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Discursos de 25 de Abril recheados de críticas, história e futuro

25 abr, 2015 • Marta Grosso (com Lusa)

Foi numa sala com muitas ausências, sobretudo, nas bancadas do PS e do PSD, que os representantes de cada partido com assento parlamentar discursaram. Da lado da esquerda, destaque para a intervenção de Pedro Filipe Soares, que não poupou ninguém. À direita, de salientar a escolha de Fernando Negrão.

Discursos de 25 de Abril recheados de críticas, história e futuro

A cerimónia comemorativa dos 41 anos da revolução do 25 de Abril começou pouco depois das 10h00, com os discursos dos representantes dos partidos com assento parlamentar. A esquerda foi a primeira a falar e escolheu para tal deputados nascidos depois do 25 de Abril.

Heloísa Apolónia, dos Verdes, tomou a palavra perante uma pequena audiência (o plenário está muito vazio, sobretudo nas bancadas do PSD e do PS) e questionou: “O que se passa neste país, passados 41 anos do 25 de Abril?”.

Revelando que o seu partido e o Parlamento têm recebido várias cartas anónimas com denúncias de práticas pouco democráticas, Heloísa Apolónia elogiou “todas as mulheres e homens que rompem medos e silenciamentos e se erguem pela luta pela dignidade de um país inteiro. São muitos os que querem trabalhar e que dão e deram muito ao país.”

“A alternativa é agarrar os valores de Abril”, defendeu, terminando a intervenção com uma frase de esperança de Ary dos Santos: “O que é preciso é termos confiança. Se fizermos de Maio a nossa lança, isto vai, meus amigos. Isto vai!”.

“Pela voz do Presidente da República chega a ladainha”
O deputado do Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares foi o segundo a discursar na Assembleia da República e não deixou nenhum “culpado à solta”.

Criticou os que apresentam a austeridade “como o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as escolhas” e atribuiu ao Presidente da República o protagonismo da “ladainha”.

“Quando tenta impor o consenso na austeridade inscrito à partida nos programas eleitorais, quer uma democracia tutelada. Na chantagem para uma maioria absoluta, qualquer que seja o veredicto popular, quer uma democracia condiciona”, apontou.

“Assistimos a um pensamento que, de tão único que quer ser, apresenta-se como o eucalipto que tudo seca”, criticou ainda.

Numa descrição do estado do país, Pedro Filipe Soares destacou os salários que hoje são considerados “um privilégio e não um direito, porque os direitos não podemos pagar”; os cortes que “eram temporários, mas agora temporários são os salários”; a estranha prova de que tudo funciona no Sistema Nacional de Saúde quando se mostram camas e se dão a conhecer mortes nos corredores das Urgências; e ainda a normalidade de, “para não se morrer por falta de medicamentos, ter de se expor a doença e a vida nos jornais”.

É, no seu entender, o retrato de “quatro anos de destruição” que os partidos da maioria querem prosseguir.

O líder parlamentar do BE termina com a emblemática frase “o povo é quem mais ordena” e com a certeza de que o povo ainda “é o soberano da democracia”.
Carla Cruz, do PCP, foi a voz que se seguiu no Parlamento, com a afirmação de que é com “os valores de Abril que defendemos o futuro de Portugal”.

Defendendo que os progressos alcançados desde 1974 “têm vindo a ser seriamente atacados e destruídos, em especial nos últimos anos”, a deputada defendeu que “afirmar os valores de Abril é a solução para a crise. É garantir aos jovens oportunidades; que todos os portugueses tenham direito à saúde. É garantir a todas as crianças a protecção a que têm direito”, disse ainda.

Onde estavas tu?
Michael Seufert, do CDS, seguiu-se na lista dos intervenientes e destacou o “homem que se manteve sempre calmo e confiante” e que para os centristas faz sentido lembrar nos “40 anos das primeiras eleições democráticas”: Adelino Amaro da Costa.

Perguntou também: “onde estavas quando Portugal foi conduzido à bancarrota?” – uma questão “legítima” para fazer “àqueles que nos últimos quatro anos se insurgiram contra alegadas traições à “revolução dos cravos”.

Numa intervenção de cerca de 12 minutos, o deputado do CDS-PP disse pertencer a uma geração a quem a dívida limitou a liberdade e, não tendo vivido “os tempos da revolução”, agradeceu “o legado da democracia”, dispensando, por outro lado, “a herança da dívida pública”.

Um deputado da Constituinte no Parlamento actual
Miranda Calha foi o deputado escolhido pelo PS para falar nas cerimónias dos 41 anos da Revolução e dos 40 anos da primeira Assembleia Constituinte.

Miranda Calha é um histórico socialista e vice-presidente da Assembleia da República.

Começou o discurso por saudar as Forças Armadas portuguesas, sobretudo, os militares que fizeram Abril e que souberam lançar a mudança necessária na altura.

“Tive a honra de receber a maior percentagem eleitoral que o PS recebeu em todos os círculos eleitorais”, recorda, olhando para 1975. “Digo-o para recordar que nessa altura tinha apenas 27 anos e a minha participação não valia mais do que a de todos os outros que lembro com grande saudade neste momento”, prosseguiu.

O deputado defendeu depois o “primado da política” perante “extremismos populistas” e a “economia especulativa” e sustentou que a substância democrática da Constituição será “confirmada” nas próximas eleições legislativas e presidenciais.

“Para muitos há uma angústia sobre a hora presente e até para outros há uma perplexidade sobre as soluções futuras. É bom que ambas possam ser objecto de debate apropriado e ao longo deste ano e que as candidaturas e os candidatos apareçam perante o país com a clareza de objectivos que a situação requer”, disse ainda.

“Portugueses exigem verdade e responsabilidade” dos políticos
Fernando Negrão, pelo PSD, fechou os discursos dos partidos com assento parlamentar.

O deputado que preside à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias e que assumiu algum protagonismo nas audições ao caso BES começou por se referir à mais recente polémica sobre liberdade de imprensa, dizendo que “nunca” ela será posta em causa.

“Uma democracia é sempre imperfeita, incompleta, mas qualquer cidadão pode manifestar-se e todos os poderes devem ser submetidos à vontade do povo, expressa em eleições livres. Hoje e sempre celebraremos o 25 de Abril. A ele ficaremos sempre a dever a liberdade e democracia”, disse.

Lembrando que passam “seis séculos sobre a conquista de Ceuta” e que, em 41 anos, Portugal foi alvo de três intervenções externas, o deputado social-democrata sublinhou que “os sucessos da democracia não podem esconder as suas fragilidades” e que “temos de aprender com os nossos erros, transformando-os numa sabedoria partilhada”.

Por isso, e “no quadro de esperança que temos pela frente, há que escolher o caminho da responsabilidade e não o caminho da ilusão”, afirmou, defendendo que os “consensos não devem existir por serem politicamente correctos, mas por assentarem numa visão de futuro para o país”.

Num discurso interrompido por alguns aplausos, Fernando Negrão defendeu a procura da “transparência onde ainda imperam zonas de sombra, que diminuem o alcance da lei” e uma actuação política “com mais humildade, nunca esquecendo que somos servidores de um povo soberano, que sabe donde vem”.

O deputado concluiu afirmando que “os portugueses exigem de nós verdade e responsabilidade” e “aceitar esta exigência será a melhor forma de continuarmos, nas palavras e nos actos, o caminho que 25 de Abril generosamente nos abriu”.