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Os homossexuais que vivem como a Igreja pede

09 out, 2014 • Filipe d'Avillez

Foi quando descobriram que Deus os amava que George e Rimont conseguiram abraçar a sua orientação sexual e vivê-la em fidelidade aos ensinamentos da Igreja: em celibato e castidade.

George e Rimont vivem separados pelo Atlântico, mas unidos por uma grande paixão: Jesus Cristo. Os dois jovens seriam definidos como homossexuais, embora rejeitem essa etiqueta: dizem que a atracção por pessoas do mesmo sexo não é o que os define.

“Não usamos os termos homossexual ou gay porque achamos que são limitadores do mistério antropológico da pessoa humana”, diz George Day, em entrevista telefónica à Renascença.

O termo preferido, explicam, é pessoas com atracção pelo mesmo sexo.

George Day, o pseudónimo que adoptou, é o responsável pelo núcleo da Courage em Londres e Rimont (é assim que assina o e-mail enviado à Renascença) colabora com a organização em São Paulo, no Brasil.

O apostolado é o único direccionado a pessoas com atracção pelo mesmo sexo reconhecido pela Santa Sé e leva a sério a fidelidade aos ensinamentos da Igreja, que recomenda a estes católicos uma vida de castidade que passa, naturalmente, pelo celibato.

Nem “dificuldade”, nem “fardo”
Rimont desdramatiza este caminho: “A castidade não é uma dificuldade, nem acrescenta um fardo, mas é o motor que nos põe em marcha para praticar mais livremente e perfeitamente o amor que nos ensina Nosso Senhor.”

O mais difícil, insiste, não é lidar com o desejo sexual, mas evitar o isolamento: “Os desafios mais decisivos não se resumem à libido, como muitos fazem parecer. A moderação do apetite sexual consegue-se com as ferramentas que a Igreja sempre indicou: fuga das ocasiões de pecado, oração, recepção dos sacramentos e jejum.”

“Resta o desafio de sair das atitudes de vitimização e de isolamento. Por isso, o apostolado insiste na recomendação da Igreja de que a pessoa precisa de se abrir ao próximo e cultivar amizades espirituais e castas”, diz Rimont.

“O segredo é viver castamente enquanto admitimos sem máscaras as nossas fraquezas. Ao invés de uma prisão de regras, o celibato é, na verdade, libertador. Ensina-nos que podemos amar e sermos amados, independentemente da atracção pelo mesmo sexo e seus desafios.”

Educar a Igreja
Não significa que seja fácil, mas o coordenador da Courage em Londres diz que esta dificuldade é geral.

Muitos dos obstáculos vêm, ironicamente, do interior da Igreja, diz George Day. “A castidade é difícil para toda a gente, independentemente da orientação sexual. É por isso que precisamos mesmo do apoio de irmãos e irmãs que também procuram viver em fidelidade aos ensinamentos da Igreja. Mas há muita incompreensão, mesmo na Igreja. A maioria das pessoas não compreende esta questão, por isso muitas vezes enfrentamos preconceitos e condenação, que não fazem falta nenhuma, não ajudam. É preciso educar mais a Igreja e a sociedade em geral sobre a castidade no contexto da atracção pelo mesmo sexo.”

Tanto George como Rimont admitem, neste sentido, que gostariam de ver o trabalho da Courage mais apoiado e divulgado pela hierarquia.

Merecedores do amor de Deus
Ouvindo os testemunhos destes dois membros da Courage, bem como os relatos de muitos outros disponíveis na internet, há um traço comum a quase todos: as dúvidas sobre se Deus os amava apesar da sua condição e a enorme serenidade que se apoderou deles quando compreenderam que sim.

“Houve uma altura em que sentia que não podia ser amado. As mensagens que recebia eram de forte condenação”, explica George.

Na altura George trabalhava com a associação Quest, um grupo de católicos homossexuais que adopta um tom reivindicativo e activista.

Tudo mudou numa peregrinação a Medjugorje. “Foi uma experiência de amor que senti de Jesus e de Maria. Quando senti essa experiência profunda de amor de Deus compreendi que, apesar de todo o respeito e amor que sentia pelos meus colegas na Quest, a organização não estava a ajudar-me no meu caminho de santidade. Por isso, afastei-me e dei início a esta caminhada com a Courage.”

Esta tendência é confirmada pela irmã Maria Vaz Pinto, que na sua actividade pastoral em Portugal acompanha muitas pessoas homossexuais: “A primeira questão que me põem é a possibilidade do amor de Deus: ‘Deus, e os outros, podem gostar de mim assim?’”, explica, em entrevista à Renascença.

Por sua vez, Rimont recorda a sensação que teve quando se converteu: “Aos 14 anos, num processo de toda família de regressar à fé católica, participei num retiro e lá ouvi, pela primeira vez, e aceitei, que Jesus Cristo é o Senhor, meu Salvador, Aquele que sempre esteve comigo e me amou infinitamente. Foi quando eu me converti à fé católica, que decidi abrir-me aos meus pais sobre a minha situação. Contei-lhes tudo depois daquele retiro. Graças ao Bom Deus, eles acolheram e apoiaram-me.”

“Um bocado como os alcoólicos anónimos”
Para além de material de apoio para quem procura, a Courage promove a formação de grupos onde as pessoas possam partilhar as suas dificuldades, conquistas ou até lapsos.

O contacto próximo com homossexuais que não tenham escolhido o mesmo caminho é desencorajado: “Somos um bocado como os alcoólicos anónimos. Procuramos um ambiente seguro e confidencial para partilhar como foi a nossa semana. Como em qualquer cruz, respeitamos o facto de que cada pessoa tem de escolher como lidar com ela. Respeitamos isso, mas ao mesmo tempo levamos muito a sério o nosso compromisso.”

Não existe, contudo, animosidade para com os grupos de homossexuais que adoptam uma posição mais activista: “Podemos comparar com alcoólicos que queiram manter-se sóbrios. Eles não iriam para um bar com os seus amigos dos copos, porque isso não ajudaria à sua sobriedade. Mas isso não significa que os odeiam, ou que são contra eles, nem nada disso. Simplesmente significa que optaram pelo caminho da sobriedade”.

Terminou esta quarta-feira, em Portimão, um congresso de associações de homossexuais católicos, coordenado pela organização Rumos Novos. Ao que a Renascença conseguiu apurar, contudo, nenhum dos grupos participantes, entre os quais se inclui a Quest, por exemplo, encoraja ou propõe a castidade e o celibato para os seus membros.

Rimont considera que este evento se dirige às “pessoas que tomaram outras resoluções diante da fé católica e os desafios da atracção pelo mesmo sexo”. “Nós, membros do apostolado Coragem, fiéis ao que nos pede a Igreja, no Catecismo e em tantos outros documentos, optamos por viver castamente e buscar a santidade, tal como nos pede também Nosso Senhor Jesus Cristo”.

O que sairá do sínodo?
O congresso foi pensado para estes dias precisamente para coincidir com o sínodo para a família, a decorrer em Roma, e os participantes já manifestaram a esperança de que este sínodo traga uma maior abertura da Igreja para as suas causas, especificando o acolhimento a filhos de homossexuais, por exemplo.

Questionado sobre o assunto, George manifesta alguma preocupação: “Acredito que o Papa Francisco compreende muito claramente este assunto. O que me preocupa é que há grupos que não apoiam os ensinamentos da Igreja e que estão a tentar promover as suas ideias. Existe o perigo de poderem afectar o pensamento de alguns pastores em posições de autoridade.”

Em Portugal não existe qualquer núcleo da Courage, mas Rimont deixa uma mensagem a todos os portugueses que possam estar interessados ou que vivam um conflito entre a sua orientação sexual e a sua fé: “O isolamento não é a melhor forma de lidar com a atracção pelo mesmo sexo, nem a fuga para as práticas homossexuais. Coragem! Ama como Cristo ama. Os teus irmãos e irmãs no Brasil rezam por ti. Escreve-nos, que estamos aqui para ajudar também. Não estás sozinho”.