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D. Manuel Clemente

"O melhor da modernidade é o desenvolvimento de sementes cristãs"

07 jul, 2013 • Raquel Abecasis

Para D. Manuel “dar a César o que é de César”, significa que “este não é menos mandamento que o outro e César é o império, é o mundo, é a sociedade política”, em que os católicos devem empenhar-se.  

"O melhor da modernidade é o desenvolvimento de sementes cristãs"
"O melhor da modernidade é o desenvolvimento de sementes cristãs"
Na primeira entrevista desde que tomou posse na diocese de Lisboa, D. Manuel Clemente pede uma igreja mais activa e missionária porque os tempos modernos exigem um debate cultural para que os católicos ainda não estão preparados, “os pronunciamentos episcopais são muito bonitos as encíclicas papais são excelentes, mas precisam de ser apanhados pelas comunidades cristãs”, diz o novo patriarca de Lisboa que acha que “para o debate cultural que temos agora que travar ainda não temos formação".
"O melhor que a modernidade tem não é um contraste com o Cristianismo, mas é o desenvolvimento de sementes cristãs", considera D. Manuel Clemente.

O novo Patriarca de Lisboa, que tomou posse da diocese no sábado e este Domingo faz a sua entrada solene no Patriarcado, considera que é falsa a oposição de que tanto se fala entre o mundo moderno e a fé: "O Cristianismo desmistificou a criação, o mundo deixou de ser uma coisa ‘endeusável’ e passou a ser uma realidade entregue ao homem e à sua capacidade de investigação e de desenvolvimento, isto é uma enorme conquista da narrativa bíblica da criação. Abriu uma laicidade positiva, uma compreensão da realidade temporal e política, conforme a frase de Jesus de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”.

Esta expressão de Cristo deve, contudo, ser lida correctamente pelos cristãos: “este não é menos mandamento que o outro e César é o império, é o mundo, é a sociedade política”, em que os católicos devem empenhar-se. 

Este empenhamento, contudo, pede uma Igreja mais activa e missionária, porque os tempos modernos exigem um debate cultural para que os católicos ainda não estão preparados. Falta debate e aprofundamento: “Os pronunciamentos episcopais são muito bonitos as encíclicas papais são excelentes, mas precisam de ser apanhados pelas comunidades cristãs”, diz o novo Patriarca de Lisboa, que acha que: “Para o debate cultural que temos agora que travar ainda não temos formação e entrega suficiente”.

Como proposta para o próximo ano pastoral D. Manuel Deixa o desafio de que nos vários sectores de actividade os católicos se confrontem com a nova encíclica do Papa e procurem perceber o que ela diz às suas vidas.

A chamada "crise das vocações" é uma preocupação constante para a Igreja, mas o novo Patriarca acredita que a médio prazo a situação tende para a estabilização: "Quando eu fui para o seminário dos Olivais nos anos 70, o seminário que tinha tido quase 200 seminaristas alguns anos antes, tinha oito. Passámos a ser 11. Em toda década de 70 em Lisboa ordenaram-se 15 padres. Agora os números são muito mais expressivos. Quer em número de seminaristas, até foi preciso desdobrar o seminário. Hoje são muito mais, não só seminaristas, como também ordenações."

Em relação ao escândalo dos abusos sexuais, que já fez muitos estragos na Igreja e de que recentemente surgiram alguns casos também em Portugal, D. Manuel considera que são fruto da natureza humana, que é capaz do melhor e do pior: "Em relação à natureza humana há duas coisas que não faço, uma é presumir, outra é desistir. Somos capazes de coisas magníficas e somos capazes de grandes disparates. Também há problemas na formação nos seminários, mas os psiquiatras dizem mesmo que isto vem de antes, da idade em que nem somos conscientes de nós próprios. Não devemos generalizar, cada caso é um caso. As realidades humanas e sobretudo quando são traumáticas e traumatizantes são realidades que demoram muito tempo a sarar e têm de ser encaradas como realidades humanas, sem presumir que isto vai ser tudo muito bom, e sem desistir", considera.

Nesta entrevista D. Manuel Clemente elege como principal preocupação “a situação económica e ligada à situação económica, a questão do emprego e do trabalho” e pede que o país valorize os mais experientes, sugerindo mesmo que haja “uma assembleia consultiva” em que os senadores fossem ouvidos antes das grandes decisões.