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Para ele, "a caneta é a arma do pioneiro"

05 nov, 2013

Ndalu de Almeida, angolano de 36 anos, é Ondjaki quando assina livros. Um dos romances que escreveu, "Os Transparentes", acaba de ser galardoado com o Prémio Saramago. "Alimento todos os dias uma esperança quase ridícula, quase utópica, de uma Angola mais justa", disse esta terça-feira.

Para ele, "a caneta é a arma do pioneiro"
A frase encimava os antigos cadernos escolares de Ondjaki: "a caneta é a arma do pioneiro". Com esta "arma", o escritor angolano escreveu "Os Transparentes", um romance distinguido agora com o Prémio Saramago. O livro, afirma, "é um abraço aos que não se acomodam, mas antes se incomodam".

No romance, Ondjaki explora as várias camadas que coabitam na cidade de Luanda, que marcam um retrato social da Angola pós-guerra. Há meses, o escritor falou sobre o livro no programa da Renascença "Ensaio Geral". "Acaba por ser um livro diferente, um pouco mais profundo, sobre Luanda, mas que não tem nada que ver com o momento. Os livros escrevem-se quando nós estamos prontos para os tirarmos cá de dentro. A ideia inicial deste livro é muito antiga, de 91, 92. A ideia com esta estrutura começa em 2001 e só o escrevi em 2009. Não tem que ver com as coisas que se passam cá fora - tem que ver com reflexões sobre a cidade", descreveu na altura o autor.

Durante a entrega do prémio, esta terça-feira, Ondjaki descreveu o processo de escrita do livro. "Fi-lo com o que tinha dentro de mim, entre verdade, sentimento, imaginação e amor. É uma leitura de carinho e de preocupação. É uma celebração da nossa festa interior, trazendo as makas, os mujimbos, algumas dores, alguns amores. Penso que todos queremos uma Angola melhor", declarou o escritor. "Alimento todos os dias uma esperança quase ridícula, quase utópica, de uma Angola mais justa. Enquanto espero, abraço aqueles que quando vão falar estão preparados para escutar."

Ondjaki afirmou-se com "dúvidas e anseios em relação ao momento histórico actual", mas procura "alimentar todos os dias uma esperança". Essa esperança é numa "Angola mais justa", a quem dedicou o prémio. "Este prémio não é meu. Este prémio é de Angola. Seremos um país melhor quando as pessoas puderem expor e debater as suas convicções ainda com mais liberdade e conforto. Tenho o orgulho de pertencer a um país onde os jovens pensam, reflectem e chegam às suas próprias conclusões", disse.

Na cerimónia, realizada na Casa dos Bicos, em Lisboa, Ondjaki agradeceu "às pessoas que trazem universos": citou a sua avó, os pais, a tia Rosa, que tomou conta de Ondjaki em vez de ir para a creche, o tio Joaquim e a tia Dad, que lhe deram livros para ler, Nuno Leitão, o editor Zeferino Coelho, a poetisa Ana Paula Tavares, que beijou carinhosamente por lhe "ter ensinado a ler e a cortar nas frases". E agradeceu "a todos os professores de português" que teve.

Ondjaki, que significa "guerreiro", é pseudónimo de Ndalu de Almeida. Nasceu em Luanda em 1977, é sociólogo, poeta, guionista, escritor e artista plástico. Faz parte da primeira geração de angolanos que cresceu num país independente, embora em guerra. A sua literatura é um diálogo entre memórias e questões sociopolíticas. 

Ondjaki foi laureado pelo Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, em 2007, pelo livro "Os da Minha Rua". Recebeu na Etiópia o prémio Grinzane para o melhor escritor africano de 2008. Em Outubro de 2010, o angolano ganhou no Brasil o Prémio Jabuti na categoria juvenil, com o romance "Avó Dezanove e o Segredo do Soviético".