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Papa é popular porque "fala a linguagem dos simples"

13 mar, 2014 • Filipe d'Avillez

Três especialistas em comunicação analisam o fenómeno de Francisco, o Papa que tomou o mundo, e os meios de comunicação social, de assalto. Mas poderá esse sucesso durar?

Papa é popular porque "fala a linguagem dos simples"
No princípio foi a surpresa, o inesperado. Depois, o espanto virou costume e os gestos revelaram uma figura singular. Eleito há um ano, Jorge Mario Bergoglio deu-se a conhecer ao mundo como Francisco. Depois, foram 365 dias na vida de um Papa.

Faz esta quinta-feira um ano que surgiu à varanda, diante de uma Praça de São Pedro repleta, mais do que um Papa: uma surpresa. 

Francisco começou por espantar o mundo, com o nome escolhido, com o estilo, com o simples facto de ter vindo, como o próprio disse, “do fim do mundo”. Ao longo do ano, as surpresas sucederam-se e ao fim de 12 meses a sua popularidade mantém-se praticamente intacta. 

Para o cónego João Aguiar Campos, director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja, a forma como se deu a eleição, nomeadamente após a resignação de Bento XVI, preparou o terreno: “Com o impacto que isso teve para dentro e para fora da Igreja, muitas atenções de pessoas habitualmente distraídas, ou de 'media' distraídos, centraram-se no Vaticano.” 

“Depois, aparece-lhes um cardeal vindo de longe e, além do mais, que, desde o primeiro momento, revela um modo de ser e um modo de dizer pouco habitual para a maior parte das pessoas e principalmente para aqueles que ainda pensam numa igreja embiocada – o Papa não pode ser assim, não pode ser tão normal como este é”, aponta o cónego. 

"Durmam bem"
Para Joaquim Fidalgo, professor de jornalismo na Universidade do Minho, o Papa começou a conquistar corações logo nessa primeira aparição à varanda. 

“Tudo começou naquele fim de tarde em que ele foi à varanda e saudou as pessoas com um ‘boa noite’, a saudação mais natural que todos utilizamos entre nós, mas o Papa normalmente não usa. Isso é uma coisa simbólica. E o modo simples como no fim ainda disse ‘durmam bem’: foi uma coisa muito pequena mas que imediatamente deu o tom de uma pessoa próxima das pessoas e que fala para as pessoas como pessoas.” 

É uma realidade, considera Joaquim Fidalgo, que revela também uma sede popular de familiaridade: “Acaba por haver por parte das pessoas uma vontade que falem para nós enquanto pessoas e não só para os entendidos, que acaba por tocar muito de perto toda a gente.” 

“Julgo que nesse aspecto tem a ver com a vontade de familiaridade não só do Papa, mas da Igreja como um todo, porque, no fundo, julgo que as pessoas, quando dizem que gostam deste Papa que fala para elas como pessoas, estão a dizer também que gostam que a Igreja fale para elas como pessoas nesta terra, neste mundo, neste tempo”, diz. 

A proximidade é apontada por muitos como a principal característica do Papa Francisco. É o caso de Pedro Mexia, que, em entrevista à Renascença, destaca o “capital de simpatia” que Francisco tem.

Um ano de "Domingo de Ramos"?
O Papa foi eleito homem do ano pela Time e o "Le Monde" e foi capa da revista sobre música e cultura popular Rolling Stone.

O cónego João Aguiar, que é também presidente do conselho de gerência do grupo R/Com, que detém a Renascença, o segredo do sucesso mediático de Francisco está no estilo do Papa.

“O essencial para mim está na pessoa e no tipo de comunicação do Papa Francisco. Comunica muito mais pelo que faz do que pelo que diz e no que diz tem uma enorme vantagem: fala a linguagem dos simples, fala quase em ‘tweets’. Nos seus discursos tem sempre uma ou duas frases que podem fazer as delícias dos jornalistas”, diz. 

Joaquim Fidalgo confirma essa ideia com um episódio recente: “Recentemente, quando falou sobre a família, terminou com uma mensagem muito simples em relação aos casais, dizendo ‘vocês até podem zangar-se, atirar um prato, mas depois façam as pazes antes de ir dormir’. Isto é uma coisa que seria inimaginável num Papa anterior. Nesse sentido, os ‘media’ acabam por gostar imenso porque, sempre que ele fala, quase sempre vai ser notícia.” 

Depois de um ano de quase lua-de-mel mediática, será que estamos perante um sucesso sustentável? Aguiar Campos deixa um alerta: “Penso que foi o bispo de San Sebastian que disse há um ou dois meses que Francisco vive, para já, o seu Domingo de Ramos, quando Jesus entrou triunfalmente em Jerusalém. À medida que algumas das injustas expectativas não forem respondidas, muitos ficarão desiludidos, e serão esses que depois chegarão à cruz a cana embebida em vinagre.”