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Paulo Cunha e Silva

"Temos de alienar alguns espaços culturais para investir nos conteúdos"

22 nov, 2013 • Pedro Rios

Vereador da Cultura da Câmara do Porto admite vender espaços para obter receitas. Rivoli é o maior problema e não se resolve sem mecenas ou dinheiro da Europa, reconhece em entrevista à Renascença.

"Temos de alienar alguns espaços culturais para investir nos conteúdos"
Está há um mês em funções e reconhece ainda ser "novato na gestão da terminologia e dos trâmites autárquicos". Apesar de ter fama de "criativo", o novo vereador da Cultura da Câmara do Porto admite a dificuldade que será encontrar financiamento para reabrir o teatro municipal Rivoli e pô-lo a funcionar em articulação com o Teatro do Campo Alegre, para onde espera que a companhia Seiva Trupe regresse. Paulo Cunha e Silva diz que o Porto tem demasiados espaços dedicados às artes e admite vender alguns para reforçar a programação cultural.

O Porto "é uma cidade com o cérebro sequestrado", "o empobrecimento cultural da cidade é nítido". Disse isto nos anos de Rui Rio.
O que está dito está dito e está assumido. Não vou ser um interlocutor do passado. A pessoa que dialoga comigo é o futuro, não o passado…

Mas como se regenera uma cidade que teve esse "empobrecimento"?
Não vou dizer que a cidade teve empobrecimento, mas o que disse está dito. Vou auscultá-la, vou ouvi-la. Este modelo de câmara dialogante e aberta que o presidente Rui Moreira quer seguir também tem que ser seguida na estratégia cultural.

A Seiva Trupe vai voltar ao Teatro do Campo Alegre?
Quando estamos num processo negocial, não se deve dizer em que fase se está. Reconheço à Seiva Trupe todo o seu interesse histórico como marca importante da cidade e este executivo está disponível para permitir a sua reentrada no Campo Alegre.

Vai resolver a situação da Casa da Animação, que também recebeu ordem de despejo nos últimos dias de Rio na Câmara?
Vou investir na preservação dessa marca porque o Porto tem um grande protagonismo internacional na área das imagens em movimento. Não tem que passar por ocupar aquele espaço, que, parece-me, não tinha as condições ideais. Era um espaço desagradável, feio.

A Casa da Animação poderia aproveitar a Casa Manoel de Oliveira da Foz? Nunca teve utilização e continuará a não ter, agora que sabemos que a casa vai nascer em Serralves.
Queremos passar de uma política de espaços para uma política de conteúdos. O nosso problema é que temos espaços a mais e não temos conteúdos para os preencher. Temos que alienar alguns desses espaços para tentar investir nos conteúdos. E a Casa do Cinema, que já não é “Manoel de Oliveira”, é um problema com o qual estamos a lidar. Se se demonstrar que é difícil encontrar uma solução para aquele espaço, teremos que encontrar alternativas.

Está a falar de vender espaços para financiar conteúdos?
É provável que da venda ou alienação de alguns espaços se consiga maior disponibilidade financeira para investir nos conteúdos.

Que espaços equaciona vender?
É precoce. Estamos a fazer um mapeamento. Poderemos identificar que há espaços cuja exigência de manutenção é tão grande que não vale a pena mantê-los. Mesmo sem conteúdos, exigem gastos muito significativos para a câmara – de segurança, limpeza, manutenção.

A sua cadeira neste gabinete veio do Rivoli. É para o lembrar que esse é o seu principal problema?
É o problema que custa mais dinheiro. Temos que encontrar soluções muito criativas, eventualmente apoio mecenático ou num quadro comunitário de apoio.

Tem um horizonte temporal para reabrir o Rivoli?
Quero encontrar uma solução no ano que vem.

Uma solução que não existirá sem mecenas ou financiamento europeu?
Posso-lhe dizer que o orçamento que tenho previsto para o Rivoli e o Teatro do Campo Alegre funcionarem razoavelmente, com níveis de dignidade aceitáveis, mas quase mínimos, é muito superior ao orçamento da câmara para tudo o resto [na área cultural] – arquivos, bibliotecas, museus. Acho difícil ser por menos de três milhões de euros [por ano]. E, no primeiro ano, vai ser necessário um investimento muito grande em equipamentos. Dificilmente poderá ser suportado pelo orçamento da Câmara.

Filipe La Féria terá espaço no novo Rivoli?
Não com o estatuto de companhia residente, mas uma peça ou outra seria algo que não me angustiaria. Filipe La Féria terá espaço noutros espaços da cidade.

A imagem que tem do Fantasporto é abalada pela investigação às alegadas irregularidades na condução do festival?
Não sou especialista em imagens e não faço julgamentos precipitados sobre ninguém. Espero que a investigação decorra bem, mas não é isso que vai condicionar o apoio da câmara ao Fantasporto, que é um apoio residual.

Quais dos seus projectos podem já arrancar?
Um deles é um projecto bastante interessante, muito simples e financeiramente muito leve: mostrar uma peça relevante em cada um dos espaços que dependem da Câmara. A câmara tem cerca de 30 e tal espaços ligados à cultura. Haveria uma peça e os seus discursos uma vez por semana.

O que pretende com o "Fórum do Futuro", que descreveu como "uma espécie de Davos do futuro"?
O Porto tem a maior universidade do país, que é a Universidade do Porto, e tem outras universidades. Tem instituições com projecção internacional, como a Casa da Música. Tem Serralves, que já foi considerado um dos melhores museus de arte contemporânea do mundo. Porque não associar estas instituições de topo numa parceria com a Câmara e, através da Universidade do Porto, por exemplo, trazer um prémio Nobel na área da investigação do cancro, da biogenética, da biomedicina, da robótica, zonas de investigação em que o Porto tem um protagonismo grande mundial? E complementar esse programa com acção, com coisas cutting edge: ciberarte em Serralves, cibermúsica na Casa da Música, ciberperformance em Serrralves…

O primeiro "Fórum do Futuro" será em 2014?
A minha ideia é poder fazer na última semana de Dezembro.

Este ano, a Feira do Livro não se fez por 75 mil euros. A feira vai voltar à Avenida dos Aliados?
Em eventos de natureza comercial, mas que interessam à câmara, a câmara deve ser um agente que facilita, mais do que propriamente estar a financiá-los.

Não vai atribuir esse subsídio de 75 mil euros à APEL?
Os apoios logísticos e de comunicação custam dinheiro. Não sei se há 75 mil euros no orçamento.

Reuniu-se com a vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa. Porto e Lisboa devem cooperar mais?
Não faz sentido entrar numa lógica de bipolaridade, mas faz sentido entrar numa lógica de pendularidade, com coisas a passarem a acontecer nas duas cidades simultaneamente. Haveria um ganho em termos de recursos e economia de escala. O país como marca tem uma grande dificuldade em inscrever-se culturalmente. Estive como conselheiro cultural em Roma nos últimos três anos e meio e há dificuldade em Itália em perceber-se o que é Portugal. As pessoas sabem quem é o Siza, o Manoel de Oliveira, o Mourinho, o Ronaldo, o Vinho do Porto e sabem vagamente o que é o Porto, mas muitas vezes não sabem o que é Portugal. Temos estrelas, mas não temos uma constelação. Falta-nos uma via láctea