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Vaticano estende a mão a freiras americanas investigadas

16 dez, 2014 • Filipe d’Avillez

O braço de ferro entre a Santa Sé e as ordens religiosas femininas americanas chegou ao fim, com Roma a publicar um documento que lança “desafios” em vez de censuras.  

Muito esperavam um documento punitivo, mas a Santa Sé estendeu a mão às freiras americanas. O Vaticano publicou esta terça-feira um relatório sobre as ordens religiosas femininas nos Estados Unidos.

O documento resulta de uma visitação apostólica, ordenada pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, que supervisiona toda a actividade das ordens religiosas católicas no mundo. Essa visitação, por sua vez, foi ordenada há seis anos pelo então superior da Congregação para averiguar eventuais desvios de disciplina e doutrina por parte das freiras americanas.

A visitação foi recebida como um acto hostil por várias congregações, mas quem esperava um documento final polémico rapidamente percebeu que esse não seria o caso. O tom adoptado durante a conferência de imprensa pela responsável pela visitação, a madre Mary Clare Millea, pelo prefeito da congregação, o Cardeal brasileiro João Braz de Avis e pelo seu secretário, o arcebispo Jose Rodriguez Carballo, foi sempre conciliatório, evitando ao máximo entrar em temas que pudessem ser considerados divisivos.

Para a madre Millea o documento final, de cerca de 5000 palavras e redigido em inglês, não contem quaisquer admoestações, mas apenas desafios que encorajam as religiosas americanas a viver uma vida que reflicta cada vez mais a novidade do Evangelho. O relatório refere várias vezes a gratidão da Igreja para com as religiosas, que desempenham um importante trabalho nas áreas da educação e da assistência aos pobres, e menciona a frustração de algumas ordens pelo facto de não serem ouvidas pela hierarquia em relação a temas que as afectam directamente ou sobre as quais possuem muita experiência.

Texto aponta desafios?
O relatório menciona também alguns dos desafios, nomeadamente as dificuldades com a falta de vocações que resulta numa idade média muito avançada para as cerca de 50 mil freiras americanas. A visitação concluiu que muitas das ordens gastam energia e fundos a tentar atrair novas vocações sem que haja retorno e refere ainda que algumas pessoas que procuram a vida religiosa não se identificam com o estilo adoptado por muitas das ordens.

“O pessoal de formação e vocação entrevistado fez notar que as candidatas expressam frequentemente o desejo de uma experiência de vida em comunidades formativas e muitas querem ser reconhecidas exteriormente como mulheres consagradas. Isto é um desafio específico para os institutos cujo estilo de vida actual não enfatiza estes aspectos da vida religiosa”, lê-se a dada altura, numa aparente referência ao facto de muitas das ordens mais envelhecidas terem descurado o uso do hábito, por exemplo.

Os responsáveis pelo relatório não ignoraram que existem problemas, notando com “tristeza” o facto de algumas ordens se terem recusado a colaborar com os relatores. Mas quando o Cardeal João Braz de Avis foi questionado sobre o número de ordens que não tinham colaborado respondeu que não tinha os números presentes.

Alguns jornalistas presentes recordaram que quando a visitação foi encomendada foram invocados problemas graves, incluindo uma “mentalidade secular” e um “certo espírito feminista”. Em resposta, os responsáveis disseram que as ordens em que esses e outros problemas tinham sido detectados iam receber uma carta juntamente com o relatório que lhes será enviado, mostrando assim claramente que não pretende discutir esses casos concretos em público.

Com este relatório chega ao fim uma dupla investigação à vida consagrada feminina nos Estados Unidos. Em simultâneo com esta visitação apostólica decorreu, entre 2008 e 2011, uma investigação à Conferência de Líderes das Religiosas Femininas (LCWR), ordenada pela Congregação para a Doutrina da Fé, que no final, em 2011, ordenou uma reforma profunda da organização que representa a maioria das religiosas americanas.