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Dia do Livro Infantil

"Uma aventura" contra a falta de hábitos de leitura

02 abr, 2014 • Joana Costa

"Uma Aventura" é a colecção infanto-juvenil mais longa e com mais sucesso em Portugal. Autoras criticam alterações ao Plano Nacional de Leitura.

Chega esta quarta-feira às lojas “Uma Aventura na Casa da Lagoa”, o 56.º livro da já longa colecção “Uma Aventura” que, há 32 anos, uniu Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Esta quarta-feira assinala-se o Dia Internacional do Livro Infantil.

“A colecção ‘Uma Aventura’ apareceu em 1982 e teve muita influência. Alargou extraordinariamente o número de leitores porque não havia nada do género. Não havia aventuras passadas em Portugal a retratar a realidade das crianças do século XX”, explica à Renascença Ana Maria Magalhães. “As crianças sentiram-se muito identificadas com aquela escola, com aquelas personagens.”

Ao juntarem canetas, energia e criatividade, as autoras queriam criar leitores, despertar o mais cedo possível o prazer da leitura. A crise e o desemprego continuam fora do alinhamento. “Chamamos a atenção para aquilo que vale a pena, que abra horizontes. Nunca, mas nunca estamos a chamar a atenção para o que afecta de forma negativa o quotidiano dos nossos leitores”, refere Isabel Alçada, ex-ministra da Educação.

Talvez por isso os antigos leitores, agora crescidos, tenham presas na memória as histórias das gémeas (Teresa e Luísa), do João, do Pedro e do Chico.

“Aconteceu algo engraçado no comboio. Encontrei outra escritora com quem vinha a conversar e, de repente, salta uma passageira que ia na mesma carruagem a dizer que tinha estado a ouvir a nossa conversa. Não resistiu a dizer que era professora de Arquitectura, que começou a ler com os livros de ‘Uma Aventura’ quando era pequena, que foi assim que encontrou o gosto pela leitura e que agora já são os seus filhos que os lêem”, conta, emocionada, Ana Maria Magalhães.

Mas os filhos dos tempos actuais não vivem sem as novas tecnologias. Uma realidade que não passou ao lado das autoras. “Seria um absurdo já que são os mais novos quem tem mais apetência e mais facilidade nesse campo”, refere Alçada.

Ainda assim, não são as personagens que mudam. “O que está diferente é o ritmo em que vivemos. O ritmo das nossas histórias mais recentes é mais acelerado. Depois, introduzimos as novas tecnologias de uma forma natural”, complementa Magalhães.

Críticas ao Plano Nacional de Leitura
Co-responsáveis pela criação de muitos novos leitores em Portugal nas últimas três décadas, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada não se coíbem de esgrimir críticas às alterações do Plano Nacional de Leitura (PNL).

Isabel Alçada, antecessora de Nuno Crato no Ministério da Educação, esteve na génese do PNL. O plano “provocou uma intensificação da leitura em vários contextos, propondo leituras diárias no pré-escolar e primeiro ciclo e semanais nos restantes, com livros que interessavam aos potenciais leitores”.

Mas a antiga ministra critica as mudanças recentes no PLN. Antes, diz, os professores tinham mais possibilidades de escolher um conjunto de livros adaptados aos seus alunos.

“Neste momento, há uma orientação com a qual não concordo que tem a ver com o estabelecimento de metas de aprendizagem que indicam um conjunto muito limitado de obras obrigatórias. É um retrocesso porque o importante é que a escolha seja feita em função dos interesses daqueles que vão ler”, diz.

Opinião partilhada pela colega de “aventuras”. “Leituras a martelo que os alunos acham uma maçada podem ter vários efeitos. É um retrocesso estar a obrigar as pessoas a ler livros que eventualmente não lhes interessam nada. Porque as crianças têm personalidades variadas, cada turma tem uma dinâmica própria. Cheguei a ter cinco turmas e a ter de escolher cinco livros diferentes para leitura”, critica Ana Maria Magalhães, que foi professora durante 39 anos.

“Costumo dizer que a escola, às vezes, parece querer fazer uma coisa que todos temos terror: clonagem. Parece querer fazer um molde e enfiar as crianças e a juventude toda no mesmo molde. Isso não é possível, nem desejável. O mundo oferece mil hipóteses para uma Humanidade muito diversa e, depois, queremos meter todos a estudar as mesmas coisas, o que é um disparate”, remata.