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Duarte Marques. "Governo do Syriza tem sido uma perda de tempo para os gregos"

19 jun, 2015 • João Carlos Malta

O deputado do PSD e ex-líder da JSD diz que a situação da Grécia é agora bastante pior do que quando o executivo de Tsipras chegou ao poder. Apesar de não acreditar no "Grexit" e de dizer que Portugal está mais preparado, sempre avisa que a economia poderá não sair incólume.

Duarte Marques. "Governo do Syriza tem sido uma perda de tempo para os gregos"

Duarte Marques, deputado do PSD e ex-líder da JSD, diz que a culpa do impasse nas negociações entre a Grécia e a União Europeia não é 100% grega. Mas, na mesma resposta, diz que desde que o Syriza chegou ao poder, a situação de Atenas apenas piorou no campo interno e externo.

Na Grécia, o desemprego aumenta, a riqueza diminui, diz o deputado. Nas negociações com a Europa por cada movimento conciliador de Bruxelas, o executivo do primeiro-ministro Alexis Tsipras reage com um "toca e foge", argumenta Duarte Marques.

Quanto aos efeitos da crise grega em Portugal, diz que a almofada criada em cima de 17,3 mil milhões de euros serve para o país poder estar mais relaxado, mas ainda assim deixa um aviso: "A saída da Grécia do euro não será boa para ninguém."

O Governo tem defendido que a almofada de 17,3 mil milhões de euros que permite ao Estado não ir aos mercados durante um ano protege o país. Mas o que é que acontece se a turbulência nos mercados durar mais do que esse tempo?
Nesta fase, é imprevisível falar da saída da Grécia. Há uma coisa que é verdade: o facto de Portugal não ter necessidade de ir ao mercado, durante uns meses, dá-nos uma espécie de seguro contra terceiros. Acho que as pessoas percebem bem hoje o que é que a ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque] quis dizer ao afirmar que temos os cofres cheios. É uma garantia de que não precisamos de ir ao mercado numa altura em que os juros podem aumentar. Se olharmos para as últimas semanas, os juros aumentaram, mas ainda há poucos dias Portugal conseguiu dos valores mais baixos de sempre. E se olharmos para as bolsas, os juros estão baixos. Estamos no verde.

Mas na última colocação de dívida a taxa aumentou?
A Europa está mais preparada ou mais consciente de que, por um lado, o problema grego não vai afectar a Europa, mas também de que a Grécia não irá sair do euro. Para já, acho que vai ser alcançado um acordo. E, ao contrário do passado, o povo grego deu sinais de que preferia um acordo mais duro, ou menos simpático do que ter uma saída do euro. E isso é muito importante. O governo grego, ao contrário do Syriza, saberá entender isso.

Falou de uma maior preparação do Estado para encarar uma possível turbulência nos mercados financeiros, mas esse abalo também terá efeitos sobre o sector privado, na medida em que a banca também se terá de financiar. Nesse cenário, as consequências chegam inevitavelmente às empresas que acedam ao crédito. Estamos também preparados para isso?
Ao contrário da crise grega de há uns anos, não temos agora a mesma exposição à Grécia, que afectou vários bancos portugueses. Portugal não está tão exposto. A Europa também está hoje mais preparada. Não é por acaso que nestes dias de grande turbulência, os mercados reagem tão bem e revelam tranquilidade, não só no caso português, mas também noutros.

Volto a dizer que acredito num acordo entre a Grécia e a União Europeia. Mas foram quatro meses de adiamentos, tem havido um jogo do gato e do rato, e a UE procurou consensos. Já a Grécia cada vez que se aproxima de um consenso parece que foge ainda mais. Mas penso que é bom para todos que o povo grego tenha dado sinais de querer um acordo.

Numa entrevista à Renascença, o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos disse que esta situação que estamos a viver lhe dava uma sensação de repetição da história, quando em 2011 se dizia que Portugal não era a Grécia e depois houve um efeito de arrastamento sobre todas as economias do Sul, posterior ao pedido de resgate grego. Que comentário lhe merece este alerta?
Se naquela altura Portugal tinha alguma semelhança com a Grécia, infelizmente para os gregos e felizmente para Portugal, a situação mudou muito. A Grécia parece estar pior ou ainda pior do que há um ano e Portugal está melhor do que há quatro anos. Desse ponto de vista, não concordo. Mas parece-me avisado dizer que qualquer perturbação a uma eventual saída da Grécia não será boa para ninguém e muito menos para os gregos.

Mas Portugal, hoje, não precisa de comprar dívida. Não corre o risco de, como na altura do engenheiro Sócrates e Teixeira dos Santos, pessoa que muito respeito, emitir dívida a 7%, 8% ou 10%. A situação pode ser parecida para a Grécia, mas para Portugal é diametralmente oposta.

Mas insisto, a almofada financeira de que fala protege o Estado. Mas o que é que acontece a todo o resto da economia?
Houve uma desalavancagem da banca em relação à Grécia e a própria banca europeia não está tão exposta a essas dificuldades. A Europa e o sector privado estão muito mais preparados para um impacto destes. E parece haver mais liquidez nos mercados.

Num artigo de opinião que escreveu no "Expresso", desfiou uma série de argumentos contra a forma de actuar do governo de Alexis Tsipras. Partilha a ideia de que, primeiro, a Grécia tem de se proteger dela mesma e que uma saída do euro até pode nem ser má?
Lembro-me muito bem que o Syriza só na última semana de campanha é que disse que não queria a saída do euro. Acredito que desde o início queriam a saída do euro porque ideologicamente para o Syriza é muito importante. Não querem voltar atrás e há uma parte importante do partido que não o quer. Acho que moderaram o discurso para ganhar as eleições.

Sempre disse que a UE teria de equilibrar o discurso para se adaptar. O que tem acontecido é que a UE se tem aproximado do Syriza e o governo grego foge do compromisso. Eles sempre quiseram a saída do euro e agora está-lhes a cair a máscara. Há quatro meses que estão a negociar e não conseguem chegar ao mínimo acordo. Mas não podemos confundir o Governo grego com o povo grego, que já começa a não achar piada a este radicalismo do executivo que governa a Grécia.

Então, a culpa do ponto a que chegámos é 100% do governo grego?
Não, com certeza que não. Tem-nos parecido que há um ajustamento da UE às necessidades gregas, já a Grécia arranja sempre uma desculpa para não chegar a um acordo. E o que mais desejo é que se chegue a um acordo. Não é por acaso que esta corda está quase a partir, mas a Europa tem dado quase sempre passos de bom senso e tem conseguido resolver as coisas depois da hora. Acredito numa reviravolta nos momentos finais, apesar de toda a turbulência criada pelo governo grego, que faz uma gestão na comunicação social, que mais parece estar numa negociação que não é entre pares mas entre adversários.

Mais cedo ou mais tarde, vão perceber que só estão a prejudicar a Grécia e o povo grego. Se olharmos para os números, desde que este governo tomou posse, o desemprego na Grécia não tem parado de aumentar, os problemas gregos têm continuado a agravar-se e todo este tempo tem sido uma perda de tempo com o agravar dos problemas. A situação da Grécia é bem pior do que quando este governo tomou posse. E não querem enfrentar a realidade. É preciso alguém na Grécia que tenha a coragem de dizer as verdades aos gregos e tomar medidas que aumentem a competitividade e a justiça entre as pessoas. Infelizmente, a Grécia tem desequilíbrios reais.

Mas há quem diga que a Grécia, durante os últimos anos, foi o país da UE que mais reformas enfrentou, o que teve resultados nefastos: o desemprego chegou aos 26,5%, o desemprego jovem atingiu um máximo de quase 65%, a taxa de pobreza é a mais alta de toda a Europa e a recessão só parou no ano passado. As reformas propostas são lidas como sinónimo de mais austeridade. Isso resolverá ou intensificará estes problemas?
Primeiro, as reformas que são propostas não são só austeridade; segundo, a Grécia não cumpriu grande parte das reformas que acordou com as autoridades internacionais; e terceiro, toda a turbulência e queda de governos não ajudou em nada. Se compararmos com Portugal que teve todas as avaliações que teve, nós adaptamos o memorando e o desemprego cai há vários meses e o PIB a crescer. O modelo de receita era igual para Portugal e para a Grécia, mas houve um factor diferenciador: Portugal cumpriu bem o memorando com todos os defeitos que poderia ter e está num caminho diferente da Grécia.