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Na Síria, 600 famílias dependem da irmã Annie

04 abr, 2015 • Fundação Ajuda à Igreja que Sofre

À primeira vista, Alepo é uma cidade deserta. Parece impossível viver alguém no meio de tantos destroços. Ficaram apenas os mais pobres, os mais velhos, os doentes. Mas a guerra continua e não há comida, roupa, água, aquecimento…

Alepo é uma cidade esventrada, destruída à bomba, com as ruas entulhadas de destroços. É uma miragem da metrópole que já foi, orgulhosa da sua arquitectura medieval, fervilhante de vida. Tudo isso acabou.

A guerra civil, que explodiu com uma violência quase demente em Março de 2011, não poupou nada nem ninguém. A maioria da população fugiu, assustada. Ficar seria sinónimo de loucura.

Todos os dias se escutam ainda rebentamentos de bombas, gritos de dor. Todos os dias se torna mais pesada a simples ideia da sobrevivência. As torneiras estão quase sempre secas, as lâmpadas permanecem desligadas, sem corrente eléctrica. Não há nada.

Ninguém imaginaria que as coisas iriam chegar a este ponto. A maioria da população fugiu. Ficaram apenas os muito pobres, os mais velhos, os doentes. Os que não puderam fugir. Com eles, ficaram também algumas irmãs que decidiram que não os podiam abandonar.

É o caso da irmã Annie Demerjian. Lembra-se dela? Já aqui contámos a sua história, a impotência que sente todos os dias perante tantos pedidos de ajuda e sempre, quase sempre, com as mãos vazias.

Histórias trágicas
A vida em Alepo piora de dia para dia. O frio rigoroso que se faz sentir no norte da Síria torna ainda mais penoso o quotidiano. "Conheço pessoas que já queimaram as próprias mobílias para se aquecerem", conta a irmã.

Annie não sabe como acudir a tantas emergências. Não há ninguém que não traga consigo uma história trágica, não há ninguém que não sucumba em lágrimas ao lembrar familiares e amigos que já morreram, ou que se sobressalte uma vez mais quando se escutam rebentamentos de bombas, ou o enervante crepitar das metralhadoras.

São cerca de 750 famílias que a irmã Annie tenta ajudar. Em tempos de guerra, tudo se torna mais difícil. Escasseiam as coisas, aumenta o contrabando, tudo se torna mais caro. As famílias já gastaram tudo o que tinham: dinheiro, ouro, jóias. Na verdade, agora, isso de pouco valeria. O verdadeiro ouro, em Alepo, nestas primeiras semanas de 2015, é a comida, a água potável, as roupas quentes, o combustível. É isso que a Irmã procura arranjar para distribuir.

Miséria em todo o lado
É aqui que entra a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). Os donativos dos benfeitores e amigos da Fundação AIS têm-se transformado em ajuda vital nesta cidade síria. Através da irmã Annie, que reuniu um punhado de voluntários – na sua maioria adolescentes – foi criada uma rede de assistência.

"Não tenho palavras para dizer o quanto estamos agradecidos aos benfeitores da Fundação AIS", diz a irmã Annie. "As pessoas precisam de ajuda espiritual, mas também de alguma coisa para comer. Aqui, as pessoas já se esqueceram do sabor da carne, ou da fruta fresca."

A miséria em Alepo está presente em todo o lado. Nos rostos amargurados das pessoas, nas crianças que deambulam sobre escombros, nas próprias ruínas da cidade.

A irmã Annie diz que não tem medo das bombas, de ser atingida por uma bala ou uma granada. "Estou nas mãos de Deus. Tudo isto me supera, de alguma forma. Não interessa a que casa nós vamos, pois todos têm uma história triste para contar. De facto, estamos rodeados pelo mal, pelo diabo. Porém, cada vez tenho mais claro, em mim, que o Senhor está connosco."

Texto por Paulo Aido da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) e editado pela Renascença. Originalmente publicado no jornal "Voz da Verdade", a 22 de Fevereiro de 2015, e republicado na Renascença no âmbito da Semana Santa