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Pentecostes é festa para cristãos e judeus

25 mai, 2012 • Filipe d’Avillez

No domingo a Igreja assinala a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos. Na mesma altura os judeus recordam a entrega da lei a Moisés.  

Pentecostes é festa para cristãos e judeus
A Igreja celebra neste domingo a solenidade de Pentecostes. Nesse dia os fiéis recordam o momento em que os apóstolos, reunidos, em oração, receberam o dom do Espírito Santo.

Como explica o padre Pedro Lourenço, do Seminário dos Olivais, este não foi o momento em que a Igreja nasceu, mas foi a partir dele que ganhou capacidade de evangelizar: “A Igreja nasceu na Cruz, mas a manifestação da Igreja e a sua capacidade de testemunhar são dom do Espírito, que se manifesta agora no Pentecostes.”

O Pentecostes assinala também não só o fim do tempo pascal, mas o completar desse tempo: “O tempo pascal é o tempo em que celebramos a ressurreição de Jesus e o seu dom mais importante, o dom do Espírito. Cinquenta dias depois acontece esta celebração para recordar aquilo que aconteceu aos apóstolos”.

A importância que a Igreja atribui a esta celebração não é hoje correspondida pela população em geral, mas há ainda muitas tradições que têm as suas raízes neste período, nomeadamente aquelas que se prendem com o culto do Espírito Santo.

“Nos primeiros séculos os autores referiam-se ao tempo de Pentecostes, ou seja ao tempo dos cinquenta dias entre o tempo de Páscoa e o quinquagésimo dia. Todo este tempo era o tempo do Pentecostes e por isso o tempo do Espírito Santo, e na tradição popular portuguesa encontramos as Festas do Espírito Santo, muito vincadas nos Açores”, explica o sacerdote.

No Continente as festas de Alenquer, do Penedo em Sintra e, pensa-se, também a festa dos Tabuleiros de Tomar, têm aqui as suas raízes. O princípio é sempre o mesmo, o culto da partilha e da humildade: “Manifesta-se na caridade fraterna, a matança do boi e da carne que chega para todos, do pão dado a todos, as sopas do Espírito Santo, nos Açores. Isto ligado à tradição judaica de acção de graças pelas colheitas. Aquilo que recebemos como dom de Deus reparte-se para todos pela acção do Espírito, que é amor”.

Festa com raízes judaicas
A tradição judaica a que se refere o padre Pedro Lourenço é conhecida como o Shavuot e é uma das mais importantes festas dos judeus. Nela assinalam-se várias coisas diferentes, como explica o rabino da Comunidade Israelita de Lisboa, Eliezer Shai: “Shavuot tem várias denominações, é a festa das Colheitas, porque é nessa altura que se começa a fazer as colheitas dos frutos, e também o Dia das Primícias. Outro significado é o dia da entrega dos dez mandamentos no Monte Sinai”.

“Shavuot faz parte de um ciclo único com a Páscoa”, adianta, “na Páscoa os judeus ganharam liberdade física, o princípio de uma nação, é imprescindível que essa nação seja livre, no Pentecostes recebem a própria constituição, que é a Torá.”

A festa cristã é naturalmente diferente, mas a ligação ao judaísmo, contexto em que nasceu, é profunda: “Trata-se de entender o Espírito como a plenitude da Lei, a nova Lei de Deus, gravada nos corações, pelo dom do Espírito”, diz o padre Pedro Lourenço. “É entendido na perspectiva cristã como o completar-se desta obra pascal pelo dom do Espírito e nesta perspectiva da Lei como a nova lei dada por Deus a partir de Cristo, que não anula a lei anterior, que a leva à plenitude, como o próprio Cristo diz.”

A Ressurreição de Cristo, a Páscoa cristã, ocorreu precisamente na mesma altura da Páscoa judaica, o Pentecostes cristão aconteceu também no mesmo dia para os judeus: “Pentecostes não é um nome cristão, os actos dos Apóstolos dizem que quando chegou o dia de Pentecostes os apóstolos estavam reunidos. Era já um dia assim chamado no próprio calendário judaico e significava os 50 dias depois da Páscoa judaica”, confirma o padre Pedro Lourenço.

Sempre que as festas da Páscoa cristã e judaica coincidem, como foi este ano, decorre que o Pentecostes também calha na mesma altura. Uma vez que a Páscoa e os eventos que a rodearam foram frequentemente usadas para provocar incidentes entre cristãos e judeus, talvez o Pentecostes, que não tem essas conotações, pudesse servir para aprofundar o conhecimento mútuo e a amizade entre as duas comunidades, sugere o rabino de Lisboa.

“Eu gostaria muito que assim fosse. Não tendo nenhuma coisa negativa associada a este dia, podia ser bem um dia de aproximação e conhecimento entre as duas fés. Não sei até que ponto, entre o povo [cristão], o dia de Pentecostes é considerado um dia importante. Mas podia-se fazer previamente uma actividade de estudo em conjunto para conhecer esse dia tão importante para as duas religiões”, refere Eliezer Shai.