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"Sem-abrigo" da escrita defende um Estado europeu

22 out, 2013 • Maria João Costa

Escritor italiano Claudio Magris recebeu esta segunda-feira, em Lisboa, o prémio europeu Helena Vaz da Silva.

É no café que gosta de escrever, sentado entre o que diz ser a vida real. Claudio Magris tem 74 anos e uma vida dedicada à escrita e aos livros. O prémio europeu Helena Vaz da Silva, que agora recebeu, junta-se a outros como o Prémio Príncipe das Astúrias das Artes, que venceu em 2004.

O nome de Claudio Magris é muitas vezes escutado quando se fala do Nobel da Literatura. Em Lisboa, a cidade que visitou pela primeira vez há mais de 30 anos, falou dos livros que o fazem viajar e conhecer o mundo.

“O livros como um testemunho, como uma análise da vida, fazem parte da nossa vida porque os livros não são apenas um objecto. São algo que nos faz lembrar como a nossa vida não está limitada à nossa pessoa. Eu lembro-me do primeiro livro que li, que eu não li directamente, porque tinha cinco ou seis anos, por isso não sabia ler. Foi a minha tia que me leu. Esse livro, para mim, foi a descoberta de que as palavras, o papel, podem dar-nos a vida das outras regiões e culturas. É a descoberta do incrível mundo das civilizações, de culturas e de povos. É a possibilidade que temos de viver outras vidas, de perceber que as nossas vidas não acabam na fronteira do nosso coração.”

A fronteira do coração de Claudio Magris conhece bem a Europa, que é um dos eixos centrais da sua escrita. Livros como "Danúbio" são exemplo disso. O autor olha para o projecto europeu ainda com esperança, mesmo em tempo de crise.

“Acredito mesmo que nós temos a necessidade um Estado europeu para pôr em igualdade a Itália, Portugal, a Alemanha que são como a Lombardia ou mesmo o Alentejo. Porque os problemas são mais do que problemas nacionais. A emigração, por exemplo, não é um problema nacional, por isso é ridículo que haja direitos diferentes num país ou no outro como se nós tivéssemos para a imigração, por exemplo, uma lei em Milão e outra Bolonha. Não pode ser, eu sei que é muito difícil, mas é a única forma que temos de sobreviver.”

Em Janeiro, Claudio Magris foi um dos 12 intelectuais, a par do escritor italiano Umberto Eco, do autor francês Bernard Henri Lévy e do escritor português António Lobo Antunes, que assinaram um manifesto no qual defendiam que só com a união política se poderá salvar o projecto europeu. Hoje continua a sublinhar que é melhor estar na Europa do que fora dela.

“Eu acredito que enfrentamos problemas excepcionais e terríveis. Os problemas imediatos da vida, o poder ou não mandar os filhos para uma escola ou para o ensino superior ou poder comer, isso é realmente terrível. Mas eu não acredito que deixar a Europa seja uma solução. Acho que mesmo sem a Europa, Itália e Portugal ou a Grécia teriam problemas como os que têm. A Europa deve por isso formar um Estado europeu com a possibilidade de impor as suas soluções.”

"Escrevo quando não estou contente"
Há 47 anos que Cláudio Magris escreve na imprensa italiana. Tem uma coluna num dos principais jornais do seu país. É la que gosta de escrever sobre livros, mas por vezes a caneta foge para outras temáticas e torna-se uma arma.

“Eu escrevo nos jornais muitos ensaios literários, críticas literárias, mas por vezes faço intervenções políticas quando sinto que tenho o dever de defender alguma coisa, de denunciar qualquer coisa , protestar contra qualquer coisa. Quer dizer, dar uma contribuição para a vida social e moral. É um compromisso que é necessário. Escrevo quando não estou contente. Um artigo, por vezes surge porque estou furioso com alguma coisa ou sinto uma injustiça. Para citar S. Paulo: é uma dimensão do "bom combate" e cada um faz o seu combate com as armas que tem e as minhas são a escrita , não tenho outras.”

E não é em casa que esta arma da escrita ganha asas. Claudio Magris continua a escrever em cafés: “Quando posso, sim, escrevo, mas agora o meu café preferido está fechado para obras. Só espero que não o destruam com estas obras de remodelação. Agora sem o café sinto-me um pouco sem-abrigo”.

Este "sem-abrigo" literário tem agora um novo livro em Portugal. "Alfabetos" é lançado esta terça-feira na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. O livro reúne textos publicados na imprensa nos últimos anos e reflectem sobretudo sobre a arte da escrita.

Claudio Magris recebeu esta segunda-feira à noite, em Lisboa, o Prémio Europeu Helena Vaz da Silva. Instituído pela organização não-governamental "Europa Nostra" e pelo Centro Nacional de Cultura (CNC) e Clube Português de Imprensa, o prémio visa distinguir um cidadão europeu que, ao longo da sua carreira, tenha promovido o património cultural Europeu. 
               
Claudio Magris é conhecido por livros como "Danúbio", onde a questão europeia está sempre presente.