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Como acreditar na ressurreição hoje?

16 abr, 2014 • Filipe d'Avillez

José Manuel Pureza, Fernando Santos, João Paulo Sacadura, Manuel Fúria e António Marujo falam da sua crença na ressurreição, de Cristo e dos cristãos.

Como acreditar na ressurreição hoje?
Durante os próximos dias os cristãos de todo o mundo voltam a contemplar a morte e ressurreição de Cristo, o acto fundacional da sua fé. Mas faz sentido, no nosso tempo, acreditar na ressurreição factual de Jesus? E que dizer da ressurreição dos fiéis, outro pilar do credo cristão?


A ressurreição é um risco enorme
José Manuel Pureza

José Manuel Pureza, 55 anos. Professor universitário e ex-deputado pelo Bloco de Esquerda

A ressurreição é, acima de tudo, um risco. É acreditar que, mesmo o último dos limites, que é a morte, pode ser ultrapassado por uma vida plena, pela entrega de uma vida plena, que deixa marcas e que vai reaparecendo em todos os sinais que resultam dessas marcas que deixou.

É um risco enorme. No nosso tempo, de racionalidade científica, não é fácil de afirmar no plano do discurso dominante, da racionalidade, mas é um discurso de crer, de acreditar que a vida que vivemos, que a experiência de entrega, de solidariedade e de amor, não é uma coisa que acaba. É uma coisa que deixa marcas, que permanece, que ganha eternidade.

Todos nós somos convocados à santidade e, por isso, à ressurreição. Dizendo isto de uma forma mais corrente, mas mais concreta, nós adquirimos esta dimensão de ressurreição sempre que nos aproximamos do que foi a vida de Jesus Cristo.

Como é que fazemos? Imitando-o. Aprendendo de uma forma muito humilde o que foi o seu estilo de vida, a sua palavra, o seu gesto, o seu sentimento, a sua atenção, a sua capacidade de definir aquilo que é essencial e o que é acessório e, por isso mesmo, a sua capacidade de, corajosamente mas serenamente, pôr em causa muitos dos cânones que eram seguidos no seu tempo e que apoucavam a condição humana. É aprendendo com isso e replicando isso nas condições do nosso tempo.

Eu sou cristão porque me dou a mim próprio a missão de imitar a vida de Jesus. Acho que a nossa ressurreição é aquela que decorre de uma proximidade, de uma capacidade tão difícil de nos aproximarmos daquela experiência concreta que aquele homem viveu e testemunhou.

Ser cristão é acreditar na ressurreição
Fernando Santos

Fernando Santos, 59 anos. Ex-jogador de futebol e actual seleccionador da Grécia

Acreditar na ressurreição de Cristo é pela fé, seguramente, tanto faz ser hoje em dia como há dois mil anos. Ser cristão é isso, é acreditar na ressurreição.

São Paulo também diz claramente numa das suas cartas: se Cristo não ressuscitou, então a nossa fé é em vão. Se ressuscitou, então a ressurreição é para todos – é isso que ele nos prometeu e naturalmente se acreditamos na ressurreição de Cristo então acreditamos na nossa.

Se acreditamos na ressurreição, então naturalmente temos de seguir o caminho que nos é indicado. Estamos a falar de cristãos e os cristãos partem da certeza de que Cristo ressuscitou. Se partem dessa certeza também sabem que nos foi prometido que ele ia à nossa frente para nos preparar uma morada e indicou-nos um caminho: amar a Deus acima de todas as coisas e amar aos nossos irmãos como a nós próprios.

A ressurreição é para todos. Não há uns que vão ressuscitar e outros não, todos fazem parte da ressurreição. Não sabemos como é, mas foi-nos prometido que existe. Depois, acreditamos que o nosso comportamento ditará de alguma forma como será essa morada. Há muitas passagens do Evangelho que falam disso.

A minha fé vem desde o meu baptismo, mas foi depois de um “cursilho” que percebi, acreditei e que senti que Cristo está vivo. Se está vivo, está vivo nos irmãos, está vivo em nós. Acreditando nisso, acredito na ressurreição. E, a partir daí, tudo se torna mais fácil.

Como não acreditar?
João Paulo Sacadura

João Paulo Sacadura, 54 anos. Jornalista

Como é que se acredita na ressurreição? Responderia com outra pergunta: como não acreditar?

Que sentido teriam todas as lutas, todas as conquistas, todo o amor, todo o sofrimento, todos os ganhos, todos os revezes, todo o perdão, todas as promessas, todos os exemplos, todas as vidas, se não houvesse um além promissor, pelo qual vale a pena lutar e morrer?

Um "depois disto" em que vamos rever quem amámos e quem sempre nos amou e ama, quem seguimos e a quem rezámos, a quem pedimos e em quem, enfim, vamos repousar felizes, imersos num amor superior que tudo abarca, alegremente envolve e enfim justifica?

Para conseguirmos a ressurreição basta ressuscitar! Para que se torne uma promessa concretizada, já hoje, na nossa vida. Para ser uma antecâmara da verdadeira Vida eterna.

"Ressuscitar" naquilo que precisamos, matar e deixar morrer em nós o que nos afasta de Deus, dos outros e de nós próprios, e ressurgir na Vida divina que devemos cultivar em nós, através do perdão, da oração, do dar-se aos outros, do nosso tempo, energias e criatividade.

Sempre que morremos naquilo que os vai minando e nos convertermos, estamos a "ressuscitar" e mais próximos de alcançar a verdadeira ressurreição com Cristo, que mostrou o Caminho, a Verdade e a Vida.

A ressurreição é o momento de uma nova criação
Manuel Fúria
Manuel Fúria, 31 anos. Músico

Em primeiro lugar, acredita-se na ressurreição com fé, assente no mistério. Porque este mistério depende mesmo da nossa fé. A fé é a coisa principal, porque tudo o resto pode ser mais opaco, ou mais claro, pode estar mais ou menos codificado e a fé é a chave que me permite abraçar esse abismo. Pode ser entendido como algo escuro, que mete medo, mas eu prefiro abraçá-lo com a luz e com o amor que nos são prometidos.

Não duvido do facto histórico da ressurreição de Cristo. Não duvido do homem que morreu e três dias depois desapareceu do túmulo e apareceu aos apóstolos e a uma série de pessoas, e não duvido também que o momento da ressurreição é o momento de uma nova criação. Tudo recomeça naquele momento, é como se um novo mundo começasse, e acredito que nesse novo mundo eu já estou salvo.

A minha e a nossa própria ressurreição já estão asseguradas a partir daquela cruz e dos dois dias que se seguiram.

Acho que é preciso treinarmos para conseguirmos estar no Céu. Acredito que, à partida, estamos salvos e acho que apenas temos de manter esse "status" e manter esse “status” é treinar para conseguir estar no Céu. Encaro a vida como se fosse um ginásio, onde praticamos e treinamos para conseguir chegar ao Céu e conseguir estar no Céu.

O amor não é da ordem científica
António Marujo

António Marujo, 53 anos. Jornalista e escritor

O que os primeiros testemunhos disseram é que ele continuava vivo, de outra forma. De facto ninguém viu o momento da ressurreição de Jesus. O que aconteceu foi que muitas pessoas contaram que tinham visto Jesus ressuscitado. Portanto, trata-se de uma questão de um testemunho ao qual se dá crédito ou não.

Há um jornalista francês, Jacques Duquesne, que trabalhou muito a questão religiosa e que escreve: "A história não poderá dizer se Jesus está vivo, ou se, pelo contrário, morreu para sempre no dia 7 de Abril do ano 30. O que se pode dizer, porém, é que se passou alguma coisa naqueles dias. Um acontecimento que, abalando aqueles homens e aquelas mulheres, abalou o mundo."

De facto, não sabendo exactamente o que se passou, sabemos que se passou alguma coisa de tão extraordinário que aquelas mulheres, primeiro, depois os homens, ficaram, de facto, abalados nos seus alicerces, na sua forma de estar, que era de resignação desde há dias.

Obviamente não é fácil acreditar nisto, sendo algo de difícil aceitação à luz do que é a racionalidade simples. Obviamente há que dar um passo e esse passo só a Fé o pode dar. Mas o que é facto é que esse passo tem um alicerce nesses testemunhos, nessa gente que viu alguma coisa que as abalou.

Penso que esse testemunho – de adesão a uma palavra, a uma pessoa, a uma forma de viver – é o grande testemunho da ressurreição. Se não é fácil acreditar na ressurreição, também não é fácil aderir a esse testemunho, mas ele é sem dúvida a exigência maior do Cristianismo e da fé em Jesus.

A fé é o mais difícil nisto tudo. É mais difícil acreditar do que não acreditar. Mas há muita coisa em que acreditamos sem provas. Não temos razões científicas para provar, por exemplo, que gostamos uns dos outros, porque o amor não é da ordem científica, não se pode provar num tubo de ensaio. No entanto, acreditamos que gostamos uns dos outros quando dizemos a outra pessoa que gostamos dela ou quando ela diz que gosta de nós. É profundamente humana esta capacidade de acreditar no outro e no seu testemunho.

Aqui também a fé não é senão um salto de uma humanidade profunda, de dizer: "acredito no testemunho daquele que me diz que viu isto". Desde logo aquelas primeiras mulheres que testemunharam aos outros discípulos que tinham visto Jesus vivo, depois os outros apóstolos foram confirmar que, de facto, o sepulcro estava vazio.

No caso de Jesus, o que conduz à ressurreição, é a profunda verdade na forma como Ele viveu. É também a forma como ele se relacionou com todas as pessoas, que se pode condensar naquilo que dizemos serem os valores do reino, a justiça, a verdade, o amor, a paz.

Ao vincar estes valores, estamos a dizer coisas que continuam a ser actualíssimas, quando dizemos que ele se relaciona com as pessoas de forma justa e verdadeira, estamos a dizer que hoje essa relação de justiça e verdade é essencial para as nossas relações humanas e também nas nossas relações sociais.

Mesmo esta ditadura financeira que nos tem sido imposta nos últimos anos repousa sobre a mentira e, por isso, os cristãos deviam lutar contra ela. Hoje vemos que aquilo que a política e a finança nos estão a impor por toda a Europa é uma profunda mentira, em que as pessoas são espezinhadas, e é tudo ao contrário daquilo que Jesus durante a sua vida procurou fazer: promover uma relação de verdade e de justiça em relação aos que mais sofrem, os mais débeis, e toda a gente em geral.

Os valores do amor e da paz, que apontam sobretudo para a construção de relações fraternas, que repousam sobre a importância do outro, sobre a incapacidade de ver o valor do outro, a verdade do outro, mesmo quando não estou completamente de acordo com o outro, valores que apontam para essa capacidade, a ressurreição passa por esses factores.

Podemos vê-la na vida de Jesus e, de alguma maneira, tentar fazer de modo idêntico, tentar viver hoje, nas nossas vidas pessoais e sociais, esses valores. É isso que nos é pedido.