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Síria

Cristãos temem mudanças na Síria, diz jesuíta

04 ago, 2011 • Filipe d'Avillez

O regime tem muito mais apoio do que se possa imaginar, explica o padre Paolo Dall’Oglio.

Cristãos temem mudanças na Síria, diz jesuíta
Siria, Deir Mar Musa
Não há praticamente cristãos a participar nos protestos contra o regime na Síria. Quem o garante é o padre Paolo Dall’Oglio, jesuíta e responsável da comunidade monástica de Deir Mar Musa, no deserto daquele país.

Italiano de origem, este jesuíta encontra-se na Síria há cerca de 30 anos. Foi ele quem reconstruiu este mosteiro milenar e deu início a uma nova comunidade constituída por cerca de uma dezena de padres e duas freiras, que se dedicam sobretudo ao diálogo inter-religioso, à oração e à hospitalidade.

"Bashar tem mais apoio do que se possa imaginar, incluindo a comunidade cristã". Reportagem de Filipe d'Avillez

Vários líderes cristãos na Síria, ou com ligações à Síria, recusaram falar com a Renascença sobre a situação naquele país, mas o padre Paolo tem outra liberdade para o fazer, sendo de origem italiana tem menos razões para temer eventuais represálias.

É ele quem garante que o regime de Bashar Al-Assad ainda conta com muito apoio: “Provavelmente mais do que possam imaginar. Grande parte da população tem muito medo da mudança. Não imaginamos uma mudança como a que ocorreu no Egipto e na Tunísia, isso não vai acontecer aqui. As forças armadas estão sólidas ainda, e grande parte da população não está disposta a uma mudança que sente que será perigosa. Também é verdade que muitas pessoas são a favor da mudança, agem nesse sentido e vão continuar a fazê-lo. Por isso se a situação internacional e a interna forem no sentido de uma negociação, pode-se tentar algo, uma situação nova, uma nova constituição e um novo sistema para a Síria, sem mais vinganças e violências.”

Síria - Um puzzle de etnias e religiões

A Síria é composta por muitas etnias e credos diferentes. A família Al-Assad, e grande parte da elite do regime são da religião alauíta, cujos membros constituem cerca de 10% da população, uma seita islâmica considerada herética pela maioria dos muçulmanos. Este facto contribui para a necessidade do regime promover o secularismo e o respeito pelas diferentes religiões.
Cristãos, de diferentes confissões, são de 10%, ou cerca de dois milhões. Vivem em paz, ocupam importantes cargos na economia e política do país e os seus dias santos são feriados nacionais.
Existe ainda uma importante minoria druza e uma população curda que, sendo sunita como cerca de 75% da população, mantêm uma identidade própria.
Ao contrário de outros países árabes a Síria não tem sofrido com problemas de violência entre comunidades e credos, uma situação que todos esperam continue, seja qual for o desfecho de mais esta “Primavera Árabe”.
Entre os apoiantes do regime conta-se a esmagadora maioria dos cristãos, que teme as eventuais consequências da queda do regime de Bashar. “Muito poucos cristãos participam directamente nos protestos. Há uma série de intelectuais, actores da sociedade civil, membros de ONGs, que estão envolvidos no movimento alargado que trabalha para a democracia, mas na rua, para além de alguns jovens da ‘geração facebook’, não me parece que haja muitos cristãos envolvidos.”

Protecção no regime
A razão é simples. O regime sírio é fortemente secular e tem feito tudo para garantir a sã convivência entre os diferentes credos que compõem o país [ver caixa]. Mas existe um senão, se o regime cair mesmo, não serão os cristãos vistos como colaboracionistas?

“Penso que a maioria dos sírios conhece a necessidade que os nossos pastores têm de proteger os seus fiéis nesta situação, e que isso será perdoado depois. Mas de facto não é fácil ver essa atitude. Corresponde ao sistema antigo, em que as comunidades tentam encontrar protecção no regime. Se o regime cair, tentarão encontrar protecção no próximo.
Mas há vozes dissonantes. Por exemplo, os jesuítas da Síria publicaram um texto… eu próprio escrevi um texto sobre a democracia baseada no consenso. Em que o objectivo não é a vitória de um grupo sobre outro, mas um consenso de opiniões”, explica este sacerdote italiano de 57 anos.

O padre Paolo assegura que as divisões entre credos não têm vindo a aumentar e que, acima de tudo, os cidadãos querem a coesão nacional.

“Os sírios, enquanto povo, não são em primeiro lugar cristãos, sunitas, xiítas ou alauítas, para além de alguns grupos como os curdos, ou outros que se deixam dominar completamente por uma lógica de seita ou confissão. Os sírios são a favor de uma nação, não são favoráveis à separação dos grupos. Por isso seja qual for a solução encontrada para a Síria, deve passar por manter a unidade nacional e a capacidade de forma harmoniosa, a maior parte dos Sírios quer viver em conjunto, não se querem matar uns aos outros numa guerra civil”, explica o responsável pela comunidade de Deir Mar Musa.