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“Houve vítimas portuguesas no Holocausto”

29 mai, 2012 • Filomena Barros

Esther Mucznik fala do seu novo livro - “Portugueses no Holocausto” - e sobre as lições que esse trágico evento nos pode deixar para o presente.  

“Houve vítimas portuguesas no Holocausto”
Museu holocausto Israel
O Holocausto não foi só um evento longínquo para Portugal. Houve portugueses envolvidos em vários planos, nomeadamente, entre as vítimas e numa mão cheia de nomes de pessoas que foram sensíveis à tragédia e ajudaram na medida do possível.

É desses casos que Esther Mucznik fala do seu novo livro - “Portugueses no Holocausto”.

“Temos por exemplo diplomatas que, confrontados directamente com a tragédia, foram, em geral, sensíveis e, dentro de algumas dificuldades, fizeram qualquer coisa para salvar os judeus, nomeadamente a atribuição de documentos de protecção, que era uma nacionalidade temporária, mas que permitiu salvar algumas pessoas”, explica a autora.

O caso mais conhecido é de Aristides de Sousa Mendes, cônsul em Bordéus que ajudou a salvar a vida a cerca de 10 mil judeus, mas há mais: “Os dois diplomatas em Budapeste em 1944, Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho, para além disso temos o Agenore Magno em Milão, Alfredo Casanova em Génova, Lancastre e Meneses em Atenas, vários diplomatas que não ficaram insensíveis.”

Outro exemplo dado por Esther Mucznik é de um operário português em Paris, casado com uma francesa. Ao contrário dos diplomatas, este civil arriscava a morte caso fosse apanhado a auxiliar judeus: “Quem ajudava judeus corria o risco de ser preso pela Gestapo, ou pela polícia francesa, e mesmo assim ele escondeu uma menina judia, cujos pais foram deportados e nunca mais voltaram. Teve essa sensibilidade, essa solidariedade, essa compaixão humana que fez tanta falta na altura.”

Vítimas portuguesas
Por entre as vítimas, Esther Mucznik concentrou-se sobretudo nos descendentes dos judeus que já tinham sido expulsos de Portugal séculos antes, mas que continuavam a ser conhecidos, na Europa Central, como judeus portugueses. “Queria saber o que se tinha passado lá, nos países ocupados, sobretudo aos descendentes de portugueses que já tinham sido expulsos no século XVI”, explica.

Este estudo levou-a a confrontar-se com a política portuguesa da época. Apesar da afinidade entre Portugal e outros regimes ditatoriais da Europa, o Estado Novo não fica inteiramente mal nesta fotografia: “Sabemos que o regime abriu, relativamente, mas abriu as fronteiras à passagem de milhares de refugiados, que se salvaram por causa disso, e nunca nos podemos esquecer disso”.

Entre muitas tragédias na História da humanidade, é esta a que mais impacto causa, ainda hoje, passados cerca de 70 anos. Esther Mucznik  tem uma explicação para o fenómeno: "O Holocausto é mais alguma coisa. Além de nos causar a mesma revolta, a mesma indignação que todos os eventos trágicos provocam, o Holocausto junta mais uma interrogação: como foi possível?”.

“E quanto mais investigamos mais nos questionamos como foi possível que tenha emergido no seio da sociedade mais avançada da época o plano mais hediondo que há, o extermínio total de um povo. Portanto é também esta interrogação constante e nunca verdadeiramente respondida que me levou a escrever este livro”, explica.

Estas interrogações são agora, décadas depois, tão importantes como nunca. Investigar o Holocausto é também uma forma de conhecer o presente: “Com o agravamento da crise económica, a crise em todos os aspectos, incluindo de valores, vemos o recrudescimento desses partidos. Na Grécia, em França, na Noruega, na Hungria, na Áustria. Em vários países esses partidos têm aumentado e têm assento parlamentar. Isto é mais um alerta para a importância do Estudo e reflexão sobre o Holocausto”.

“Se nós queremos perceber a raiz do preconceito, da discriminação, até onde nos pode levar o racismo, o Holocausto é um manancial de informação e de ensinamentos. Conhecer e estudar o Holocausto não é só viajar para o passado, é também reflectir sobre o presente”, conclui.

“Portugueses no Holocausto” é lançado hoje à tarde e tem edição da Esfera dos Livros.