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Atentado curdo mata dois polícias na Turquia

02 ago, 2015 • Filipe d’Avillez

O recrudescimento da violência entre curdos e o governo da Turquia está directamente ligado à guerra civil da Síria, que já perdura há mais de quatro anos.  

Atentado curdo mata dois polícias na Turquia
Um atentado suicida fez dois mortos e 24 feridos num quartel da polícia no distrito de Dogubeyazit, na Turquia, perto da fronteira com o Irão.

Um militante curdo fez explodir um tractor carregado com duas toneladas de explosivos, segundo fontes do governo local.

Também durante a passada noite um soldado turco morreu quando o veículo em que circulava activou uma mina. Outros oito soldados ficaram feridos.

São as mais recentes vítimas da violência entre o regime turco e o PKK, o Partido dos Trabalhadores Curdos, que há várias décadas luta pela autonomia do Curdistão turco.

Em 2012 o Governo turco encetou negociações com o PKK, que resultaram num longo período de relativa calma e paz, mas o recrudescimento da violência – com pelo menos 16 soldados ou polícias mortos só nas últimas duas semanas – está directamente ligado à já longa guerra civil na vizinha Síria.

Quando a guerra irrompeu na Síria, na Primavera de 2011, as regiões de maioria curda, localizadas sobretudo junto à fronteira com o Iraque e a Turquia, cedo ficaram em autogestão, com a maioria dos soldados do regime a serem deslocados para outras frentes de batalha.

Os partidos curdos organizaram-se e asseguraram uma autonomia de facto para os seus territórios, nalguns casos em parceria com as populações cristãs que também são bastante numerosas nalgumas dessas regiões. As forças paramilitares curdas puseram-se inicialmente do lado da oposição ao regime.

Ameaça fundamentalista
A situação mudou, contudo, com a entrada em força de grupos fundamentalistas islâmicos na Síria para combater Damasco. Apesar de serem maioritariamente muçulmanos, os partidos e a sociedade curda tendem a ser muito secularizados e rapidamente se deram choques entre curdos e islamitas. Mas foi o crescimento do autoproclamado Estado Islâmico que mais ameaçou as comunidades curdas.

O Estado Islâmico combateu com igual fervor as forças do regime e todas as outras forças rebeldes. Conquistando grandes faixas de território no Verão do ano passado, incluindo a segunda maior cidade do Iraque e praticamente toda a fronteira com a Turquia, o Estado Islâmico tornou-se a maior ameaça aos curdos e cristãos da região.

Rapidamente se verificou que no Iraque e no leste da Síria as únicas forças capazes de fazer frente militarmente ao Estado Islâmico eram os curdos, nomeadamente os peshmerga, como são conhecidos os seus soldados. A cidade de Kobani, na fronteira com a Turquia tornou-se símbolo da resistência curda. Sitiada durante meses pelos terroristas do Estado Islâmico, resistiu sempre até que a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos começou a apoiar os peshmerga com ataques aéreos, permitindo rechaçar o cerco e libertar a cidade. Durante todo esse tempo a Turquia observou, sem intervir militarmente, do seu lado da fronteira, para angústia dos curdos que pediam auxílio contra o Estado Islâmico.

A inacção da Turquia, associada a aparentes indícios de colaboração ou pelo menos de passividade entre os soldados turcos e os militantes do Estado Islâmico, fez reacender a revolta da população curda contra Ancara. Houve várias manifestações populares, duramente reprimidas.

Finalmente, no dia 20 de Julho passado, um atentado levado a cabo pelo Estado Islâmico, fez dezenas de mortos entre curdos na cidade turca de Suruc. Culpando as autoridades turcas pela incapacidade de proteger as fronteiras de incursões, os curdos responderam com atentados contra polícias e soldados.

A resposta da Turquia foi rápida, com Ancara a decidir finalmente juntar-se à coligação internacional de combate ao Estado Islâmico, abrindo também as suas bases aéreas à mesma, mas ao mesmo tempo a anunciar que iria atacar as bases do PKK em região Síria e Iraquiana.

A medida foi fortemente condenada pelo YPG e pelas milícias cristãs que lutam ao lado dos curdos contra o Estado Islâmico e que são dos únicos, para além das forças leais a Damasco, noutras frentes, a fazê-lo de forma bem-sucedida no terreno. O YPG insiste que não tem nada a ver com o PKK e pede aos Estados Unidos que clarifiquem qual é afinal a sua posição em relação aos curdos, uma vez que Washington e os seus aliados tinham estado a trabalhar juntamente com as milícias para coordenar ataques ao Estado Islâmico.

Com o escalar da tensão entre curdos e Turquia o caos que se tem vivido na Síria, e que já se espalhou para o Iraque e ameaça constantemente o Líbano, arrisca-se a incendiar também o Curdistão turco.