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Entrevista Pedro Passos Coelho

Passos defende 12 vencimentos em vez de 14

05 abr, 2012 • Graça Franco com Raquel Abecasis

Em entrevista à Renascença, Pedro Passos Coelho anuncia que a reposição dos subsídios de férias e de Natal só acontecerá a partir de 2015 e defende a redistribuição dos actuais 14 vencimentos por apenas 12.

Passos defende 12 vencimentos em vez de 14
Corte não termina no fim de 2013 e vai durar mais um ano. Em entrevista à Renascença, Pedro Passos Coelho defende também a redistribuição dos subsídios por 12 salários e refere que o programa de ajuda externa dura até 2014.

Nesta entrevista, dada por ocasião dos 75 anos da Renascença e sob o mote das razões para acreditar em Portugal, o primeiro-ministro também assume que não há condições para aumentar prestações sociais nem para diminuir muito a taxa de desemprego. E fala sobre a intervenção da Caixa Geral de Depósitos na Opa à Brisa, sobre as dificuldades da banca, o funcionamento do Governo e o que espera do Presidente da República. 

Há dois anos quando se apresentou aos eleitores tinha um programa que plasmou no livro “Mudar”. Na altura acreditar em Portugal parecia, no seu ponto de vista, acreditar na mudança. A mudança era então romper com actual cenário de estagnação, afastar o espectro do colapso financeiro e de quebra da coesão social e evitar a perda de mais graus de liberdade face ao exterior. Hoje, parece afastado o espectro do colapso financeiro, mas nos três outros pontos, parecemos estar pior. O que nos vai dizer para acreditarmos que não vamos morrer da cura?
Em primeiro lugar, quero recordar o contexto em que esse livro foi feito. Estávamos em finais de 2009, comecei a escrever pelo Verão de 2009 e o livro saiu praticamente em Janeiro de 2010, antes ainda antes de me ter candidato à liderança do PSD. Quando finalizei esse livro, entre Outubro e Dezembro havia uma nítida sensação de que nos encaminharíamos para um desastre financeiro se não houvesse rapidamente uma mudança de regime económico. Isso não veio a concretizar e, portanto, quase fatalmente as consequências que se pretendiam evitar acabaram por aparecer. O país persistiu apesar da perda da maioria absoluta do PS numa visão voluntarista do ponto de vista económico que não tinha sustentação.

Foi já como presidente do PSD que, meses depois, vim a anuir publicamente com um programa que ficou conhecido como PEC II que se destinava dar um contributo último para evitar o desastre financeiro. Mesmo assim, isso não foi possível de conseguir e caímos na ajuda externa que se tentou evitar por todas as vidas. Estamos hoje numa situação em deu, concretizada a ajuda externa, Portugal é visto como um caso que está a apresentar sinais de sucesso na implementação do seu programa.

E essa já é uma primeira razão de satisfação. Temos e resolver dentro do país um conjunto de desequilíbrios que acumulamos durante muitos anos. Se conseguirmos que este programa seja bem sucessivo, estaremos a evitar um recurso ainda mais penoso a medias ainda mais gravosas do que as que estamos a implementar do lado do controlo financeiro. A recessão económica seria ainda mais grave se apresentássemos descontrolo financeiro ou não respeitássemos os limites que nos foram impostos por quem nos emprestou dinheiro.

O segundo tem a ver com agenda de transformação estrutural da economia portuguesa que nos poderá colocar numa trajectória de crescimento no futuro. Essa dimensão e reforma estrutural está a prosseguir a um ritmo muito intenso.

Mas o efeito prático neste instante é que grande parte do nosso tecido industrial está destruído e uma grande parte da classe média empobrecida. Como é que se recupera o tecido empresarial e a classe média que está fragilizada?
Só podemos crescer se conseguirmos aliviar uma parte da divida que temos às costas. Não tínhamos dinheiro para manter a trajectória que vínhamos fazendo. Vamos supor teoricamente que o nosso programa não era bem sucedido, a consequência mais natural era que tivéssemos que implementar um programa ainda mais recessivo. Como em qualquer circunstância temos de colocar o país a viver dentro das suas possibilidades, essa dimensão realista teria sempre de ser cumprida.

Mas é importante que a economia tenha alguma circulação e um caso que tem dado que falar é a participação da CGD operação de aquisição que o grupo Mello decidiu fazer à Brisa. O banco do Estado está a financiar uma operação de um grande grupo económico em detrimento do apoio à economia, que é tão necessário…
Não quero pronunciar-me sobre operações em concreto. É importante saber que a CGD é 100 por cento pública e, nessa medida, deve explicações ao seu accionista, mas não tem de consultar o seu accionista para cada uma das operações do dia-a-dia. A Caixa conhece as orientações do Governo, creio que tem estado a cumprir um programa que visa retirar da carteira da caixa um conjunto de participações que inibem a caixa de ter mais capital para alocar às empresas portuguesas.

Essas orientações têm vindo a ser seguidas, embora nalguns casos com algum atraso, como é o caso concreto da Caixa Seguros: era suposto essa operação estar concluída até ao final do primeiro trimestre de 2012 e não está concluída. E, mais importante, a nossa monitorização sobre o financiamento à economia não tem mostrado nesta fase um estrangulamento via concessão do crédito da banca às empresas …

O último exame da troika dizia que era preciso ter atenção ao fluxo do crédito para a economia…
Mas concluía positivamente. Foi o Governo português que introduziu essa dimensão de avaliação ainda nos segundo exame regular, em Novembro. Os empresários queixavam-se, não havia praticamente ninguém em Portugal que não dissesse “cuidado para não criar uma ruptura no financiamento”, mas depois quando íamos ver com os dados do Banco de Portugal não havia evidência de que essa restrição estivesse acima daquilo eu era expectável, porque temos um processo de desalavancagem em curso. O que isto significa? Nós tínhamos uma economia demasiado viciada em crédito. Há poucos capitais próprios na economia. Não é possível uma economia basear-se no recurso indiscriminado ao crédito.

Mas agora estamos na fase contrária, que é ter empresas com dificuldades de tesouraria que não encontram crédito. Não está escandalizado como o dr. Rui Rio, por exemplo, ao ver este tipo de desvio de um volume muito grande de crédito do banco estatal…
Tenho de me cingir aos dados e os dados que tenho não me permitem chegar a essa conclusão e não tenho que me mostrar nada escandalizado na medida em que a Caixa tem observado as orientações que o Governo tem dado, no sentido de assegurar de forma adequada canais de financiamento às empresas. Entretanto, houve dois ou três factos que melhoraram esta perspectiva. Em primeiro lugar, a política do BCE, que passou a ter uma política monetária mais acomodatícia.

E os nossos bancos estão a usar essa mais valia?
Quer os nosso bancos ,quer a generalidade da banca europeia. A banca passou a dispor, através de dois grandes leilões a taxa fixa por três anos, de financiamento que permite que um cenário de restrição mais elevada de crédito fosse afastado.

Aliás contribuiu também para o sucesso dos leilões de hoje…
Não gosto de mascarar a realidade. É verdade que o sucesso dos leilões que temos vindo a efectuar deve-se em parte à política do BCE, mas também em parte à reputação que a política financeira portuguesa tem vindo a registar. Quem não tem dinheiro, evidentemente não pode ir aos leilões, mas quem tem dinheiro para ir aos leilões só vai aos que lhes interessa …

Mas para a banca nacional até é um bom negócio e até é menos arriscado do que emprestar às empresas.
Para a banca portuguesa, o grande desafio que se põe não é esse, é saber como recompor  carteiras de crédito  que estão colocados no longo prazo, sobretudo na área imobiliária e no crédito à habitação em que os prazos de maturidade média dos bons créditos que existem andam entre os 18, 20 e mais anos. Como a quantidade de crédito que a banca pode dar à economia que é tradicionalmente pequena no quer espeita às empresas, a quantidade de crédito disponível da banca não ultrapassa em média cerca de seis por cento da totalidade do crédito disponível …

Gostava de ver alargada essa percentagem?
Com certeza e esse é o grande desafio: conseguirmos que os bancos consigam recompor as suas carteiras de crédito de modo a alargar o financiamento à economia em detrimento do financiamento que tem dado á compra de casa própria.

O relatório da Comissão Europeia prevê que em 2015 ainda se mantenha em Portugal uma taxa de 12,4% de desemprego. Soubemos esta semana, pelos dados do Eurostast, que atingimos em Fevereiro os 15% de desemprego. Estes números não indicam que, grande parte destas pessoas que estão agora desempregadas, não serão reabsorvidas pela recuperação da economia?
Durante muitos anos o financiamento que tivemos para a economia não gerou grande crescimento, o que nos conduz à ideia de que temos de mudar de modelo de crescimento. A União Europeia e o FMI têm dito que as transformações estruturais que temos introduzido dão-nos a possibilidade de, nos próximos dez anos, crescer a um ritmo médio de dois por cento ao ano, o que significa o dobro do que crescemos na última década. Na última década, crescemos em média um por cento e duplicámos a taxa estrutural e desemprego. O que significa que, sem mudarmos o modelo de crescimento, não teremos possibilidade de absorver este nível de desempego, mas a nossa ambição é, a crescer dois por cento, conseguirmos na próxima década reduzir o desemprego estrutural para dez por cento

Em 2009, escandalizava-o uma taxa de 10%…
Como me escandaliza hoje uma taxa de 15% …não estou a dizer que vivo bem com uma taxa de desemprego tão elevada

Já reviu a sua meta para este ano, de 14,5%.
A nossa previsão, que consta do orçamento rectificativo, mantém essa previsão. A nossa expectativa é que o segundo semestre vai, em termos de emprego, correr melhor que o primeiro semestre. Não é o Estado que cria emprego, a ideia de que o Estado pode resolver este problema não é realista, nem desejável. Não é o Estado que cria emprego, é a economia, são as empresas privadas … A nossa perspectiva é no curto e médio prazo acelerar os processos de financiamento à economia adequados aos sectores estratégicos que tenham melhores possibilidades de crescimento, nessa medida a reorientação do Qren será importante…

A nossa perspectiva é não haver recessão em 2013 e poder haver uma recuperação mais franca a partir de 2014. Ninguém levará a mal que o primeiro-ministro seja cauteloso nas previsões, que estão dependentes do quê se vier a passar no conjunto europeu.

Disse numa entrevista recente que achava muito desejável que o FMI dissesse em que condições é que Portugal poderia voltar aos mercados em 2013 …
Não foi bem isso que disse. O que disse foi que, desde Julho do no passado, as conclusões do Conselho Europeu têm referido que se Portugal e a Irlanda executarem com sucesso os seus programas e por razão que seja estranha ao cumprimento dos programas não conseguirem reentrar em mercado, o FMI e a EU manterão ao poio financeiro a estes países.

Durante muitos meses, apesar de isto estar nos comunicados, a comunicação social e os agentes económicos não têm dado grande relevo a esta questão. À medida que se aproxima o prazo para regressar ao mercado – e aí a Irlanda está na primeira linha, porque o programa termina primeiro – é natural que as instâncias europeias e o FMI possam querer precisar melhor que tipo de garantias  é que darão caso o regresso aos mercados não seja percepcionado pelos próprios mercados de forma tão positiva quanto o esperado.

Hoje o comissário  Ollie Rehn falava na necessidade de pontes para a passagem os mercados …
Uma das formas de poder apoiar a transição tem a ver com a maneira como a Irlanda está a construir garantias adicionais que permitem transferir uma parte das responsabilidades que vencem a uma data fixa para datas posteriores, segurando essa transferência com garantias adicionais.

No fundo para Portugal bastaria que a Comissão Europeia dissesse que aquela grande emissão de e dez milhões estaria ultrapassada …
É uma possibilidade, mas não quero estar a introduzir nesta altura grandes apreciações em concreto sobre como as instituições internacionais entenderão melhor facilitar este regresso ao mercado

Mas já pediu a essas instituições que esclarecessem.
Não. E de resto não partiu sequer do Governo português qualquer observação nesse sentido. Mas para que este apoio possa ter lugar é preciso que os nossos programas sejam mesmo bem sucedidos e portanto não podemos vacilar na execução desses programas.

Disse que não cabe ao Estado criar emprego, mas perguntou-lhe se está previsto ou não que ajude o desemprego? Ou seja, há uma previsão da evolução de despesa com pessoal de quebra de 500 milhões, isso significa que das duas uma: ou se manteriam os cortes nos subsídios ou o fluxo de saída da função pública teria de ser superior.
Por vezes, parece-me que gostamos de arranjar sarna para nos coçarmos e uma das formas de arranjar sarna é começar a antecipar problemas que podemos vir a ter em contexto que não conhecemos. Quando o corte nos subsídios foi decidido, disse que esse corte não seria permanente, mas que também não os retomaríamos de forma automática. Qual é o grau de reposição, quanto tempo vai demorar? Não sabemos e não sabemos porque não conheço as condições que vão existir em 2014 ou 2015.

Mas então como pode dizer que não são cortados? O mesmo argumento que usa para dizer que não pode repor automaticamente pode servir também para se poder pôr em cima da mesa a possibilidade de desaparecerem …
Os cortes nãos serão permanentes, estamos a trabalhar para que possam ser retomados. Sabemos, sem ter uma bola de cristal, que não serão retomados automaticamente porque, dificilmente, o Estado conseguiria encaixar num ano a reposição de todo esse benefício. O que significa que iremos repor gradualmente esses subsídios.

Vão repô-los a partir de 2013?
O nosso programa de ajustamento decorre até 2014 e tem uma base anual. A partir de 2015, haverá a reposição desses subsídios. Com que ritmo, com que velocidade? Não sabemos, é inequívoca a vontade do governo em fazê-lo, respeitaremos a decisão do Tribunal Constitucional nessa medida e, independentemente do ritmo, não deixaremos de o fazer a partir desse ano.

Uma das hipóteses que pode estar em cima da mesa é redistribuir esses subsídios pelos 12 meses de rendimento?
É uma possibilidade. Posso dizer até que chegámos a equacionar essa possibilidade já para este ano, o que os pareceu foi que haveria reformas a mais, que poderiam não ser bem entendidas. Uma coisa é estarmos a redistribuir nas convenções de pagamentos um determinado rendimento por 12 pagamento quando actualmente é de 14. Essa convenção aplica-se aos privados e ao Estado, são convenções gerais. Não vejo grandes inconvenientes, vejo até vantagens, mas isso iria introduzir no ano passado uma dimensão na discussão que podia criar mais ruido do que beneficio. Seria dar a ideia de que estaríamos a produzir cortes permanentes nos subsídios quando não é essa a intenção. Se de futuro viermos a alterar a convenção de pagamento é no sentido de distribuir e maneira diferente os rendimentos.

A coesão social é uma das cosias que o preocupava bastante há dois anos. Como está a ver a deterioração do nosso tecido social, sobretudo em que algumas das reformas cortam muito os benefícios que vão para os mais pobres.
O Governo tem tido o cuidado de garantir que aqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade sejam protegidos desses cortes.  (…) Agora, há uma coisa que o Governo não pode fazer: o país não tem condições para reforçar os apoios sociais de forma generalizada, porque não tem dinheiro para isso. Gostaria muito de poder reforçar algumas prestações sociais – a tal classe média que está a deteriorar-se e a ser empurrada para um nível de vulnerabilidade muito maior, mereceria um apoio do Estado maior – , não temos esses recursos.

Se decidíssemos fazer uma lei para aumentar essa despesa, não cumpriríamos o objectivo do nosso défice, não obteríamos a nova tranche de financiamento, entraríamos em incumprimento e seríamos empurrados para a situação que a Grécia já passou, que é a de ter um segundo programa de ajuda, com ou sem reestruturação de divida. Não aceito isso porque esse risco é muito mais grave para essas pessoas do que aquele que estamos a atravessar.

E não seria possível, por exemplo, nas parcerias público privadas ir buscar uma poupança considerável que permitisse reforçar as prestações
As parcerias serão renegociadas e esperemos que possam produzir poupanças que, no fundo, aliviarão a pressão dos futuros orçamentos do Estado. O problema que temos com as PPP não é tanto um problema actual, mas a partir de 2014 é que essa factura é mais pesada. E o que queremos é libertar um pouco os contribuintes no futuro desse encargo que se se mantiver não nos permitirá crescer tanto quanto gostaríamos.

Tem uma previsão dessa poupança?
Não tenho ainda, nesta altura. É prematuro estar a falar num valor, mas espero que haja poupanças nessa área, como de resto haverá poupanças que iremos obter coma renegociação no caso da energia, como há outros casos de contractos que têm sido renegociados.  Dou-lhe vários exemplos: nós temos ao nível dos custos com equipamentos informáticos e com comunicações, com rendas que o estado vem pagando em edifícios que utiliza. Nos temos obtido poupanças assinaláveis nessas matérias.

Mas não são as poupanças assinaláveis que se poderia obter por exemplo com a renegociação das PPP…
Não estou a  dizer que é, mas é importante  que o pais vá percebendo que o Governo não está parado e que, se pode poupar alguma coisa, poupa. Invertendo o seu argumento, não vamos ficar a espera das renegociações que têm um impacto maior para fazer poupanças. Boa parte daquilo que era uma crítica justa que se fazia - e de um escrutínio grande que se faz hoje -  era saber se o Estado estava a cortar nas gorduras, nós estamos a cortar nas gorduras..

No seu livro conta-nos a história do senhor Chu, que era Prémio Nobel e que foi convidado pela administração de Barack Obama para exercer o cargo de secretário de Estado da Energia. Ou seja, os secretários de Estado da Energia não conseguem por em praticas as suas teorias..já tivemos em Portugal um caso idêntico…o sr. Chu dizia ao Financial Times em relação à impossibilidade de aumentar os combustíveis, que ele defendia antes de ir para o Governo, “Deixem-me ser franco, isso é politicamente irrealizável”.

Nós perguntávamos se já tem a sua lista de “politicamente irrealizáveis”?
Não. Não, por uma razão: porque não me comprometi, mesmo nessa missão de mudar, com um quadro irrealista. Pelo contrário, quis acabar justamente com esse exemplo para dizer que a credibilidade de uma sociedade depende da credibilidade que os políticos possam ter, mas que aqueles que não são políticos, mas que interferem na esfera publica e politica, devem preservar também.

Muitas vezes fazemos o nosso debate pensando com muita facilidade que, como não somos decisores, podemos prometer tudo ou considerar como realizáveis muitas matérias que não têm essa facilidade de realização.

Não decidimos simplesmente de acordo com parâmetros isolados ou muito académicos. Quando estamos a decidir nas empresas, no Estado, temos restrições.   Há muitas matérias que não nos deixam muita margem, por exemplo, eu preferiria ter autonomia orçamental e não tenho. Há muitas coisas que gostaria de decidir e que hoje não posso porque estou vinculado.

Algumas coisas que achava que seriam possíveis antes de iniciar o exercício destas funções, percebe que são um pouco mais difíceis? Como a taxa social única?
É claramente o caso de uma medida que estudámos antes das eleições, que estávamos convencidos que poderíamos fazer - não como o FMI desejava, porque obrigava a uma subida do IVA que não era suportável nesta altura -, mas considerámos uma descida até quatro por cento de uma forma gradual e, mesmo essa, achámos no contexto de derrapagem que tínhamos herdado e do agravamento das condições fiscais , quer para 2011, 2012, como muito pouco sensata.

Também ai é caso para dizer hoje nas circunstâncias específicas, que talvez não fosse tão necessária quanto isso. Porque tivemos durante o ano de 2011 uma desvalorização interna que ocorreu naturalmente. Isso esteve na origem do ganho da competitividade, que está muito visível na forma como antecipámos num ano os resultados que eram esperados para o endividamento externo. Isso deveu-se também a um comportamento das exportações bastante melhor do que aquele previsto pelo plano de assistência económica e financeira. Portanto, numa altura em que a procura externa contraiu mais do que aquilo que se suponha há um ano e que a desvalorização interna aconteceu naturalmente, talvez não haja necessidade de acelerar essa desvalorização.

Não há nada de que se tenha arrependido muito de fazer? Por exemplo de ter posto em prática a sua ideia de um Governo tão reduzido?
Esse não é um aspecto sobre um qual tenha uma avaliação negativa. Aquilo que me levou a escolher um número limitado de ministros mantém-se, é preciso que um Governo tenha facilidade de decidir aquilo que é transversal. Quando se tem 17 ministros é muito difícil obter essa transversalidade.

Está a conseguir melhores resultados com este Governo mais diminuto?
Sem dúvida. E sempre que ministros das áreas mais pesadas – é o casos dos ministros da Agricultura e da Economia – funcionam com os seus secretários de Estado como se fossem quase ministros, coordenando melhor as suas intervenções, mas dando-lhes mais espaço de afirmação, o resultado final é positivo

Não teme que na próxima edição de “Roteiros” de Cavaco Silva, venha escrita a verdadeira história da falta de equidade fiscal?
Não tenho nenhum receio daquilo que o sr. Presidente da República possa vir a dizer ou a escrever no futuro.