, 2014

O filho Miguel Sousa Tavares não sabe se Sophia gostaria de estar no Panteão, para onde o corpo da poetisa é trasladado esta quarta-feira. "Toda a literatura dela é terraços, é jardins, é praias, é noites de luar, é mar".

Sophia, a escritora dos jardins e do mar, vai para o Panteão
O Porto e a praia da Granja eram para Sophia de Mello Breyner Andresen "lugares sagrados". Foi neles que se rodeou de mar, areia, jardins - cenários que mais tarde inspiraram os poemas e as histórias que escreveu. Luís Miguel Cintra vê nessa partilha dos espaços pessoais uma escrita aberta ao mundo e encaixa Sophia na categoria rara de pessoas que o marcaram para sempre. Nos 10 anos da morte da escritora, viajamos pelos lugares de onde se fez Sophia.
O corpo da escritora Sophia de Mello Breyner Andresen vai esta quarta-feira ser trasladado para o Panteão Nacional. A chegada do cortejo a Santa Engrácia está prevista para as 19h00, depois de sair no Cemitério de Carnide, passando pela Assembleia da República e pela capela do Rato, onde será celebrada uma missa. 

Em Fevereiro, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a concessão de honras de Panteão Nacional à poetisa, motivo de orgulho para Miguel Sousa Tavares que vê a decisão como "um acto de justiça" na perspectiva de filho e cidadão. 

Em declarações à Renascença, durante o festival literário Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, a 21 de Fevereiro, Miguel Sousa Tavares relevou, apesar disso, sentir também algumas reticências face à trasladação.

"Enquanto filho da minha mãe, não sei se ela gostaria de estar no Panteão. Toda a literatura dela é terraços, é jardins, é praias, é noites de luar, é mar, é tudo isto. Não é um sarcófago de mármore fechado numa sala, rodeado de pessoas, por mais ilustres que sejam", comentou.

Já dizia Sophia na sua "Obra Poética I", referindo-se à cidade, “estou em ti fechada e apenas vejo/ Os muros e as paredes, e não vejo/ Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas./ Saber que tomas em ti a minha vida/ E que arrastas pela sombra das paredes/ A minha alma que fora prometida/ Às ondas brancas e às florestas verdes".

"Pessoa de génio"
Guilherme d'Oliveira Martins, actual presidente do Centro Nacional de Cultura e amigo de Sophia, lembra o trabalho da escritora na instituição a que também presidiu, em 1965.

Sophia fez um pouco de tudo enquanto foi presidente do Centro Nacional de Cultura, mas costumava de dizer que não gostava de participar em colóquios, conta. "Tinha uma relação muito contida com as palavras. A palavra que nós encontramos em Sophia é a palavra certa”.

À Renascença, Guilherme d’Oliveira Martins recorda uma entrevista em que foi perguntado a Sophia "o que é indispensável numa escola". A escritora terá respondido: "poesia, música e ginástica". 

Quando o jornalista a inquiriu sobre a importância da matemática, Sophia respondeu "Mas acha que é possível distinguir uma redondilha dos alexandrinos, ou conhecer a música, se não houver essa relação mágica com o número?", recorda Oliveira Martins.

"Sophia, como pessoa de génio que era, fazia intervenções intemporais", diz.

Na Assembleia Constituinte saída da revolução de 1974, a então deputada socialista Sophia falou da cultura, da necessidade de criação cultural, da liberdade e da educação, sobretudo de uma educação inclusiva. 

O discurso de Sophia sobre a educação especial recordava "a necessidade de não discriminarmos e garantirmos que todos são verdadeiramente iguais", diz Guilherme d'Oliveira Martins.