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“Tu, para padre?! Não acredito”

28 jun, 2013 • Matilde Torres Pereira

Quatro dos seis futuros padres da diocese de Lisboa ordenados este sábado, naquela que será a última missa celebrada por D. José Policarpo como Patriarca, conversam sobre a vocação, as esperanças e as expectativas para o sacerdócio e a missão da Igreja no mundo de hoje.

“Os meus amigos receberam a notícia com muita surpresa! Sobretudo os amigos e amigas da farra, de Coimbra, nunca pensaram numa dessas. Quando eu disse, eles ficaram de olhos esbugalhados…'Tu, para padre?! Não acredito’”, ri Fernando Santos.

O diácono de 30 anos faz parte da mais recente fornada do Seminário Maior do Cristo Rei dos Olivais, em Lisboa, e, com mais cinco futuros padres a serem ordenados este sábado, no Mosteiro dos Jerónimos, é herança dos mais de 30 anos de D. José Policarpo ao serviço da Igreja portuguesa.

Fernando não esconde a alegria ao contar como foi o percurso desde a terra viseense onde nasceu, Oliveira de Frades, passando por Coimbra e pelo pré-seminário na Bélgica até ao Seminário dos Olivais, de onde já saiu para trabalho pastoral em Sintra.

Confessa que sentiu algum choque entre os estudos na faculdade belga de Namur e as aulas em Lisboa, na Universidade Católica.  “Nos estudos de teologia, os primeiros dois anos começam sempre com filosofia. Chega sempre uma altura em que pensamos, ‘será que Deus existe mesmo?’”, ri. Chegado aos Olivais, percebeu, aliviado, onde é que as aulas estavam a querer chegar.

“É como dizia o Papa Bento XVI: é na questão que podemos dialogar entre cristãos e ateus. Porque os cristãos também têm de pensar, e se Deus não existisse? E os ateus também devem pensar, e se Deus existisse? Para mim isso é muito importante”, aponta Fernando.

Duplicidade de sentimentos

Para todos, a descoberta da vocação foi um percurso intenso, mas para Diogo Correia, o mais velho, com 43 anos, o caminho foi particularmente sinuoso. “Todas as semanas tinha direcção espiritual e aulas de teologia à noite, enquanto estava em Óbidos a trabalhar”, conta.

Mestre em História da Arte, especializado na área do Património, o seminarista de Alenquer, perto da terra de D. José Policarpo, teve de largar uma carreira para entrar na formação sacerdotal. “No ano antes de entrar, foi difícil de estar em Óbidos, porque já estava com o coração aqui no seminário. Foi uma duplicidade de sentimentos, mas foi um ano muito bonito de descoberta e de confirmação de que o Senhor me chamava.”

Para Thomaz Fernandez, 31 anos, a questão da vocação surgiu quando trabalhava nos Estados Unidos. “Um ano para tirar a limpo a questão de o que Deus queria. Fui para uma universidade já estudar um bocadinho de filosofia e teologia, para aproveitar o tempo, e ao mesmo tempo comecei numa espécie de pré-seminário, sobretudo para discernimento.” “Foi potente”, diz, sobre os meses passados na universidade franciscana do Ohio.

Depois dessa experiência, deu voltas em Roma para conhecer as diferentes ordens e congregações, mas foi em Lisboa que encontrou a resposta que procurava.

Para a missão que se avizinha nas paróquias, dá prioridade às pessoas. “Às vezes, sem saberem, têm uma sede muito profunda de algo infinito, de uma realização, de uma felicidade plena, e essa tem uma resposta: Jesus Cristo.”

“Como diz no Gaudium et Spes, Jesus revela o homem a si mesmo, o fim do homem, aquilo que o homem mais anseia. E deu-nos a água que satisfaz esta sede.”

Ser como Cristo no meio do mundo
De bem mais perto veio Paulo Pires. Da Amadora, o mais novo, com 27 anos, confessa que o mais duro foi largar o curso de Biologia que tanto sacrifício custou aos pais. Mas foi por isso mesmo, conta, que com toda a liberdade largou tudo pelo seminário.

“É mostrar que a nossa vida não se reduz simplesmente à realidade presente, e, no contexto de crise, faz sentido falar nisto.”

“Quando a nossa vida está sujeita à precariedade, ou à inconstância, torna-se mais evidente e salta mais à vista as questões que atormentam todos os homens - de onde vimos? Para onde vamos? O que é que eu estou a fazer neste mundo? Qual é o sentido da vida? É aqui que entra a Igreja”, defende Paulo.

Paulo está na expectativa de uma vida numa paróquia ainda desconhecida, mas Fernando já teve oportunidade de pôr as mãos na massa em Sintra. E as diferenças entre o dia-a-dia dos seminaristas e a realidade no terreno são enormes, descreve. “Como da noite para o dia. Porque uma coisa é irmos aos fins-de-semana, outra é realmente passarmos a semana toda, e no fundo, aquelas pessoas acabam por ser também a nossa família.”

“Temos oportunidade de conhecer melhor, de nos aproximarmos mais, e é também essa a nossa missão, estar lá, ser como Cristo no meio do mundo.”

Cristianismo por contágio
No meio do mundo, é como todos se querem colocar. Para Diogo, não há outra forma de encarar os outros e passar o testemunho. É pelo exemplo que quer chegar ao coração da comunidade. “O Cristianismo sempre se difundiu por testemunho, por contágio. Pelas pessoas reconhecerem que há ali alguma coisa de diferente, de novo, de belo, de bom, que transforma a nossa vida e que dá um sentido novo à vida, à existência, e que renova a esperança. Isso faz-se pelo contacto directo, com comunidades concretas.”

Thomaz concorda. “Penso que tem de se ir ter com as pessoas, sem dúvida. Depois é um bocadinho como diz o profeta - sobe ao monte, está com Deus, depois desce do monte para ir ter com as pessoas e levar Deus às pessoas.” O seminarista deixa a ressalva: “Falamos muito em Igreja, os padres, os bispos, é verdade, são uma face visível, mas a Igreja é a comunidade de todos os baptizados. A missão é de todos os cristãos.”

A missão destes futuros padres é partilhada. O exemplo parte do próprio Papa, lembra Paulo. “Ainda há pouco tempo falou disso e todas as agências noticiosas disseram ‘Ah! O Papa também tem pecados!’” .“Pois tem, mas o problema não é ter muitos pecados, com todas as aspas que isto tem; é o que fazemos com eles".

“É isso que queremos transmitir”, remata Fernando. “Acolher as pessoas sempre com um sorriso, mas ao mesmo tempo perceber que o sorriso é uma ressurreição que passa pela cruz”.

Fernando, Diogo, Thomaz e Paulo são quatro dos seis futuros padres da diocese de Lisboa ordenados este sábado, no Mosteiro dos Jerónimos, naquela que será a última missa celebrada por D. José Policarpo como Patriarca. A partir do próximo mês, ficam entregues ao cuidado de um novo “pai”: D. Manuel Clemente.