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Francisco, o "Papa incontornável”, o "tio que todos gostaríamos de ter"

11 mar, 2014 • Filipe d´Avillez

Segredo do sucesso do Papa está na proximidade, defenderam participantes da conferência "Francisco: Um Papa do Fim do Mundo".

Francisco, o "Papa incontornável”, o "tio que todos gostaríamos de ter"

Como é que se explica o sucesso mediático do Papa Francisco, que foi quase imediato e que se mantém, um ano depois da sua eleição? Dois vaticanistas, Aura Miguel e Octávio Carmo, um jornalista, Henrique Monteiro, e um escritor, Pedro Mexia, debateram o assunto no último painel da conferência “Francisco: Um Papa do Fim do Mundo”, esta terça-feira, na Universidade Católica em Lisboa.

Para Aura Miguel, vaticanista da Renascença, o segredo do Papa não está no seu estilo de governo ou na vontade de “arrumar a casa”.

O segredo do sucesso mediático do Papa Francisco está na sinceridade do seu testemunho e na forma como Francisco expõe a sua relação pessoal com Cristo: “Ele não pode calar aquilo que experimenta. O que experimenta é um encontro pessoal com Jesus. Ele vem exercer essa faceta que contagia todos à sua volta. É aí que está o segredo de Francisco. Ele assim revela que a Igreja não é um conjunto de regras, é um lugar de acolhimento, como um hospital de campanha em tempo de guerra, que cuida de quem está ferido. E não há quem não precise desse carinho.”

Octávio Carmo, vaticanista da Ecclesia, considera que o Papa é “uma referência ética mesmo para quem não a procura. É de tal forma forte que não se consegue contornar. É um Papa incontornável.”

“Falou-se muito da necessidade de mudar a cúria, mas o Papa já mostrou que quer mudar o mundo”, considera o jornalista.

Octávio Carmo dá conta de um certo cepticismo entre algumas pessoas em relação às expectativas deste pontificado: “Há entre muitos a ideia de que o Papa está a falar muito, mas que isso não se vai traduzir em mudanças. Mas eu acho que vai e quem acompanha muito o Papa tem essa ideia”.

“Francisco é o tio que todos gostaríamos de ter”
O jornalista Henrique Monteiro alertou para o perigo de muitos fiéis, e também da comunicação social, terem criado expectativas irreais em relação a Francisco: “Há um Francisco imaginário, que há-de ordenar mulheres, permitir o aborto e casar homossexuais. Quando ele não fizer isto, não sei o que vai acontecer”.

Para Henrique Monteiro, o facto de este Papa ter uma aceitação tão grande por parte da comunicação social nem é um factor positivo.“Para a maior parte da imprensa, se lhe perguntarmos se pode haver fé baseada na razão riem-se, não compreendem. Para os ‘media’, o mundo divide-se em dois: o lado certo, o lado da história, e o lado errado, da crença e do obscurantismo. Por isso, temos de ter calma, porque o facto de acharem que o Papa é ‘cool’, não demonstra nada. Apenas demonstra que ele, com gestos simples, agradou a muita gente que não é da Igreja. O problema é que pensam que o Papa é tão avesso aos dogmas da Igreja como eles são.”

Em linha com os outros oradores presentes, Henrique Monteiro considera que o verdadeiro segredo está na linguagem afectiva e próxima. “João Paulo II falava para todos e chegava a cada um, Bergoglio fala a cada um e chega a toda a gente. É intimista e pessoal, fala por parábolas. Francisco é o tio que toda a gente gostaria de ter.”

Pedro Mexia concorda e realça que a primeira grande ovação que o Papa recebeu, depois de ter sido apresentado, “foi depois do primeiro Ângelus, quando disse ‘Bom almoço e bom domingo’. Isto não tem qualquer conteúdo, mas evidentemente o tom de proximidade desarmou as pessoas e esse tom de proximidade chega mesmo a quem não se revê no que o Papa defende.”

Também terá contribuído, considera o escritor, o facto de o Papa não se ter mostrado refém do Vaticano. Mas, para Pedro Mexia, o ponto alto do pontificado de Francisco, que revela claramente essa sua proximidade, foi a visita a Lampedusa, para realçar o sofrimento dos imigrantes ilegais. “Há gestos humanos que são importantes, o telefonar para uma mãe que pensa abortar… E depois há gestos como a ida a Lampedusa: só um Papa poderia ter feito aquilo, foi de longe o gesto mais significante deste papado.”

A conferência "Francisco: Um Papa do Fim do Mundo" foi organizada pela Renascença, a Universidade Católica e a agência Ecclesia para assinalar o primeiro aniversário do pontificado de Francisco. Adriano Moreira, o músico Manuel Fúria, o presidente do Conselho Nacional Justiça e Paz, Alfredo Bruto da Costa, e a psicóloga Margarida Neto também participaram na conferência.