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"Rockers" alertam para o perigo de se infantilizar a fé

08 fev, 2013 • Filipe d’Avillez

Manuel Fúria e Tiago Guillul são dois músicos emergentes no panorama do "rock" nacional. Nas suas músicas fala-se de tudo, incluindo de Deus e da importância da família.

"Rockers" alertam para o perigo de se infantilizar a fé
Manuel Fúria e Tiago Cavaco aconselham prudência aos membros do Conselho Pontifício da Cultura, que estão reunidos em Roma para discutir as culturas juvenis emergentes, de forma a tentar perceber como melhor levar a mensagem da Igreja aos jovens.

Os dois músicos contemporâneos são também cristãos praticantes. O católico Manuel Fúria considera que neste campo, como noutros, a Igreja deve confiar sobretudo no Espírito. "Temos de confiar no Espírito antes de tomar acções que podem ser precipitadas. Acho que a Igreja tem de ter cuidado na maneira como faz as coisas, porque neste clima anti-Igreja qualquer passo que se dá é sempre muito observado e muito analisado. Se há uma coisa bem feita mas que tem uma falha, só fazem parangonas com a falha e não com o que está bem feito.”"

De uma perspectiva bem diferente, Tiago Cavaco, que usa o nome artístico Tiago Guillul, chama atenção para o que considera ser alguns exageros nas igrejas com a sua própria tradição protestante. "Às vezes não há nada pior do que tentar actualizar a fé. Há uma frase de Ionescu: 'Quem quer ser deste tempo já está ultrapassado'. Essa relação é de facto complicada. Quando as coisas 'cool' chegam à Igreja elas deixam de ser 'cool'. Essa é uma tentação que para os católicos aparece menos facilmente, mas com os evangélicos às vezes vais a um culto e aquilo é tão despido de forma e de ritual que não consegues distinguir se estás numa igreja ou num café e isso pode enfraquecer o testemunho de um cristão. Há um perigo de infantilizar a fé."

Tiago Cavaco, que em simultâneo com a sua carreira musical é pastor da Igreja Baptista de São Domingos de Benfica, e que começou a tocar precisamente na cave da Igreja que frequentava quando era adolescente, admite que esta fronteira nem sempre é fácil de traçar. "Eu sei que quando os meus filhos forem adolescentes, o que o pai deles faz não é 'cool' para eles, quase de certeza. O que vai ser 'cool' para eles vão ser coisas que eu provavelmente desprezo. Como é que eu vou viver a Igreja com os meus filhos de uma maneira que eles sintam que ela não é um sítio que despreza todas as coisas que os entusiasmam? É aí que alguma atenção ao que os jovens querem é importante. Se eu não tivesse tido essa relação tão boa na minha adolescência de dizer que a Igreja é onde me sinto bem e posso fazer as coisas que me apetecem, se calhar não estava aqui."

Manuel Fúria, com o seu próprio exemplo, procura tranquilizar o seu amigo e colega de profissão. "O meu exemplo e o meu percurso é esse, de uma fé infantil e de uma educação católica e de uma adolescência em que isso é tudo chutado para canto e que só aos 18 anos teve uma conversão adulta séria. Tem de se confiar no espírito e temos de dar espaço a que ele aja", diz o artista, cujo último álbum se chama "Manuel Fúria contempla os Lírios do Campo".

"Família: a suprema rebeldia"
Os dois músicos referem que ser cristão no meio em que trabalham nem sempre é fácil. Sem fazer música exclusivamente cristã, ambos falam abertamente da sua fé nos temas que compõem. Mas não só: procuram que a sua própria vida seja um exemplo. Tiago Cavaco, por exemplo, casou cedo, tem quatro filhos e no seu último álbum, "Amamos Duvall", canta que "constituir família é a suprema rebeldia". Ter filhos, considera, é um testemunho potente para a sociedade actual.

"A procriação choca porque estás a fazer uma afirmação de que o mundo é bom e de que a ideia de Deus criar o ser humano continua a ser boa. Isso é uma coisa que ofende as pessoas. Dizer que criar o mundo não é bom é das maiores acusações que o ateísmo continua a fazer, apesar de depois se contradizer, porque não tem a coragem de levar essa elaboração até ao fim e assumir que odeia a humanidade. Mas dizer que é bom ter filhos, que é possível ter filhos, nos dias de hoje, é de facto a real contracultura."

Manuel Fúria, que tem casamento marcado para breve, lamenta o espanto que causa nos seus amigos a ideia de se casar pela Igreja. "É complicado quando sentes que estás em sintonia com a verdade e ao estar em sintonia com ela estás contra tudo o que te rodeia. Por um lado também é bom, uso isso muito a meu favor. Mas sinto isso, sim, porque é um acto, uma declaração e uma vontade pública de fidelidade, de consistência, de criar mundo no mundo, que é uma coisa que se está a perder de facto e que é olhada com olhos tortos", diz. 

"Vivemos tempos difíceis. Fico sempre um bocado triste e enervado", suspira Manuel Fúria. "Mas depois faço umas canções e passa-me."