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Entrevista

António José Seguro: "Se perder as primárias, deixarei de ser líder do PS"

23 set, 2014 • Raquel Abecasis

António Costa é contra a redução do número de deputados porque "faz parte do sistema", acusa o candidato às primárias do PS, em entrevista à Renascença.

António José Seguro: "Se perder as primárias, deixarei de ser líder do PS"
Em entrevista à Renascença, António José Seguro garante que, se perder as primárias para candidato socialista a primeiro-ministro, retira-se e não vai concorrer às eleições directas para a liderança do PS. O actual líder socialista garante que não vai não aumentar a carga fiscal, mas promete agravar o IMI dos fundos imobiliários. Quanto à sua proposta de redução de número de deputados, Seguro diz que o seu adversário nas primárias, António Costa, é contra porque "faz parte do sistema".

António José Seguro diz, em entrevista à Renascença, que é um homem de palavra. Se perder as eleições primárias para candidato do PS a primeiro-ministro, retira-se e não vai concorrer às eleições directas para a liderança socialista.

O actual líder do PS reafirma que não aumenta a carga fiscal, mas promete agravar o IMI dos fundos imobiliários.

Quanto à sua proposta de redução de número de deputados, António José Seguro diz que o seu adversário nas primárias, António Costa, é contra porque “faz parte do sistema” e afirma ser mentira que queira ganhar deputados na secretaria.

As entrevistas a António José Seguro e António Costa são emitidas a partir das 23h00 desta terça-feira na antena da Renascença.

António Costa acusa-o de ser oportunista e irresponsável ao propor a redução do número de deputados. Como responde a esta crítica?
É uma crítica absolutamente sem fundamento. O Parlamento tem deputados a mais e a minha responsabilidade é apresentar propostas. Tomei a iniciativa não só para reduzir o número de deputados, mas também permitir que cada português possa escolher o seu deputado e contactá-lo durante os quatro anos de mandato.

António Costa diz que a proposta que apresentou não permite uma maior, mas sim uma menor representatividade.
É um absurdo. O António Costa faz parte do sistema e quer que as coisas fiquem na mesma. Cada vez que há uma abertura do sistema ele tenta bloqueá-la. O princípio da proporcionalidade, que está garantido constitucionalmente, será melhor reforçado e melhor garantido se houver um círculo no âmbito nacional. Um voto hoje do CDS do distrito da Guarda não serve para nada porque só o PSD ou o PS elegem deputados. Com o círculo nacional esse voto conta. Não conta para eleger no circulo da Guarda, mas serve para o círculo nacional. Aqui está um exemplo concreto que se aplica ao CDS e aos outros partidos com menor representação no Parlamento

Não seria melhor esperar pelo fim da campanha para apresentar estas propostas?
Estou a cumprir uma promessa. Houve um aumento de abstenção nas eleições europeias e 7% dos portugueses que foram votar votaram em branco. Na altura disse que temos de olhar para este problema, temos de abrir o sistema e, ao mesmo tempo, criar uma fronteira entre a política e os negócios. Por isso, além dessas duas propostas de alteração do sistema eleitoral, também apresentei nove propostas que visam introduzir uma fronteira nítida entre aquilo que é a política e aquilo que é negócios. Por exemplo, todos os deputados, incluindo os deputados que exercem advocacia, são obrigados a dizer quem são os clientes para onde trabalham, de onde recebem dinheiro.

É o chamado registo de interesses.
Exactamente. E a lista das avenças. Por outro lado, ficam proibidos de trabalhar para o Estado quer como árbitros quer como peritos, as pessoas que trabalham para o Estado em concursos de privatização ou concessão ficam depois impossibilitados de trabalhar nas empresas que ganharam esses concursos e essas concessões ou privatizações. São apenas três de várias outras propostas que ajudam a introduzir uma fronteira muito nítida entre a vida pública e a vida dos negócios. Há um preconceito em relação a redução do número de deputados, designadamente, há alguns deputados e alguns grupos parlamentares que não querem.

A grande maioria do seu grupo parlamentar não está de acordo.
Sim, mas eu tive a oportunidade de dizer que estava à espera que isso acontecesse. Há sempre pessoas que não querem a mudança e há uma parte das pessoas que está instalada no sistema e não quer essa a mudança. Compreendo que, quando se fala em redução do número de deputados, haja deputados que não querem essa redução e o meu partido, infelizmente, não está imune a esse posicionamento. Gostava que esse processo fosse um processo participado, transparente e que ficassem destruídos aqueles argumentos que dizem que isto é para mudar e ganhar deputados na secretaria.

Na próxima sexta-feira, dois dias antes das eleições primárias, vai enfrentar o primeiro-ministro no debate quinzenal. Vai estar em posição de fragilidade?
Não será a primeira vez que enfrento o primeiro-ministro nestas circunstâncias, porque antes das eleições europeias também houve debate quinzenal e não houve problema nenhum. Eu defendi aquilo que considero serem as posições do PS e é aquilo que farei na próxima sexta-feira, confrontando o primeiro-ministro com questões que dizem respeito aos portugueses e sobre aquilo que tem sido a instabilidade do início do ano escolar e na justiça, fruto de uma impreparação e de uma mudança no sistema que não decorre de uma reforma, mas apenas de um objectivo: encerrar tribunais em zonas do país onde é necessário que a justiça também se faça, próximo das populações.

Acha que é por isso que o Citius não está a funcionar?
As razões pelas quais o sistema não está a funcionar são várias. Mas uma delas tem a ver com o facto de os processos transitarem de tribunais de um lado para o outro. É uma coisa impensável no ano de 2014.

Os ministros da Educação e Justiça, que a semana passada pediram desculpa, devem demitir-se?
O problema não é dos ministros, o problema é do Governo e do primeiro-ministro. Considero que este Governo já há muito tempo devia ter sido substituído e, em conformidade com isso, apresentei uma moção de censura.

Já prometeu não aumentar a carga fiscal se ganhar as legislativas. O que quer dizer exactamente com isso?
Aquilo que disse. O país já tem uma elevada carga fiscal e eu não aumentarei a carga fiscal.

Admite transferir um tipo de imposto para outro tipo de imposto?
Não vou aumentar o IRS, o IRC e o IVA, mas é natural que possa mexer nalguma composição de impostos ou de taxas, de modo a introduzir maior justiça fiscal. Dou um exemplo: Todos os proprietários de casa pagam IMI, mas os fundos imobiliários, parte deles detidos pelos bancos, não pagam IMI, ou melhor, pagam agora 50%, fruto de uma proposta do PS. Eu aí irei aumentar para os 100%.

É esse tipo de correcções que propõem fazer para não aumentar a carga fiscal?
São mais do que correcções, é introduzir justiça. Não faz sentido que os portugueses paguem IMI e um fundo imobiliário não pague IMI. Considero que deve haver uma política fiscal que seja mais justa e amiga das nossas prioridades. Para criarmos emprego, para garantirmos sustentabilidade de contas públicas, para garantir dinheiro na escola pública, no Serviço Nacional de Saúde e na justiça, é preciso criar riqueza, a economia deve crescer e uma das áreas dos sectores de actividade onde é preciso colocar o país a crescer é na produção de bens transaccionáveis, para diminuir a nossa dependência externa, diminuir as nossas importações e poder exportar.

António Costa assumiu, em entrevista à Renascença, que se for eleito primeiro-ministro volta a colocar as pensões ao nível de 2011. Esse é também um compromisso seu?
Sim, esse é um compromisso do PS no sentido de devolvermos o rendimento aos pensionistas.

Acha que este compromisso de António Costa surge tarde demais nesta campanha?
Não me vou pronunciar sobre esse compromisso em concreto, o que vou dizer é que os compromissos do PS têm sido copiados pela candidatura do António Costa. O António Costa, primeiro, não traz nenhuma justificação porque é candidato e a deslealdade a que me tenho referido mantém-se. Em segundo lugar, não apresenta nenhuma ideia nem proposta nova e, quando discute propostas, são as propostas que eu apresento, como é o caso da alteração eleitoral, embora depois fale pouco na questão das incompatibilidades e da fronteira entre a política e os negócios.

Só colocou este tema na agenda depois da convocação das primárias. Antes não achava que fosse um tema fundamental?
Sempre me pronunciei nesse sentido de haver uma clara separação entre a política e os negócios, mesmo antes de ser secretário-geral do PS.

Mas durante três anos não apresentou uma proposta.
Apresentámos no Parlamento várias propostas nesse sentido e, grande parte delas, foram chumbadas.

No que respeita a entendimentos no futuro, recusa quem ataque o Estado Social e esteja contra os compromissos europeus. É um homem aberto ao diálogo sem ninguém com quem conversar?
Penso que todos os partidos têm direito a emendar-se quando erram e, por isso, nem sempre todos os partidos mantêm estas posições erráticas. Se for primeiro-ministro, tem que haver linhas vermelhas e o mais importante é o projecto que se apresenta ao país. Eu não posso dizer aos portugueses que é importante ter uma boa escola pública e um bom Serviço Nacional de Saúde para garantir o combate às desigualdades e depois fazer um acordo só para ficar no poder com um partido que defende exactamente o contrário. Tem que haver clareza. Lutarei por uma maioria absoluta, mas mesmo com uma maioria absoluta não descarto acordos, designadamente, de incidência parlamentar. Se não tiver maioria absoluta, a minha responsabilidade é falar com todos os partidos no sentido de criar condições para que exista uma maioria parlamentar, porque o país não está para aventuras, nem está para instabilidade. Precisamos que o próximo Governo tenha uma maioria que o apoie no Parlamento, agora, não me peçam é que eu faça acordos trocando aquilo que são linhas fortes do projecto.

Tem-se colocado o cenário de o António José Seguro não ganhar as legislativas. Se vencer as primárias e for candidato a primeiro-ministro como  vai dizer aos potenciais eleitores que pretende ganhar as eleições?
Eu já ganhei duas eleições. O Partido Socialista veio de uma derrota, a segunda pior derrota que o PS teve em eleições legislativas, e sob a minha liderança ganhámos as eleições que tínhamos para ganhar: as autárquicas, onde ganhámos em 150 concelhos, e as europeias, onde ganhámos em 173 concelhos.

Isso dá a garantia de que ganha as próximas eleições?
Um democrata não pode falar de vitórias antecipadas, mas dá a garantia, através do contrato de confiança que construímos com o contributo de milhares de socialistas e de simpatizantes, de que temos uma alternativa sólida para o país, assente em duas vitórias eleitorais e em compromissos muito claros, compromissos de mudança.

Se perder as primárias recandidata-se às eleições directas que se seguirão no PS?
Eu sou um homem de palavra e se perder, o que não espero - pelos últimos dados estou muito confiante numa vitória no próximo dia 28 -, se perder assumo o compromisso e deixarei de ser líder do PS.

Se ganhar o que vai fazer para voltar a unir o PS?
O que fiz durante três anos e que está bem espelhado na lista que apresentei ao Parlamento Europeu, onde não fui colocar os meus apoiantes de sempre, mas apresentei uma lista de enorme qualidade, uma lista paritária, metade de homens e metade de mulheres, o que aconteceu pela primeira vez na vida democrática do nosso país, e com pessoas como, por exemplo, o Dr. Francisco Assis, que foi meu adversário há três anos e era o cabeça de lista.

António Costa continuará a ter o seu lugar no PS?
Claro. Ninguém é dono do Partido Socialista. Ele é presidente da Câmara de Lisboa e considero que deve concluir o seu mandato. Há três anos ele utilizou como argumento para não se candidatar à liderança do PS - e estou a citar o António Costa - que o PS deve ter um líder a tempo inteiro e a Câmara de Lisboa um presidente em dedicação exclusiva. Ele tem que honrar esse compromisso.

Mas se ganhar as primárias António Costa tem que sair da liderança da Câmara de Lisboa?
O que estou a dizer é que é mais uma das contradições. Eu, já no primeiro debate televisivo, tive a oportunidade de lhe falar de uma. No programa que tem da "Quadratura do Círculo", ele defendeu que o PS devia abster-se no Orçamento para 2012, mas agora, porque lhe dá jeito, vem dizer que foi o pecado mortal do PS. O país tem que ter políticos que não dizem uma coisa uma vez e outra completamente diferente quando lhes dá jeito ter outra opinião. A confiança é essencial na liderança de um Governo, os portugueses precisam de ter um primeiro-ministro em quem confiam, podem concordar ou discordar desta ou daquela política, mas precisam de ter alguém para quem olham e digam: este primeiro-ministro honra a sua palavra, está a cumprir o que prometeu.
 
Que qualidade reconhece a António Costa?
É um político hábil.