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Vitória "pimba" no Festival da Canção abre polémica

18 mar, 2014 • Ana Patrícia Marques

"Quero ser tua", de Suzy, gerou muitos comentários negativos nas redes sociais e até uma petição. Agentes do meio musical dizem que festival tornou-se "incaracterístico e inconsequente".

Vitória "pimba" no Festival da Canção abre polémica
"Eu quero ser tua", repete Suzy, mas na página de Facebook da RTP há quem faça o trocadilho e diga que não queira que Suzy seja do festival da Eurovisão. "Não vás à Dinamarca, por favor", pede um cibernauta. "O povo votou mal outra vez… pimba", diz outro. Algumas críticas dirigem-se directamente à RTP e espalham-se rumores de que os resultados podem ter sido "influenciados".

A canção escolhida, na final de sábado, para representar Portugal no Festival da Eurovisão, "Quero ser tua", de Suzy, foi composta por Emanuel. E, mesmo com o seu "wawawewawe" vagamente africano, o tema lembra as cantigas ditas "pimba". A polémica não é coisa nova no Festival da Canção. Em 2011, a escolha dos humoristas-cantores Homens da Luta foi questionada por muitos. E não é a primeira vez que Emanuel escreve uma canção vencedora do festival.

Para além dos comentários negativos no Facebook oficial da RTP e até uma petição para destronar Suzy, que conta com cerca de cinco mil assinaturas, músicos e outros agentes do meio musical, ouvidos pela Renascença, têm uma posição crítica.

José Cid, que participou em vários destes festivais, afirma que o evento está hoje "mal organizado" e que isso se reflecte numa má representação internacional da "alma portuguesa". "A votação que o público faz é muito mal pensada. A televisão devia escolher o músico que nos vai representar. Portugal está cheio de bons poetas e bons músicos e de bons intérpretes", diz.

Também Nuno Galopim, que já integrou o júri do festival e foi percursor da Organização Geral dos Amantes da Eurovisão (OGAE) em Portugal, salienta a perda de importância do evento no mercado discográfico. Tornou-se um "acontecimento incaracterístico e inconsequente", diz o jornalista e crítico musical.

Até a organização do festival faz alguma autocrítica. Rámon Galarza, que esteve responsável pela produção das dez músicas a concurso na edição deste ano, admite que o festival "já não tem o significado que teve há umas décadas", encontrando-se isolado do mercado musical actual. "Não há o envolvimento atrás do festival que lhe concedia mediatismo. Não há editoras nem artistas a apostar nesse género de música."

Contactada pela Renascença, a assessora de comunicação da RTP, Ana Gaivotas, informou que o canal público não vai prestar declarações sobre o tema.

"Festival perdeu interesse"
Noutros tempos, o Festival da Canção era um espelho do que se fazia em Portugal. Já a Eurovisão era uma porta de entrada para o mercado internacional. Mas, "desde meados dos anos 80, o festival perdeu o interesse a nível discográfico e mesmo musical", diz Nuno Galopim.

Quanto à escolha deste ano, Ramón Galarza sublinha apenas: "As leis do jogo ditaram que o público optasse por esta música. O meu trabalho foi tratá-las da mesma maneira, espero eu que com justiça". O músico e produtor acredita que o balanço dos últimos anos não é negativo e o evento não tem mais popularidade porque "tem uma estética musical que não se consome em Portugal".

Apesar da polémica, muitos fãs continuam a acompanhar o evento com fervor. Carlos Portelo, gestor do "site" de fãs "Festivais da Canção", que agrega informações sobre todas as edições do festival, não compreende o "sururu", dado que foi o público quem escolheu a canção.

"Na semifinal deste último sábado foi usado o televoto, mas cada número de telefone só contou uma vez", salienta, referindo-se a anos em que a mesma pessoa podia votar de forma ilimitada. "Não há irregularidade em questão nenhuma e há muito que o regulamento é conhecido. Falei com muitos compositores que não concorreram porque não concordam com ele".

Carlos Portelo não revela a sua opinião sobre a canção escolhida este ano, mas lembra que em 2007, a vencedora foi também composta por Emanuel ("Dança Comigo", de Sabrina). "Os estrangeiros não têm um conceito pejorativo [como o rótulo ‘pimba’] para classificar este tipo de música, por outro lado, o 'eurofestival' tem tanta coisa má que a [canção] que ganhou este ano em Portugal até pode ser uma pérola."

[Notícia corrigida. Os Homens da Luta venceram o Festival da Canção em 2011 - e não no ano passado]