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Guerra na Síria é também um conflito religioso

18 jul, 2012 • Filipe d’Avillez

A sorte do regime de Assad não interessa só aos Sírios. Libaneses, turcos, sauditas e iranianos, todos estão de olho posto em Damasco. Queda do regime pode mesmo pôr em risco a visita do Papa a Beirute.  

Guerra na Síria é também um conflito religioso
O conflito que actualmente abala a Síria tem várias vertentes, mas a religião é um dos mais influentes e ajuda a explicar muito do que se está a passar a nível interno e externo.

A Síria é composta por vários grupos étnicos e religiosos. Cerca de 75% da população é sunita, mas o regime está solidamente nas mãos da minoria alauita, um ramo do Islão xiíta, cujos fiéis constituem cerca de 10% da população.

O actual conflito é, em grande parte, uma luta pelo poder entre sunitas, que formam a esmagadora maioria da oposição, e os alauitas que temem o que lhes pode acontecer caso o regime caia.

O círculo de conselheiros mais próximos de Assad são na esmagadora maioria alauitas, como é o novo ministro da defesa, nomeado hoje. Há um ou outro xiita e alguns sunitas, mas as notícias de deserções por parte de altas figuras das forças armadas e até do corpo diplomático, que se têm repetido nos últimos dias, dizem respeito invariavelmente a sunitas.

No meio deste cenário estão os cristãos, que constituem outros 10%, divididos entre diversas denominações. Tradicionalmente os cristãos têm estado próximos do regime, sobretudo na altura em que a Síria estava em paz e era um dos locais mais seguros para os cristãos viverem, uma vez que interessava ao regime impedir o surgimento de qualquer expressão de fundamentalismo islâmico.

Devido a essa longa associação, muitos cristãos temem represálias ou simplesmente o caos que poderá seguir-se a uma mudança de regime. Já tem havido relatos de perseguição a cristãos por parte da oposição a Assad e em algumas aldeias os cristãos têm-se visto obrigados a coligar-se com os alauitas para se defender.

A nomeação, no ano passado, de um ministro da defesa cristão, com a responsabilidade de esmagar a revolta, não ajudou a distanciar os cristãos do regime. Foi precisamente esse ministro um dos assassinados esta manhã pelo atentado suicida em Damasco.

Repercussões, de Ríade a Roma
Mas a situação na Síria não tem só implicações internas. Os principais países da região têm interesses pelo que lá acontece com a Turquia e a Arábia Saudita, importantes potências sunitas, a apoiar claramente a oposição a Assad e o Irão, a grande potência xiita, interessada em manter o regime no poder.

Entretanto o Líbano vive muito à sombra da Síria e da sua influência, até porque o partido xiita Hezbollah, a mais importante força política e militar do país, recebe o seu apoio logístico do Irão, por via da Síria, podendo sair enfraquecido caso caia o regime de Assad.

O facto de o Líbano ser um país de grande variedade religiosa significa que um conflito abertamente inter-religioso e interétnico na Síria facilmente pode alastrar para lá, acabando com a frágil estabilidade dos últimos anos e, se acontecer ao longo dos próximos dois meses, colocando em risco a visita de Bento XVI ao país.

Fonte contactada pela Renascença no Líbano diz que tudo pode acontecer, mas que o cancelamento da visita do Papa é uma possibilidade: “Toda a gente aqui, quando se fala da visita do Papa, evita falar da possibilidade de se cancelar a visita, mas é evidente que é uma possibilidade forte”.

Contudo, a mesma fonte garante que com a queda de Assad os cristãos no Líbano devem ganhar poder, sobretudo pelo enfraquecimento do Hezbollah.