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Papa diz que “a corte é a lepra do papado”

01 out, 2013 • Filipe d’Avillez

“Os piores males que o mundo enfrenta hoje são o desemprego juvenil e a solidão dos idosos”, diz Francisco numa entrevista ao jornal “La Repubblica”. Papa fala ainda da sua visão para a cúria romana e da relação entre a Igreja e a política.

O Papa Francisco tece duras críticas ao Vaticano e aos aspectos materiais que o rodeiam, considerando que existe uma cultura de “corte” a que chama uma “lepra”.

“Os chefes da Igreja têm sido frequentemente narcisistas, lisonjeados e emocionados pelos seus cortesãos. A corte é a lepra do papado”, afirmou Francisco numa entrevista ao jornal italiano “La Repubblica”.

O Papa esclarece que esta corte não se confunde com a cúria romana, mas diz que também esta deve deixar de estar tão centrada em aspectos temporais.

"Há cortesãos na cúria, mas a cúria em si é outra coisa”, diz, apontando contudo que actualmente ela tem um defeito: “é centrada no Vaticano. Vê e olha pelos interesses do Vaticano que são ainda, na maior parte, temporais. Esta visão centrada no Vaticano negligencia o mundo à nossa volta. Não partilho desta visão e farei tudo o que estiver ao meu alcance para a alterar. A Igreja é, ou devia voltar a ser, uma comunidade do povo de Deus e os padres, pastores e bispos, que têm o cuidado das almas, estão ao serviço do povo de Deus.”

A entrevista, concedida ao jornalista assumidamente ateu Eugenio Scalfari, é publicada no dia em que o Papa se encontra pela primeira vez com um comissão de oito cardeais nomeados para o ajudar precisamente a reformar a cúria romana. Para Francisco esta reforma não passa de um cumprimento do Concílio Vaticano II.

"Temos de devolver a esperança aos jovens, ajudar os idosos, sermos abertos para o futuro, espalhar o amor. Sermos pobres entre os pobres. Temos de incluír os excluídos e pregar a paz. O Vaticano II, inspirado por Paulo VI e João [XXIII], decidiu olhar para o futuro com um espírito moderno e abrir-se à cultura moderna. Os padres conciliares sabiam que a abertura à cultura moderna significava ecumenismo e diálogo com não-crentes. Mas depois fez-se pouco nesse sentido. Eu tenho a humildade e a ambição de fazer algo."

No seguimento de outra entrevista, publicada em Setembro, na qual o Papa diz que a Igreja não pode falar exclusivamente de alguns temas polémicos, Francisco confirma a ideia de que o catolicismo é mais do que uma série de regras e normas - trata-se, sobretudo, de uma relação com uma pessoa: Jesus Cristo.

“O proselitismo é um disparate. Não faz sentido. Precisamos de nos conhecer, ouvir-nos e aumentar o nosso conhecimento sobre o mundo que nos rodeia”, explica. “O mundo é cruzado por estradas que se aproximam e se separam, mas o importante é que nos conduzam em direcção ao Bem”, considera.

“Toda a gente tem a sua própria ideia do bem e do mal e deve optar por seguir o bem e combater o mal na forma como os concebe. Isso seria o suficiente para tornar o mundo um sítio melhor”, diz ainda.

Desemprego e solidão
Questionado sobre o estado actual do mundo, Francisco é claro sobre as grandes questões que enfrentam actualmente a Igreja: “Os piores males que o mundo enfrenta hoje são o desemprego juvenil e a solidão dos idosos”.

O entrevistador contrapõe que estas são essencialmente questões políticas e sociais, que devem preocupar os Estados e os sindicatos. “Tens razão”, responde o Papa, “mas também dizem respeito à Igreja. De facto, particularmente à Igreja, porque esta situação não afecta apenas os corpos, mas também as almas. A Igreja deve sentir-se responsável tanto pelo corpo como pela alma”.

Francisco insiste que a Igreja não se deve meter em política, mas deixa críticas ao liberalismo desregrado que, considera, “apenas torna os fortes mais fortes e os fracos mais fracos e os excluídos mais excluídos. Precisamos de muita liberdade, nenhuma discriminação, nenhuma demagogia e muito amor. Precisamos de regras de conduta e, se necessário, intervenção directa do Estado para corrigir as desigualdades mais intoleráveis”.

Ao longo da entrevista, o Papa explica que os seus dois santos de referência são Francisco, por razões que já deu a conhecer e que levaram à escolha do seu nome quando foi eleito Papa, e Santo Agostinho.

Mais à frente, depois de ter perguntado a Scalfari qual é a sua visão do mundo, enquanto não crente, responde com a sua: “Eu acredito em Deus. Não num Deus católico, não existe um Deus católico, mas existe Deus e acredito que Jesus Cristo é a sua encarnação. Jesus é o meu mestre e o meu pastor, mas Deus, o Pai, Abba, é a luz e o Criador. Este é o meu Ser”.

A entrevista ao "La Repubblica" pode ser lida aqui na íntegra, ou aqui numa versão inglesa.

[Notícia actualizada às 16h24]