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Visita do Papa tem de ser mais do que "show"

19 mai, 2014 • Aura Miguel

Patriarca Latino de Jerusalém esteve recentemente em Portugal, tendo convidado os portugueses a irem à Terra Santa, onde mais do que "pedras", há "pessoas".

Visita do Papa tem de ser mais do que "show"
A poucos dias da visita do Papa Francisco à Terra Santa, o patriarca latino de Jerusalém, Monsenhor Fouad Twal, apela à solidariedade e proximidade dos portugueses e europeus nas questões no Médio Oriente. Fouad Twal confessa que os cristãos se sentem "abandonados pela Igreja e pelo mundo", que pensam que "não se pode fazer nada". O patriarca latino de Jerusalém falou ainda à Renascença da questão dos refugiados sírios na Jordânia e do fanatismo religioso que está a amedrontar o povo.
Fouad Twal vive numa terra marcada por conflitos, pelo ódio, violência e injustiça, mas é um homem que não desanima com as dificuldades.

A poucos dias da visita do Papa, é com grande expectativa que o Patriarca Latino de Jerusalém aguarda Francisco na Terra Santa: “Estamos contentes que venha. É a visita de um Papa à sua Igreja e estou certo que os nossos paroquianos, os nossos fiéis, os nossos cristãos vão estar contentes por receber o Papa.”

“Ficará conhecido como um Papa que ama, um Papa próximo das pessoas, um Papa simples e humilde. Já preparámos a logística e tudo o que é preciso mas eu digo: não podemos contentar-nos com o ‘show’, nem com as manifestações. É bonito mas eu digo que precisamos de ter tempo e coragem para pegar nos seus discursos e de os ler e ver que mensagem nos deixa, que programa de vida, como cristãos e como minoria que vive nesta zona, e que testemunho podemos dar a partir da nossa fé, da nossa caridade e das nossas instituições que acolhem toda a gente”

Muitos dos que são acolhidos são refugiados da Síria. A situação dos milhões de pessoas que fugiram à guerra é actualmente dramática e desumana. “Temos mais de um milhão de refugiados sírios e outro milhão de deslocados também na Síria, que não conseguem sair de lá e nós não conseguimos ajudá-los. Estes refugiados perderam tudo: casas, trabalho, família, hipótese de futuro”.

“É uma situação dramática, anormal e desumana”, denuncia o Patriarca. “O Governo da Jordânia e a Igreja local estão a fazer todo o possível. Nós, o Patriarcado Latino, abrimos as nossas escolas à tarde, para acolher as crianças sírias que vagabundeiam pelas ruas. Rapazes e raparigas são levados para as escolas, ensinamo-los. Tentamos fazer alguma coisa. Ao menos protegemo-los. Durante algum tempo têm um tecto, uma sala, uma casa, têm água e tudo o resto.”

“É uma gota no oceano”, reconhece, “mas ao mesmo tempo agradecemos a todas as organizações internacionais e militares que nos ajudam. E devo agradecer especialmente à Caritas da Jordânia que dá uma grande ajuda e um testemunho.”

A ajuda que parte da Igreja não se destina unicamente a cristãos: “Entre tantos milhões de refugiados, só há 35 mil cristãos, mas todos são filhos de Deus. São pessoas que sofrem. É a humanidade ferida. A nós compete dar a nossa caridade, o nosso amor sem medida e sem fronteiras.”

Fanatismos religiosos preocupam
Mas a preocupação do Patriarca de Jerusalém não é só com os refugiados. Neste momento crescem os fanatismos religiosos que Fouad Twal denuncia porque geram ainda mais medo e são comandados a partir de fora: “O ambiente não é muito bom. Devo dizer que entre os desafios que enfrentamos verifica-se o despertar de um fanatismo religioso – judeu e muçulmano – pior que nunca. É um despertar de fanatismo que amedronta o próprio Governo, a nós, ao povo, aos paroquianos, às nossas instituições.”

“Não se percebe este despertar. O fanatismo religioso, em certo sentido, tem um apoio de fora. Há um controlo remoto do lado de fora que os faz mexer e nós cristãos, nós minoria, pagamos o preço na Terra Santa e não temos escolha. Muitos não aguentam viver com isto e optam pela imigração, para fugir a isto, mas nós encorajamos todos os outros a ficar, apesar de tudo, para serem testemunhas vivas da nossa história de salvação.”

A situação no Médio Oriente mais parece um barril de pólvora e é neste contexto que o Patriarca Latino de Jerusalém desabafa que os interesses políticos ignoram a situação dos cristãos. Pior, diz, estes sentem-se abandonados, não só pelos políticos, mas às vezes, também pela Igreja: “Francamente, tenho a impressão de que estamos um pouco abandonados. Abandonados pela Igreja, abandonados pelo mundo. Eles mais depressa pensam na guerra e na política do que na presença cristã. Tenho esta impressão mas não o digo aos meus fiéis que já vivem com medo. A eles devo encorajá-los a irem contra a corrente e dizer-lhes que está tudo bem, tenham coragem, fiquem, o Senhor não os abandona”.

Contudo, a sensação do próprio Patriarca nem sempre é tão optimista: “Francamente, às vezes, tenho a impressão de que estamos abandonados, que Jesus está abandonado e aí peço-vos um pouco mais de proximidade, de solidariedade, de oração e disponibilidade para escutar a voz dos cristãos, a favor da nossa presença, dos nossos direitos. Dizem que é política e não se pode fazer nada. A política tem outras prioridades do que a presença cristã na Terra Santa; a política tem os seus interesses que não são necessariamente os nossos interesses. É pena, gostaríamos que os políticos e os homens de Igreja se sentissem co-responsáveis pela vida cristã na Terra Santa.”

Mesmo assim, os cristãos na Terra Santa não desistem de dialogar com todos, nem em sensibilizar o mais que podem para a sua situação: “Já fizemos apelos, gritámos no deserto como João Baptista sem grandes respostas, mas isso não quer dizer que vamos parar. O mesmo no que se refere ao diálogo. Dialogamos dia e noite com os judeus e com os muçulmanos e não há resposta todos os dias. Deus fala connosco a toda a hora através dos profetas, dos sacramentos, da Igreja, e não consta que Lhe tenhamos sempre respondido positivamente, mas Ele continua a falar, a perdoar, a amar e assim nós também continuamos o nosso testemunho para com todos. E um dia alguma coisa acontecerá.”

Com amor, Jerusalém é já ali
Uma das formas para sensibilizar o mundo para a situação da Terra Santa é ir lá, ver com os próprios olhos o que se passa e contactar com as comunidades locais. Porque nos lugares santos não há só pedras mas também, e sobretudo, pessoas.

“A Terra Santa é uma Terra Santa para todo o Mundo. As visitas dos Papas são um apelo, um encorajamento a todos os cristãos do mundo para, tal com eles, fazerem peregrinações à Terra Santa e, tal como eles, entrarem em contacto com o povo, com as pedras vidas, contactar com os paroquianos, não apenas com as ruas, os templos ou a arqueologia mas contactar com a comunidade viva.”

O Patriarca Latino de Jerusalém partiu de Portugal cheio de gratidão pela experiência que viveu em Fátima, onde presidiu às celebrações do 13 de Maio, mas diz que quer mais. Por isso, deixa um convite: “Os portugueses já são bons, já lá chegaram, mas gostaria que fossem ainda mais. Gostaria que em Jerusalém se sentissem em casa. Os portugueses têm Fátima. Nossa Senhora de Fátima é a Nossa Senhora da Nazaré, é a Senhora da Palestina. Ela é a mesma, por isso, Nossa Senhora une-nos de uma maneira muito bonita e especial. Que os portugueses venham ver onde Ela nasceu, onde Ela viveu, onde Ela sofreu e, deste modo, a ligação espiritual com os portugueses, através de Fátima, ficará mais forte que nunca. É certo que a distância entre Portugal e a Terra Santa é grande, mas com a oração, com amizade e com amor, não há distâncias.”