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Cónego Luís Pereira da Silva

"A caridade cristã tem rosto e nome. Um pobre não é um número"

13 fev, 2013 • Ângela Roque, Domingos Pinto e Marisa Gonçalves

Especialista em liturgia explica o significado da penitência, oração e jejum que os cristãos são convidados a fazer na Quaresma. Também D. Nuno Brás lembra a mensagem do Papa nesta quarta-feira de cinzas. A finalizar, uma reportagem à obra das Missionárias da Caridade, em Setúbal.

O Papa Bento XVI preside esta quarta-feira à missa das cinzas que assinala o início da Quaresma. É um período especial de 40 dias em que os cristãos se preparam para a festa da Páscoa.

O cónego Luís Pereira da Silva, pároco de Sé de Lisboa e especialista em liturgia,explica o significado da penitência, oração e jejum que os cristãos são convidados a fazer, como forma de conversão e mudança de vida. 

"O sentido do jejum é sabermo-nos privar daquilo que, além de ser acessório, muitas vezes não é essencial, para o podermos partilhar com quem não tem. Jejuar para poupar é uma maneira só de aumentar os bens próprios, mas não é esse o sentido. Jejuar é partilhar. Abstinência é educar. A oração, mais intensa, é outra das pedagogias da Quaresma para a conversão do coração. E depois a penitência, fazer actos, sacrifícios, no bom sentido", descreve, à Renascença.  

O cónego Luís Pereira da Silva admite que a renúncia quaresmal a que os cristãos são também chamados é um desafio especial neste tempo de crise.

"Claro que é um desafio muito grande e um desafio que vamos viver com autenticidade. Há duas dimensões importantes: uma é ouvir os apelos dos nossos bispos. Eles endereçam a renúncia quaresmal para as diferentes dioceses e para as diferentes instituições ou obras, portanto aí, a nossa quota parte, a nossa renúncia, devemos saber fazer corresponder com generosidade", diz.

"Depois isso não obsta uma outra dimensão, mais pessoal: é que nós corremos o risco de caírmos sem querer numa postura de achar que demos para a instituição e 'já está, agora não me incomodem mais'; o problema é que isso não é caridade cristã. A caridade cristã tem um rosto e um nome. Um pobre não é um número, é uma pessoa", sublinha Luís Pereira da Silva.

A caridade cristã exige um olhar atento a quem precisa de ajuda e essa ajuda não deve ser apenas material. "Há muita forma de fazer chegar a quem precisa e esse 'fazer chegar' não tem só a ver com bens materiais. É também fazer chegar o nosso tempo."

"Quantas vezes, por exemplo, sabemos que no terceiro andar vive uma idosa que não tem ninguém. Às vezes desce-se e sobe-se e ninguém pára. Então se calhar a grande renúncia tem de ser: 'hoje é domingo, vou estar uma hora com a vizinha'. Às vezes é só o estar, fazer companhia, ou ajudar a tratar de uma receita do médico. São pequeninas coisas que com tempo paramos para ver. Quem está ao nosso lado? Quem é o nosso próximo? Essa é que é a questão de fundo", indica ainda o prelado. 

D. Nuno Brás relembra que esta é a Quaresma do Ano da Fé
O Bispo auxiliar de Lisboa, D. Nuno Brás, lembra que esta é a Quaresma do Ano da Fé, e que a mensagem que o Papa emitiu para este momento convida os cristãos à caridade.

"É um tempo especial para os cristaos e o Papa convida-nos a vivê-la na caridade. Não simplesmente a partir daquilo que é a solidariedade natural de quem vê o próximo sofrer, mas de quem olha para o próximo com o olhar de Deus", diz.

"É isso a caridade que tem como ponto de partida o amor de Deus por nós, que nos chama a ser cheios deste amor. O Papa nesta mensagem para a Quaresma convida-nos a esta atitude", sublinha D. Nuno Brás.

E qual será o melhor jejum a fazer nesta quaresma?  "O melhor jejum é sempre o jejum do pecado. É isso a que todos os textos, toda a liturgia da Quaresma nos convida."

"Depois, este jejum é sempre acompanhado pela oração mais intensa, pela caridade mais intensa; portanto, olhar para o outro de uma forma mais intensa e, por fim, um jejum mais corporal, de forma a mostrarmos que não é a realidade material que nos domina, mas sobre nós, filhos de Deus, é Deus que é o senhor", conclui D. Nuno Brás.

Missionárias da Caridade dão testemunho no início da Quaresma
Nesta quarta-feira de cinzas a Renascença dá a conhecer a obra das Missionárias da Caridade, em Setúbal. A mensagem de Bento XVI para a Quaresma apela a uma reflexão entre a fé e a caridade.

Fernanda Mártires sempre soube que tinha algo para dar a quem mais precisa e um dia bateu à porta das Missionárias da Caridade. "As crianças vieram-me logo abraçar, e eu trouxe logo dali tanto amor, aqueles abraços, aquela atenção."

"Encantaram-me muito, e a apartir daí nunca mais deixei de ir lá a casa", conta. Agora está aposentada, não tem filhos mas gosta muito de crianças.

Anabela Pereira é outra voluntária que aparece todos os sábados para ajudar no que for preciso: mudar fraldas ou fazer limpezas, e assume que se teve de deixar de desculpas.

"Tenho muito que fazer em casa, não tenho tempo, e de facto não tenho muito tempo livre, mas o curioso é que o tempo aparece", observa a voluntária.

As Missionárias da Caridade em Setúbal acolhem 12 crianças, a maioria com deficiência vindas da Segurança Social, ou das comissões de protecção de crianças e jovens. Não recebem apoios estatais, e uma vez por mês ajudam cerca de 150 famílias carenciadas da cidade.