Tempo
|

Tribunal Constitucional chumba por unanimidade corte de 10% nas pensões da função pública

19 dez, 2013 • Mara Dionísio e Ricardo Vieira

Dúvidas levantadas por Cavaco Silva foram confirmadas pelos juízes. Cortes estavam previstos para 2014. Governo comprometeu-se com a "troika" a encontrar medidas alternativas e equivalentes. 

Tribunal Constitucional chumba por unanimidade corte de 10% nas pensões da função pública
A convergência do regime de pensões do sector público com o do privado já não vai avançar. A medida, que tem um peso de 710 milhões de euros brutos no Orçamento do Estado e que prevê um corte médio de 10% nas pensões da Caixa Geral de Aposentações (CGA) a partir dos 600 euros ilíquidos, não passou no Tribunal Constitucional. Os juízes tomaram a decisão por unanimidade, por considerarem que a proposta do Governo viola o princípio da protecção da confiança.

"Os interesses públicos invocados (sustentabilidade do sistema da Caixa Geral de Aposentações, justiça intergeracional e convergência dos sistemas de protecção social) não são adequadamente prosseguidos pela medida, de forma a prevalecerem e a justificarem o sacrifício dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos actuais pensionistas da CGA na manutenção dos montantes das pensões a pagamento", lê-se num comunicado do TC.

Segundo os juízes, "a disparidade detectada relativamente à taxa de formação da pensão entre o regime da protecção social da função pública e o regime geral da segurança social - dada a diferenciação existente quanto à formula de cálculo das pensões - não é necessariamente demonstrativa de um benefício na determinação do montante das pensões dos subscritores da CGA, por comparação com os trabalhadores inseridos no regime geral da Segurança Social com idêntica carreira contributiva". 

O TC considera que a "pretendida igualação da taxa da formação da pensão - com a consequente redução e recálculo de pensões da CGA, não pode ser vista como uma medida estrutural de convergência de pensões, nem tem qualquer efeito de reposição de justiça intergeracional ou de equidade dentro do sistema público de segurança social". 

Os juízes afirmam que o diploma do Governo "representa antes uma medida avulsa de redução de despesa, através da afectação dos direitos constituídos dos pensionistas da CGA, surgindo como uma solução alternativa ao aumento das transferências do Orçamento do Estado, que tem como fim último a consolidação orçamental pelo lado da despesa".

Por outro lado, o TC argumenta que a medida, como se dirige "apenas aos beneficiários de uma das componentes do sistema", é "necessariamente assistémica e avulsa e enferma de um desvio funcional que não quadra ao desenho constitucional de um sistema público de pensões unificado".

Desta forma, as pensões de aposentação, reforma, invalidez e sobrevivência acima de 600 euros brutos já não vão ser cortadas em 2014. A medida visava pensões em pagamento de antigos funcionários públicos e previa alterações nas regras de cálculo das futuras pensões [pode saber mais AQUI]. 

Qual é o impacto do chumbo nas contas públicas?
O Orçamento do Estado para o próximo ano tinha uma salvaguarda para quem fosse visado pelos cortes resultantes da convergência de pensões: não podia haver acumulação das perdas de 10% com a contribuição extraordinária de solidariedade, que é um imposto adicional aplicado a pensões acima de 1.350 euros. Este facto retirava 340 milhões de euros aos 710 milhões que a convergência valia globalmente. 

Com o chumbo ao corte médio de 10% das pensões da Caixa Geral de Aposentações, os 340 milhões da contribuição especial de solidariedade voltam a entrar na contabilidade da receita pública. Ou seja, o Governo, que se comprometeu com a "troika" a encontrar medidas alternativas e equivalentes a um eventual chumbo da convergência, tem de resolver um problema de cerca de 370 milhões de euros.

No mesmo dia em que foi conhecida a decisão do TC, foi igualmente noticiado que o secretário de Estado da Administração Pública saiu do Governo. Hélder Rosalino foi o responsável pela elaboração do diploma da convergência dos regimes de pensões. Não são conhecidas as causas que levaram o governante a deixar o Executivo liderado por Pedro Passos Coelho, que assistiu esta quinta-feira ao sétimo chumbo do TC desde que é primeiro-ministro.

O pedido de fiscalização preventiva da convergência de pensões foi apresentado ao TC pelo Presidente da República a 23 de Novembro, por ter dúvidas sobre a constitucionalidade das "normas que determinam a redução em 10% de pensões em pagamento", bem como das "normas que determinam o recálculo do montante de pensões em pagamento".

Cavaco Silva pediu ao Constitucional que verificasse a conformidade destas normas "com a lei fundamental, designadamente com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade, e com o princípio de protecção da confiança, quando conjugado com o princípio da proporcionalidade". 

Agora, as dúvidas dissiparam-se: os juízes consideram que a Constituição não permite a convergência das pensões do sector público e do privado, pelo menos como o Governo desenhou. A medida tinha sido aprovada a 18 de Outubro no Parlamento, com o apoio da maioria PSD/CDS-PP e os votos contra de toda a esquerda.