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Conversas Cruzadas

“Passos não podia dizer outra coisa”, afirma Daniel Bessa

01 fev, 2015

Stock de dívida dos periféricos é sustentável? Daniel Bessa enquadra as posições de Passos Coelho. Já Carvalho da Silva critica o "não" do governo a uma conferência internacional.

“Passos não podia dizer outra coisa”, afirma Daniel Bessa
Stock de dívida dos periféricos é sustentável? Daniel Bessa enquadra as posições de Passos Coelho. Já Carvalho da Silva critica o "não" do governo a uma conferência internacional.
“Não estarei do lado de nenhuma conferência que seja para perdoar a dívida ou restruturar a dívida à custa do que foi a solidariedade dos povos europeus. Isso é claro, muito claro”. No Parlamento, Passos Coelho eliminava de forma directa a possibilidade de Portugal aceder ao repto do novo governo grego de um debate europeu para o perdão ou restruturação das dívidas públicas.

Só a Irlanda apoia a conferência de dívida dos periféricos. O ministro da Finanças Michael Noonan não afastou essa tese defendida pelos opositores à austeridade em diversos países do euro.

Mas o primeiro-ministro português foi mais longe analisando o Sul da Europa: “O stock das dívidas é grande mas sustentável” e os países que recorreram à ajuda externa “sabem quanto lhes custou pedir dinheiro emprestado e negociar em condições muito difíceis”. “Não acredito que os portugueses voltem a querer passar por isso”, rematou Passos Coelho.

Mas é a dívida portuguesa pagável e devia o primeiro-ministro insistir nesse ponto?
Responde Daniel Bessa: “Percebo que o primeiro-ministro não possa dizer outra coisa. Mas todos os devedores dizem que a sua dívida pagável até ao dia em que atiram a toalha ao chão e, portanto, eu não estou a dizer que Portugal e o nosso primeiro-ministro se preparam para atirar a toalha ao chão...” faz notar o ex-ministro da Economia.

“O Sócrates disse que não precisava de ajuda até que o Prof. Fernando Teixeira dos Santos pôs a nu que não se podia poder continuar a dizer a mesma coisa. Isso na sequência de várias conversas que seguramente o Prof. Teixeira dos Santos terá tido com muitas pessoas – comigo não, mas também poderia ter conversado que lhe teria dito a mesma coisa” indica

“Isto para dizer o seguinte e o primeiro-ministro não vai ficar zangado: ele não pode dizer outra coisa. Eu quando não posso dizer outra coisa procuro não a dizer. Se não posso para quê a vou dizer? Não sei se me faço entender. Acho que é o que pode dizer e logo se verá se é pagável ou não. Dependerá de múltiplas condições” afirma Daniel Bessa, director geral da COTEC Portugal.

Renegociação “honrada” da dívida como defende Miguel Cadilhe? “Sim. Esse é um compromisso de que eu gosto, porque se tivermos de atirar a toalha ao chão acho que haverá sempre uma parte que nos deve ser imputada” observa Daniel Bessa.

“Nunca estou muito de acordo em que a factura passe para terceiros a 100% sem que se assuma a nossa parte. Não é tanto a questão da culpa ou da expiação. Mas não valorizo isso demasiado. Também não quero menosprezar, mas não valorizo demasiado” faz notar o ex-ministro da Economia.

Posição contrária é a de Manuel Carvalho da Silva. “Eu valorizo muito a questão. Valorizo num momento em que, na Europa, há um movimento nesse sentido” sustenta o sociólogo da Universidade de Coimbra.

“Elogio ao governo grego e as medidas que têm sido adoptadas. Os gregos não ficam à espera que os europeus vão resolver os seus problemas. O sinal deste governo grego é: nós temos de ser activos para que haja resolução dos problemas” sublinha Carvalho da Silva.

“Espero que esta atitude tenha alguns reflexos nos comportamentos dos partidos políticos em Portugal, em particular, daqueles que, de uma forma mais ou menos directa, deram passagem a estas políticas europeias” indica o ex-líder da CGTP defendendo um efeito contágio.

“ONU quer debater dívidas públicas”
“Nestes tempos, o tipo de dívidas que existem da parte dos Estados, a forma como foram construídas, está a merecer debate na ONU, a Organização das Nações Unidas. Julgo que todos temos presente que no início de Dezembro houve uma votação nas Nações Unidas em que uma esmagadora maioria a impor na agenda para 2015 o ‘como lidar com as dívidas públicas’.

“Porque a fórmula que tem sido seguida não pode continuar a ser aplicada. Se não estou em erro apenas 13 países votaram contra essa resolução. Portanto, o problema das dívidas é hoje um problema que tem de ser discutido” defende Manuel Carvalho da Silva.

Quanto ao ‘não’ taxativo de Passos Coelho a uma conferência internacional sobre a dívida dos países periféricos, Carvalho da Silva não poupa o primeiro-ministro.
“Quando um primeiro-ministro sai de uma forma absolutamente simplista a dizer que não dá nada que não contribui nem para uma conferência europeia que tenha como referência principal a questão da dívida...”

“Quando um primeiro-ministro diz que não está disponível, que não contem com ele eu pergunto para que contamos então com o primeiro-ministro?”, questiona o líder do Observatório sobre Crises de Alternativas.

“Para reforçar as doses de austeridade que toda, ou praticamente, toda a União Europeia questiona? É para maiores sacrifícios para mais cortes? O que é este primeiro-ministro?” prossegue.

“Começa a ser algo que não cabe na interpretação dos compromissos que um governante assume com o povo quando é eleito. É algo que está para além disto” conclui Carvalho da Silva.

SNS: a crise das urgências
Terá este Inverno colocado a nu as fragilidades da máquina do Serviço Nacional de Saúde? Até onde vai a responsabilidade política do ministro que tinha gerido, com inegável perícia, uma das pastas mais sensíveis num cenário de cortes orçamentais?
Daniel Bessa sustenta que deve ser dada “uma resposta”, elogia Paulo Moita Macedo, mas reconhece que “há um problema no SNS”.

“Podemos ser mais ou menos críticos da acção do governo e da acção ministerial, mas no caso do ministro da Saúde estamos a falar do membro do governo que, mesmo os mais críticos dirão que tem tido dos melhores resultados ou menos maus” afirma.

“Tiro o meu chapéu à acção do ministro Paulo Macedo. Mesmo as pessoas mais críticas ao governo no seu conjunto acharão que é tudo muito mau, mas este ministro não é dos piores e foi fazendo a sua parte”

“Dito isto, acho que é indiscutível que há um problema. Aconteceram coisas que não deviam acontecer. Pode-se invocar muitas coisas: o frio, é não haver cuidados de saúde primária, é o facto das horas extraordinárias terem sido limitadas, há muitas razões, mas isto precisa de uma resposta” defende Daniel Bessa.

Será que o SNS nunca tinha sido posto à prova? Afinal, os casos “legionella” e “ébola” não levaram a picos de procura das urgências como a gripe deste Inverno. “Mas aí o sistema nacional de saúde não se saiu muito mal. Também neste caso deu a resposta que provavelmente podia dar. É evidente que nenhum de nós ficará contente com o que aconteceu” contrapõe Daniel Bessa

“Mas, por exemplo, não gostei de ver o Dr. António Arnaut dizer em letras gordas que li numa primeira página de um caderno do Jornal de Negócios que na consciência do ministro pesariam algumas mortes. Acho excessivo!” remata o ex-ministro da Economia.

Manuel Carvalho da Silva defende que as coisas não vão nada bem na saúde dos portugueses. “Já escrevi, há muito, algo que aqui vou repetir: o rumo seguido por este ministro ia levar a que, no final da sua passagem pelo governo ele dissesse: ‘fiz tudo o que pude para defender o Serviço Nacional de Saúde, mas não foi possível’.

“O que aconteceu foi a confirmação deste rumo. As situações noticiadas – depois de confirmadas – são intoleráveis. É um cenário que resulta da não tomada, a tempo e horas, de medidas de curto prazo e da não adopção, em tempo útil, de soluções sistémicas de longo prazo” observa.

“Mas há um aspecto que precisa de ficar claro: se os cuidados da saúde estão mais distantes das pessoas do que estavam há três, ou quatro anos. Se, em muitos casos, o número de médicos, de enfermeiros de outros profissionais está abaixo dos níveis exigidos. Se aumentaram as dificuldades económicas e financeiras das famílias” faz notar Carvalho da Silva.

“Se as precariedades e inseguranças, numa área em que exige trabalho de equipas estruturadas, de domínio recíprocos de conhecimentos, se isto está a desaparecer porque se utilizam, inclusive, médicos e enfermeiros contratados á jorna, é inevitável que estas situações surjam. É preciso pôr cobro a isto”