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"Não partam à aventura." Se pretende emigrar, informe-se primeiro

30 jan, 2014 • Filipe d'Avillez

Instituição da Igreja que apoia emigrantes portugueses está preocupada com quem parte sem garantias de emprego. Há situações dramáticas e os destinos tradicionais estão saturados.

A Obra Católica das Migrações (OCM), uma dependência da Conferência Episcopal Portuguesa, pretende chamar a atenção para as situações mais delicadas que afectam quem pretende emigrar ou já emigrou. "A nossa grande preocupação é o drama que os portugueses estão a viver e todas as situações das pessoas que estão a sair do país sem o mínimo de contactos, porque vão sem se precaverem dos problemas, dos dramas que podem encontrar e criam graves problemas no país de acolhimento e graves problemas às comunidades que já lá estão", explica o director da OCM, frei Sales Dinis.

Para ajudar neste trabalho, a OCM tem uma rede de centenas de colaboradores em vários países onde existem comunidades portuguesas. Entre sacerdotes e funcionários, estas missões dão apoio prático e conselhos, além de prestarem serviços religiosos aos emigrantes. Trata-se de um trabalho que obriga a uma colaboração estreita com o Governo português e as instituições estatais, isto numa fase em que a Obra pretende alertar para um dos novos fenómenos que envolve portugueses no estrangeiro.

"Neste momento, existem centenas, se não mais de um milhar de portugueses, sobretudo jovens, presos na América Latina porque foram apanhados a traficar droga. Não têm redes de apoio e estes casos acontecem em países em que os direitos humanos não são respeitados, onde as cadeias não têm condições", refere frei Sales Dinis.

"Às vezes, com apoio jurídico, podia-se repatriar as pessoas para o nosso país. Temos uma parceria com a Secretaria de Estado das Comunidades precisamente para fazer um estudo para conhecermos e criarmos uma rede de apoio para esta gente. Alguns nem os pais e a família sabem onde estão", acrescenta o director da OCM.

Emigrar sozinho e só depois "reunificar a família"
Mas não é preciso estar envolvido em actividades ilegais para que o sonho da emigração se esvaneça. Rui Marques, 62 anos, emigrou para o Luxemburgo com promessa de um emprego, mas acabou por se deparar com um projecto mal estruturado. Jornalista de formação, foi convidado a chefiar um jornal para a comunidade portuguesa.

"O jornal era feito só por mim e muito virado para a comunidade local. Mas 80% dessa população refere-se a empregados da construção civil, da limpeza e da restauração. É natural que não haja muita apetência para jornais. Mesmo 'A Bola', por exemplo, vende cerca de 100 exemplares diários no Luxemburgo", conta Rui Marques, que também esteve no encontro de formação de agentes sociopastorais das migrações. 

"Antes de criar o jornal, o meu patrão, que é um homem ligado ao comércio de carnes, precisava de um espaço onde pudesse colocar anúncios. Tentou num jornal que já existia, mas os anúncios eram muito caros - 10 mil, 15 mil euros. Então, o raciocínio foi criar o seu próprio jornal, esquecendo-se que é preciso criar toda uma equipa de distribuição, de publicidade, que nunca existiu", conta Rui Marques. 

"Quando eu tentava desviar o jornal para outro público-alvo, ele dizia-me que tinha consultado uma vidente e portanto o jornal devia continuar com esta linha de orientação. Enquanto ele manteve o negócio de comércio de carnes, foi dando para cobrir as despesas do jornal. Quando o negócio acabou, ele deixou de ter dinheiro para pagar. Actualmente, o meu processo decorre em tribunal, porque ficou a dever-me dois meses.”

Aos 62 anos, e sozinho no Luxemburgo, Rui não se arrepende da decisão que tomou e já tem em vista um novo projecto. Mas também deixa avisos a quem pensa emigrar.

"Não partam à aventura. Já encontrei casais com filhos a viver em carros, a tentar encontrar um trabalho. Certifiquem-se primeiro que há hipóteses de trabalho. O mercado de trabalho está praticamente fechado e o que se pode arranjar é um trabalho temporário, mas o aluguer de uma casa é caro, a alimentação também não é barata. Não se fiem no facto de terem lá um amigo ou um conhecido." 

Além destes conselhos, frei Sales Diniz acrescenta outro: "Hoje em dia, as pessoas emigram quase sempre com a família toda, porque não se querem separar. É muito melhor, embora custe mais, emigrar um, o marido ou a mulher, começar a construir algo de base lá e depois então fazer a reunificação familiar".

O director da Obra Católica das Migrações lembra ainda que a maioria dos países clássicos da emigração portuguesa estão saturados. "Devem procurar outros horizontes. Há outros países onde se pode ir trabalhar: Noruega, Suécia, muitos países que ainda têm um espaço de trabalho com maior abertura, com mais facilidade que no sul da Europa. E também os novos destinos, como Brasil e Angola", sugere.

A importância dos consulados
Entre os 120 mil que emigraram em 2013, não faltam casos de pessoas que partem atrás de promessas que se revelam vazias, com contratos que afinal não passam de letra morta. E depois há outros que nem chegam a partir. Foi o caso de Ana Luísa Aires, de 38 anos, que respondeu a um anúncio que viu no Facebook e acabou por ser seleccionada para ir trabalhar como educadora em Angola. 

"Fomos avisados que a viagem seria a 25 de Janeiro de 2013. Depois começaram a adiar e adiar. Em Março chegou o contrato. O advogado viu o contrato, estava tudo direitinho, assinei. Depois foi adiado para o outro mês, entretanto o consulado estava a atrasar os vistos, depois faltava um papel, depois era novamente o consulado. E estou aqui hoje, ao fim de um ano", conta. 

"Só em Setembro é que o meu processo deu entrada no consulado para tratar dos vistos, por isso não era o consulado que estava a atrasar. A empresa angolana é que estava a tratar de tudo", explica a educadora, que esteve no mais recente encontro de formação de agentes sociopastorais das migrações, organizado pela OCM durante o fim-de-semana de 18 e 19 de Janeiro e cujo mote era "Aventuras e desencantos na emigração".

"Eu não considero que fui enganada", prossegue Ana Luísa Aires. "Acredito que a empresa quer contratar as pessoas, mas acho que tiveram mais olhos que barriga e quiseram contratar muita gente de repente, mas não conseguiram - e puseram a vida das pessoas em suspenso." 

Por isso, deixa conselhos a quem esteja a ponderar ir trabalhar para fora: "Certificar sempre que a empresa é válida - através do consulado, de pessoas que conheçam, mas sobretudo através dos consulados. Depois, não fazer como eu, que acreditei sempre que ia e estive um ano a perder oportunidades melhores e acabei sem nada".

Frei Sales Dinis acrescenta que há também outras vias: "A Secretaria de Estado das Comunidades tem uma campanha de informação e dos contactos nos países, que está muito bem feita. Em muitas câmaras existem gabinetes de apoio para quem quer emigrar. A OCM e a Cáritas podem ajudar e, quando não conseguirmos dar respostas, ajudamos a encaminhar para quem pode".