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Entrevista

Marinho Pinto. "Salário de 4.800 euros não permite padrões de vida muito elevados em Lisboa"

16 set, 2014 • José Pedro Frazão

Salário dos deputados "não é digno", diz, em entrevista à Renascença, o eurodeputado que quer ser deputado. Eis Marinho Pinto, o homem de esquerda que cita conservadores ingleses.

Marinho Pinto. "Salário de 4.800 euros não permite padrões de vida muito elevados em Lisboa"
Os deputados recebem pouco e não devem ganhar menos que os dez salários mínimos do bastonário da Ordem dos Advogados, 4.800 euros líquidos, que ainda assim "não permitem ter padrões de vida muito elevados em Lisboa", afirma Marinho Pinto, o eurodeputado que quer tornar-se deputado em Portugal.

Em entrevista à Renascença, diz ser um homem de esquerda, mas considera que essas distinções não existem hoje em Portugal.

Marinho denuncia que o Movimento Partido da Terra (MPT), pelo qual foi eleito eurodeputado, está ao serviço dos seus dirigentes e não tem a dimensão nacional de que precisa para concretizar as suas ideias. E diz ser "díficil" fazer "entendimentos políticos" com António Costa, responsável por um "tumulto no PS".

Quanto é que os deputados portugueses devem ganhar? Actualmente, o salário é de 3.515 euros brutos.
Isso deve ser objecto de uma discussão do país. Mas devem ganhar o suficiente. Em Portugal ganham pouco, é quase cinco vezes menos que um deputado europeu.

É um salário digno?
Não. Baixo. Se é esse o ordenado.

3.515 euros brutos, incluindo despesas de representação.
Então não é digno. Digo-o perfeitamente. Assim como digo que aquele salário de 18 mil euros [dos eurodeputados] é obsceno, este é indigno.

Está indexado ao salário do Presidente da República.
Mas não são só os deputados. Os órgãos de soberania em Portugal são mal remunerados, a começar no Presidente da República e a acabar nos juízes. Deveria haver essa cautela. E não há porque muitos políticos encontram formas, por vezes ilícitas, de suprirem essa deficiência.

Um deputado não deve ganhar menos que um bastonário?
Por exemplo, acho que sim.

O senhor ganhava dez salários mínimos.
Não sei. Recebia líquido 4.800 euros por mês.

Acha que é um salário digno para a função de um bastonário?
Para quem vivia em Lisboa, sim. Acho que não permite grandes coisas. Não permite ter padrões de vida muito elevados em Lisboa, fora de casa, quando deixa de exercer a profissão. Eu ganhava mais quando exercia a profissão, bem mais. Mostrei documentos na campanha eleitoral. As minhas declarações de IRS eram muito superiores quando era um simples advogado e jornalista.

Um deputado deve ganhar mais que um bastonário da Ordem dos Advogados?
Não me compete a estar a dizer isto aqui. Não é uma entrevista numa estação de rádio que devo fixar os ordenados dos políticos. O que lhe digo é que o Parlamento português tem que encontrar rapidamente uma remuneração condigna para a função de legislador. Tem que tomar também outras atitudes. Tem que fazer exigências aos deputados. Não se pode ser advogado e deputado ao mesmo tempo. Não se pode utilizar o Parlamento para tráficos de influências.

Se for eleito, será um deputado em exclusividade?
Como sou agora. Suspendi a minha inscrição na ordem porque sempre defendi que um deputado, seja no Parlamento Europeu ou na Assembleia da República, não deve exercer a advocacia.

Se o povo lhe der o voto nas legislativas, ficará os quatro anos?
Está a pedir-me que vire profeta.

Há seis meses ninguém pensava que o senhor poderia colocar esta questão.
Pois não. Fui o primeiro a suspender o mandato? Antes de mim, centenas de políticos interromperam o mandato e parece que só se preocupam comigo.

O senhor é que falou na questão.
Por ter anunciado com toda a transparência que ia pedir um novo mandato em vez daquele. Havia lá uma deputada que estava para ir para a Comissão Europeia e ninguém se importou que ao fim de 20 dias deixasse aquilo para que foi eleita e fosse para um cargo de nomeação. Eu vou para um cargo de eleição e submeto-me ao eleitorado. Se o eleitorado achar que eu sou mais útil em Bruxelas, deixa-me estar e não me elege aqui. Se achar que eu sou mais útil cá, elege-me cá. Acha que há coisas mais transparente que isto?

Ficará no Parlamento Europeu se não for eleito?
Sempre disse isso.

O que é que falhou na ligação com o Movimento Partido da Terra?
Não quero revelar publicamente as causas de uma separação. Sou advogado e sempre aconselhei os meus clientes que se divorciavam. Concluí que, por factos que não quero revelar publicamente a não ser que seja obrigado, não é possível realizar no MPT o projecto político que o país precisa para resolver os problemas nacionais.

Não é uma divergência ideológica.
É metodológica. Um partido deve estar ao serviço do povo e do interesse nacional e não dos seus dirigentes.

Achava que deveria mandar tendo em conta o seu peso eleitoral?
O mandar era mandarem todos. Pôr o partido ao serviço do povo português e dos seus militantes. A comissão política do MPT são cinco pessoas, todas aqui de Lisboa. Não há um dirigente do Porto, do Algarve ou da Madeira. São todos aqui de Lisboa, à volta da Assembleia Municipal de Lisboa.

Era isso que teria de mudar?
Claro. O partido tinha que ser nacional. Tinha que ser aberto aos militantes de todo o país e às necessidades de mudança política em Portugal e não um partido fechado para cinco pessoas.

Li que ia existir um processo eleitoral interno no MPT. O senhor podia concorrer, em lista, com um conjunto de apoiantes.
Quando?

Dentro do MPT.
Sim, se visse que o partido era viável. Concluí que não é. Até posso estar errado. Não é absolutamente viável. O MPT nunca será um partido nacional. É preciso ser nacional para resolver problemas nacionais, aberto à sociedade e à pluralidade portuguesa. Lisboa não é o mesmo que Trás-os-Montes. O Minho não é o mesmo que os Açores. É preciso ter o contributo de todos e não ser fechado num núcleo.

O novo partido será isso?
Tentaremos que seja. O que os homens fazem nunca será perfeito. Tentaremos que evite os erros mais escandalosos que temos criticado nos outros.

A base será a mesma? Liberdade, justiça e solidariedade?
Estamos a discutir a declaração de princípios. Vai ser apresentada brevemente, está particamente redigida. Para mim, esses três elementos são os valores matriciais da República. Eu defendo que em política devemos dar um novo conteúdo àquela célebre frase de Margaret Thatcher, nos anos 80: "Back to basics". Voltar às bases da República e do republicanismo.

O senhor a citar Margaret Thatcher [na verdade, foi o conservador John Major, sucessor de Thatcher, o autor da frase]?
Não estou a citar. Estou a dizer que ela proferiu uma frase que podemos utilizar com um conteúdo progressista e não o reaccionário que ela lhe deu.

O senhor considera-se um homem de esquerda.
Sim.

Será um partido de esquerda?
Não, não estou preocupado com isso. A geometria política tradicional está, completamente, subvertida. O que é de esquerda ou de direita não faz qualquer sentido em Portugal. Vemos na esquerda atitudes que são de direita e observamos na direita posições que são mais próximas até da esquerda. Os nossos valores são a defesa da liberdade, combater o medo. Em Portugal não há liberdade.

[Notícia corrigida às 22h04. Foi John Major, e não Margaret Thatcher, o autor da frase "Back to basics".]