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Comunidade islâmica portuguesa sem formação para lidar com radicais

22 out, 2014 • Filipe d’Avillez

O imã da mesquita central de Lisboa diz que custa mais aos muçulmanos do que aos não-muçulmanos ver as atrocidades cometidas em nome da sua religião.  

Comunidade islâmica portuguesa sem formação para lidar com radicais
Existem cerca de uma dúzia de portugueses nas fileiras do grupo terrorista que se autodenomina Estado Islâmico, mas todos foram radicalizados no estrangeiro ou através da internet.

O imã da Comunidade Islâmica de Lisboa diz que por enquanto não existe qualquer problema entre os muçulmanos portugueses, mas “nunca se sabe o dia de amanhã”, avisa, mas nesta entrevista à Renascença David Munir confessa que os líderes muçulmanos portugueses não têm formação para lidar com o assunto caso surja.

Rui Machete disse à Renascença que há alguns portugueses que ingressaram no Estado Islâmico e que querem voltar para Portugal. Se isso acontecer, e se quiserem continuar a ser muçulmanos, como reagirá a comunidade?
Se o Estado português os condenar, não podemos ir contra essa decisão. Mas se isso não acontecer e se quiserem um apoio espiritual, de fraternidade, uma boa convivência – porque todos nós erramos, todos nós pedimos perdão e desculpas – claro, se eles precisarem do apoio espiritual, sempre o terão.

Imaginemos que voltam, que o Estado os condena e estão presos. Se precisarem do nosso apoio, claro que iremos apoiar e fazer ver que o que fizeram não é uma coisa certa, não é Islão, é tudo menos islâmico, infelizmente foram facilmente influenciados e tentamos corrigir o que está mal. Não podemos dizer que os vamos ignorar e abandonar porque assim irão sentir-se mais frustrados.

Existem técnicas para lidar com pessoas que foram radicalizadas. Existe alguma formação na comunidade de Lisboa nesse sentido?
Ainda não.

Há planos para o fazer?
Provavelmente sim, é uma coisa que terá de ser pensada.

Com a comunidade portuguesa a crescer, sobretudo com a chegada de pessoas de outros contextos geográficos e sociais, sente-se seguro a dizer que em Portugal não há um problema de radicalismo?
Até agora podemos dizer que não há. Felizmente não há qualquer preocupação com pessoas, mesquitas ou grupos radicais, que promovam a violência para atingir os seus objectivos. Mas nunca sabemos o dia de amanhã.

A comunidade é multicultural, há muçulmanos de quase todos os países, tentamos criar uma boa convivência entre as várias mesquitas, conhecer melhor as pessoas que chegam, apoiá-las naquilo que é possível, manter este ambiente de proximidade, não só internamente mas também externamente, mas muitas vezes as coisas acontecem fora das mesquitas, através da internet. Virtualmente, a pessoa pode ser recrutada, ser influenciada.

Mas, em termos gerais, até agora, a situação está calma, não há nenhuma preocupação muito grave.

Este ano o líder do Estado Islâmico proclamou-se califa. Esse acto merece algum crédito?
Claro que não. Ele não representa o Islão, nem sequer representa os muçulmanos. Ele intitula-se como califa, provavelmente alguns apoiantes consideram-no como tal, mas isto não significa que seja o califa de todos os muçulmanos.

Quando falamos na restauração do califado, estamos a falar de uma pessoa honesta, justa, sincera, transparente, que quer o bem de todos. E essas pessoas nunca se intitulam, são nomeadas, são escolhidas.

Quando se fala de um califado, ou de um califa dos muçulmanos, estamos a falar de uma pessoa que nos dê segurança, de uma pessoa bondosa, generosa e não de um assassino que manda matar pessoas inocentes indiscriminadamente.

Mas existe um desejo, entre os muçulmanos, de se restaurar um califado?
Acho que a maior parte das pessoas não pensa que tem de haver um califa que representa todos os muçulmanos. O mundo islâmico está muito fragmentado, portanto muitas pessoas nem sequer pensam em escolher alguém como califa ou têm esse desejo.

Custa-lhe ver atrocidades cometidas em nome do Islão?
Claro que sim, sem dúvida, dói muito mais aos muçulmanos do que aos não-muçulmanos.