A avalanche de investigações e casos judiciais é um "teste de stress" à sociedade, às instituições, mas também aos partidos, que têm a missão de recuperar a confiança dos portugueses, defende Viriato Soromenho-Marques.
"Os partidos devem assumir a sua responsabilidade neste processo, devem restaurar os laços de confiança com os eleitores", desafia o professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especialista em filosofia social e política.
Para Viriato Soromenho-Marques, cabe aos partidos implementar reformas "que permitam maior transparência" e escolher os seus responsáveis "com mais cuidado".
"É preciso fazer uma averiguação de quem são as pessoas que estão à frente dos partidos, à frente das direcções regionais dos partidos, as pessoas que vão para altos quadros do Estado. Digamos: uma espécie de auditoria interna que os partidos devem assumir, sob pena de não estarem a cumprir a sua função, que é a de serem representantes de todos os cidadãos portugueses."
Risco: o "pântano" A confiança da população nas elites "fica abalada", mas esta é uma "oportunidade" para as "instituições irem até ao fim na procura da verdade factual" e apurarem quem é culpado e inocente.
Porque, adverte o colunista do "Diário de Notícias", "a pior coisa que podia acontecer, depois de todo este aparato com que as coisas se passaram, chegarmos a uma situação em que depois tudo acaba por terminar num pântano, sem acusação ou sem a culminação do processo com a culpabilidade ou inocência declarada das pessoas atingidas".
"Separação de poderes está a funcionar" A prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates, a detenção de três altos quadros do Estado sob suspeita no caso dos vistos "gold", a investigação ao ex-banqueiro Ricardo Salgado e ao universo BES e a condenação do antigo deputado Duarte Lima são alguns dos casos recentemente vindos a público.
O que está a acontecer em Portugal "é de excepcional gravidade", mas também mostra que o poder judicial não foi "capturado", sublinha Soromenho-Marques.
"Os casos estão a ser revelados e isso significa que o sistema político de separação de poderes está a funcionar, porque se o poder judicial tivesse sido capturado pelo poder executivo ou por qualquer outro poder fora da esfera pública, certamente que não teríamos estes casos revelados, certamente que não teríamos magistrados e polícias a investigar essa situação", refere o catedrático.
Para Soromenho-Marques, além das pessoas envolvidas, o que torna a sucessão de casos "mais grave e chocante" são as "circunstâncias terríveis em que o país se encontra há mais de cinco anos": muitos portugueses ficaram mais pobres e "perderam esperança em relação ao futuro".
O feitiço contra o feiticeiro Com eleições legislativas na agenda do próximo ano, quem tem mais a perder com a avalanche de casos?
O filósofo considera que quem optar por uma estratégia de falar do passado vai ser penalizado pelos eleitores: o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro.
Os eleitores vão penalizar "quem quiser transformar as eleições de 2015 não numa discussão sobre caminhos de futuro para tornar a vida dos portugueses mais suportável, uma vida mais digna, quem quiser transformar o debate em 2015 num debate sobre 2014, 2013, 2012, 2011 e o passado e sobre a personalidade deste ou daquele dirigente político que já não está em funções".
O que está a acontecer é também "um sinal de uma crise muito longa da nossa democracia" e do sistema representativo, reflecte Soromenho-Marques, mas este é também um tempo de "desafio" para as forças da renovação, da reforma e para quem "muitos cidadãos que ao longo dos anos da vida pública têm estado afastados possam também dar o seu contributo, dar a sua opinião e marcar a agenda política".
Em Espanha, o novo movimento
Podemos, liderado pelo professor universitário Pablo Iglesias, está em alta nas sondagens e ameaça os partidos tradicionais, PP e PSOE.
Soromenho-Marques, que subscreve a convocatória do movimento Fórum Manifesto para uma candidatura cidadã às próximas legislativas, acredita num fenómeno "semelhante" em Portugal, mas não numa "réplica".
"Mudança incerta"A crise europeia "está a introduzir novos protagonistas políticos", uns mais "promissores que outros", reconhece.
"A sociedade está a mudar, é uma mudança incerta, insegura, não há nenhuma garantia de que as reformas sejam melhores do que a realidade que está a ser reformada, que a emenda seja melhor do que o soneto, mas o que é certo é que a mudança é inevitável, o mundo está a mudar, a Europa está a mudar", diz.
"Cabe-nos a nós tentar que essa mudança seja no sentido do melhor, do progresso, da qualificação da democracia e não no sentido de tornar as coisas ainda piores do que já estão."