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Documentos marcantes de um pontificado

11 fev, 2013 • Filipe d’Avillez

A unidade dos cristãos e a renovação da fé na Igreja são dois dos temas mais marcantes do pontificado de Bento XVI, como atestam os principais documentos nestes anos.  

Documentos marcantes de um pontificado
O mais recente documento de peso publicado por Bento XVI aborda novamente um tema que tem atravessado todo o seu pontificado. Em “Porta Fidei”, ou “A Porta da Fé”, o Papa introduz o “Ano da Fé”, que decorre entre Outubro de 2012 e Novembro de 2013.

Esta não é a primeira vez que Bento XVI (que anunciou esta segunda-feira a resignação) aborda o tema da crise de fé que assola o mundo, nomeadamente o mundo ocidental desenvolvido. “Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo”, lê-se logo no segundo parágrafo do documento.

O Papa dirige-se a um mundo que encara a fé como um dado adquirido e por isso esqueceu a necessidade de a manter viva. “Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida. Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva. Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos”.

No contexto deste esforço para reacender a fé na Europa e no mundo ocidental, o Papa tomou várias iniciativas, nomeadamente a proclamação do Ano da Fé, mas também a convocação de um sínodo de bispos para discutir a nova evangelização e a redacção de uma encíclica, prevista para 2013, sobre o assunto.

Mas porque a fé deve ser apreendida por exemplo e no seio da comunidade, o Papa também decide, em 2012, proclamar dois novos doutores da Igreja, figuras de destaque que fizeram um importante contributo para o esclarecimento doutrinal e teológico na Igreja.

Através de dois documentos os santos João de Ávila e Hildegard von Bingen são elevados a esse estatuto, descritos como “uma luz para o seu povo e para o seu tempo”, no caso de Hildegard e “pregador evangélico”, no caso de João de Ávila.

O Papa da Unidade
Um dos documentos mais polémicos e inovadores de Bento XVI foi publicado em 2009 e abriu efectivamente uma porta para que os Anglicanos de pendor conservador pudessem entrar em comunhão com a Igreja Católica mantendo aspectos do seu património litúrgico e espiritual.

Anglicanorum coetibus”, que significa “grupos de anglicanos”, marca um romper com o modelo de diálogo ecuménico que se tinha desenvolvido há décadas com a Igreja Anglicana e parece simbolizar que Roma deixou de acreditar na possibilidade de esta comunhão alguma vez poder ser reintegrada na Igreja Católica. Para isso contribuem decisões de ruptura, como a ordenação de mulheres para o sacerdócio e para o episcopado e um desvio teológico para longe da tradição apostólica, que leva a relativismo institucionalizado e, no campo da moral, uma aceitação da homossexualidade, por exemplo, que vê algumas igrejas a sagrar bispos assumidamente em relações homossexuais.

Enquanto os opositores lamentam a forma como a decisão foi tomada e comunicada, sem consultar, por exemplo, o Arcebispo de Cantuária da altura, os defensores do Papa, sobretudo os anglicanos que beneficiam do gesto, apelidam-no de “Papa da Unidade”.

Esta preocupação pela unidade manifesta-se também em relação à China, uma potência mundial que insiste em não reconhecer a autoridade de Roma sobre os católicos no seu território, mantendo a existência de uma “Igreja oficial”, com bispos nomeados pelo Partido Comunista.

A situação na China é muito complexa e leva Bento XVI a escrever uma carta aos católicos chineses, em 2007. Nela o Papa encoraja os católicos a manterem-se firmes na fé e reafirma a posição da Igreja Católica Romana de que apenas ele tem autoridade para nomear bispos, ao contrário do que defende o Governo. O Papa instaura também uma jornada anual de oração pela China.

A carta é bem recebida pelos bispos chineses, sobretudo os que são fiéis a Roma, mas da parte do Governo não se verifica qualquer abertura ao Vaticano.

Restaurar a fé pela liturgia
É também de 2007 a constituição apostólica “Summorum Pontificum” (sem tradução oficial para português ou inglês), que liberaliza a celebração da missa segundo o rito antigo, conhecido normalmente como rito tridentino.

Já se falava deste gesto desde a eleição de Joseph Ratzinger e ele pode ser encarado como um gesto de boa vontade não só para com facções tradicionalistas que se encontram em ruptura com Roma, como a Sociedade de São Pio X, mas também para com católicos conservadores que se sentem ignorados e frustrados com os abusos litúrgicos que se fazem sentir em muitas igrejas.

Mas o “Summorum Pontificum” traduz também uma preocupação de Bento XVI pela liturgia e a sua estreita relação com a vivência da fé individual e comunitária. Uma observação atenta às celebrações litúrgicas do Papa revela que este se preocupa sobretudo em imprimir uma solenidade e reverência que terão sofrido alguma erosão com as reformas do Concílio Vaticano II.