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Padres em paróquias pobres para “aprender o que é a fé”

26 jan, 2015 • Filipe d’Avillez

Há várias dioceses em Portugal que garantem um ordenado mínimo aos padres, mas, ainda assim, há paróquias onde é preciso fazer ginástica, e ter fé, para conseguir pagar as contas ao fim do mês.

Padres em paróquias pobres para “aprender o que é a fé”
O padre Edgar Clara não perde tempo a dizer que não tem preocupações financeiras: “Como nós não temos dinheiro, para mim, não é preocupação”.

Dinheiro há, mas é pouco. As seis paróquias pelas quais é responsável, juntamente com outro sacerdote, todas na zona da Mouraria, em Lisboa, juntam cerca de 150 euros por semana, nos ofertórios das missas. Este é o cenário de uma semana boa.

Há momentos difíceis: “Há cerca de um mês, paguei a água, a luz, o telefone e tudo o que havia para pagar. E, quando olhei, tinha ficado lá [na conta bancária] com dez euros. Mas deu para pagar tudo e ainda sobraram dez euros”.

A vida deste pároco é gerida assim, de mês para mês e de dia para dia. Mas, no fim, garante, nunca falta nada. “No ano passado, houve um vendaval e caiu uma janela enorme. Pedi o orçamento e foi de 1.800 euros. Tive de dizer às pessoas que teríamos de encontrar alguma forma de arranjar o dinheiro e houve umas pessoas generosas que disseram para não me preocupar, que eles pagavam a janela", conta Edgar Clara.

“Isto tem-me acontecido sempre. Quando é preciso, e digo, há sempre alguém que aparece e paga as coisas. Mas, claro, que isto é viver na precariedade”, diz.

Um ordenado para viver e doar
Dez das 18 dioceses territoriais enviaram à Renascença informação sobre como organizam as suas contas. A maioria já adoptou o Estatuto Económico do Clero ou um sistema equivalente: quando a paróquia não tem dinheiro, a diocese participa financeiramente para garantir um ordenado mínimo aos padres.

A diocese das Forças Armadas e de Segurança é uma excepção, uma vez que o seu bispo e os capelães são remunerados segundo as tabelas das instituições que servem. Muitas paróquias dependem unicamente do que recebem nos ofertórios, mas noutras subsistem algumas tradições vindas sobretudo do meio rural que também ajudam.

“Em Alfama [em Lisboa], as pessoas quotizam-se todos os meses. Uma dá cinco euros, outra dá 10, para pagar o que chamam a côngrua, que dá 170 euros, mais ou menos. Depois, outras têm outros sistemas para ajudar a Igreja.”

A regra geral nas dioceses é que as paróquias asseguram o ordenado dos seus padres. Em Lisboa, este está fixado num mínimo de cerca de 700 euros. Nos casos em que as dioceses não têm rendimentos suficientes, recorre-se ao Fundo Diocesano do Clero, gerido pelo Patriarcado, que subsidia a diferença, garantindo assim que os sacerdotes têm um mínimo para poderem subsistir. O montante é igual para todos os padres, em todas as fases da sua vida e este modelo é utilizado em várias dioceses do país.

Alguns padres têm rendimentos de outras fontes, quando exercem trabalho como professores ou capelães, por exemplo. Nesses casos, são convidados a doar 50% de tudo o que ganham acima do valor fixado pelo Patriarcado ao Fundo Diocesano do Clero. No caso do padre Edgar, que é também capelão hospitalar, o ordenado que recebe do hospital permite aliviar a carga às paróquias que administra.

O sistema respeita os princípios da subsidiariedade e da comunhão. Por um lado, as paróquias gerem as suas finanças e remuneram os sacerdotes sem depender de outras instâncias, mas, por outro, quando existem dificuldades ou limitações, existe uma entreajuda que atenua as diferenças.

“Passei fome”
Mas nem sempre foi assim. O padre Eduardo Freitas, que durante décadas foi pároco de Bucelas e agora está reformado, recorda o sistema quando começou a exercer: “Havia o hábito das pessoas contribuírem com a sua côngrua, que era um alqueire de cereal ou um dia de trabalho”.

Quando foi para Bucelas, aos 31 anos, sentiu dificuldades. “Passei fome, dormia, às vezes, no carro, ia todos os dias a pé, cinco quilómetros, para a Casa do Gaiato para almoçar com os gaiatos. E, às vezes, era a única refeição que tinha”, recorda.

A situação foi melhorando, apesar do feitio da população local, graceja: “A côngrua em Bucelas foi sempre uma coisa mínima, porque sabe como são os saloios, não é? Pedir dinheiro a um saloio é a mesma coisa que dizer que lhe vamos espetar uma faca. Mas, quando eu fazia um serviço religioso, eles contribuíam consoante a tabela da diocese. Nunca cobrei um tostão a mais. Ma,s a pouco e pouco, foi crescendo. Hoje o movimento é mais.”

O padre Eduardo não tem poucas dúvidas de que o sistema actual é melhor: “Pelo menos, é justo e é igual, é fraterno. Sendo da cidade ou da aldeia, a remuneração do sacerdote é aquele valor e mais nada. O clero hoje está bem na diocese.”

A generosidade dos fiéis
Contudo, o sistema da côngrua ainda existe em algumas dioceses. Braga e Lamego, por exemplo, não têm um ordenado fixo para os sacerdotes. Ainda assim, os padres contactados pela Renascença garantem que ninguém passa dificuldades e elogiam a generosidade dos fiéis, que contribuem não só com dinheiro mas também com bens alimentares.

O padre Bernardo Mendonça, por exemplo, tem oito paróquias no Alto Douro, todas pequenas e com pouca gente. O número elevado é uma defesa, garante, pois assim permite que o pouco que cada paróquia contribui some um ordenado “perfeitamente digno” ao fim do mês.
“Permite-me viver perfeitamente bem. Estou envolvido em muitas outras coisas, como movimentos e campos de férias, e não preciso de cobrar um tostão. Paga-me a gasolina e todos os custos que tenho. Não me falta nada”, garante.

O mesmo diz o padre Francisco Bastos, do arciprestado de Celorico de Basto, em Braga, considerada uma das zonas mais pobres do país. “As pessoas são generosas. Graças a Deus, aqui é muito boa gente. São pessoas de trabalho, dão muitos frangos e outras coisas para alimentação. Há de tudo, mas é um povo de mãos árduas de trabalho, mas também de conforto e de amor”, afirma.

O seu arciprestado tem sete sacerdotes e todos, assegura, conseguem subsistir dignamente - alguns recebendo apenas o que as paróquias lhes pagam, como é o seu caso, outros completando com ordenados que recebem trabalhando como professores ou capelães. Tanto quanto sabe, nenhum precisa de recorrer ao Instituto de Apoio ao Clero, que existe para ajudar os padres que passem necessidades.

“Aprender o que é a fé”
De regresso a Lisboa e à Mouraria, o padre Edgar Clara confessa que, por vezes, sente-se tentado a ter dúvidas: “Às vezes, pergunto-me, quando estou com problemas de dinheiro, por que é que me mandaram para aqui? Ainda por cima só tenho paróquias pobres”.

“Mas eu percebo porquê. Para eu aprender o que é a fé. Porque todos os dias eu vejo que Deus me dá o dinheiro que preciso para a gestão. Não tenho a mais, mas também não nos tem faltado. E realmente isto é a fé, ter a certeza que agora tenho uma factura em cima da mesa e vou ter de a pagar de qualquer maneira, e não sei de onde virá, mas virá. E até agora veio", afirma Edgar Clara.