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Comissão especial do Papa já trabalha nas reformas da Cúria Romana

06 mai, 2013 • Filipe d'Avillez

Cardeal Seán O’Malley, que é conselheiro do Papa, revela que há trabalho que já está a ser feito por correio - a distância física entre cardeais assim o impõe. Em entrevista à Renascença, elogia ainda a religiosidade dos portugueses e fala sobre os casos de abusos sexuais.

Comissão especial do Papa já trabalha nas reformas da Cúria Romana
Em Abril, o Papa Francisco constituiu um grupo de cardeais para rever a Constituição Apostólica que regula o funcionamento da Cúria Romana. O arcebispo de Boston, cardeal Seán O’Malley, integra a comissão e, em conversa com a Renascença, revela que os conselheiros já iniciaram contactos entre si, apesar de a primeira reunião da comissão estar marcada para Outubro. De visita aos Açores, Seán O’Malley fala ainda sobre os casos de abusos sexuais sobre menores e da sua ligação a Portugal.
A comissão criada pelo Papa Francisco para sugerir reformas para a Cúria Romana já está a trabalhar, apesar de a primeira reunião com os oito cardeais estar agendada apenas para Outubro. A revelação é feita à Renascença pelo Arcebispo de Boston, Cardeal Seán O’Malley, que falou à margem das Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, nos Açores, a que presidiu no fim-de-semana.

"Temos começado a trabalhar por correio, entre nós, mas a primeira reunião, porque somos de todos os continentes, é só em Outubro", explica, sem desvendar alguma ideia concreta. "Estou a pensar, estou também a consultar várias pessoas."

No centro de muitas das polémicas que envolvem o Vaticano está o Instituto para as Obras Religiosas, mais conhecido como Banco do Vaticano. Algumas vozes têm pedido mesmo o seu encerramento, mas o arcebispo de Boston manifesta dúvidas nesse sentido.
 
"Essa é uma das coisas que estamos a estudar. O nosso banco não é muito grande, mas vemos como muitos bancos europeus e também americanos têm tido problemas. O dinheiro que está no banco pertence às ordens religiosas benéficas da Igreja e isso é uma grande responsabilidade. Por isso, vamos procurar proteger esses recursos da melhor maneira, mas, pessoalmente, não creio que a Igreja deva fechar o banco sem estudar muito o caso, porque vimos o que está a acontecer noutras partes e talvez a situação fosse pior."

Em relação à Cúria Romana em si, sublinha que há muita gente que trabalha bem, mas o maior problema é de coordenação. "Estou a começar a conhecer a realidade da Cúria. Há muitas pessoas muito dedicadas e muito capazes que trabalham ali. Acho que os meios de comunicação falam muito do 'Vatileaks' e dos problemas que tem havido, mas há também trabalho de muito valor que se faz ali. Queremos encontrar formas de coordenar melhor, com maior comunicação entre os vários dicastérios e a relação entre a Cúria e as conferências episcopais no mundo inteiro, para que haja mais colaboração e coordenação."

Conselhos para lidar com os casos de abusos
Seán O’Malley é conhecido pela forma como recuperou, não uma, mas duas dioceses absolutamente destroçadas pelo escândalo de abusos sexuais sobre menores. É um trabalho no qual está envolvido há 20 anos e acredita que nos Estados Unidos o pior já passou.

"Ultimamente, os casos são muito, muito raros. Os que surgem são de há 20, 30 ou 40 anos. Isto fez muito dano à credibilidade da hierarquia da Igreja, mas há muitos anos os bispos iniciaram umas normas muito exigentes para proteger as crianças e têm sido muito eficazes. Acho que as nossas instituições, igrejas e escolas são os sítios mais seguros para crianças que existem no nosso país. Nenhuma outra Igreja, nem o Governo, fazem as coisas que nós fazemos para proteger as nossas crianças."

Noutros países, como em Portugal, a hierarquia começa apenas agora a ter de lidar com denúncias de casos de abusos. O cardeal deixa alguns conselhos sobre como tratar o assunto. "O Papa Bento XVI mandou que todas as conferências episcopais no mundo preparassem normas sobre estes casos e indica que deviam ter muita transparência, muita atenção às vítimas e tolerância zero para casos de pedofilia na Igreja. É muito importante que as conferências episcopais o façam."

Os bispos podem contar com a ajuda americana. "Acho que os países que têm passado por estes problemas podem aconselhar e ajudar estas conferências episcopais. É verdade que não é um problema clerical, nem da Igreja - é um problema humano e existe muito mais fora da Igreja do que dentro, mas, como tenho dito, quando se trata de um sacerdote ou de um religioso, o dano é maior para a vítima."

O Cardeal Seán O’Malley fala fluentemente português e visita frequentemente Portugal, seja o continente, seja os Açores, de onde são oriundos muitos dos fiéis que têm servido nas dioceses americanas onde trabalhou. A religiosidade dos portugueses não o deixa indiferente.
 
"Para os emigrantes, a religião e a fé são muito importantes para a sua própria identidade. A Igreja é o centro da sua vida religiosa e social. Muitas vezes tive a oportunidade de celebrar nos Estados Unidos as festas tradicionais portuguesas. Poder ir ao sítio onde têm origem estas devoções é um privilégio e uma alegria muito grande."