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Opinião

Petraeus: quem soube o quê e quando?

13 nov, 2012

O escândalo precipitado pela demissão do ex-director da CIA, o general David Petraeus, amplia-se a cada hora que passa e a sua onda de choque atingiu já o actual comandante da missão da NATO no Afeganistão.

Petraeus: quem soube o quê e quando?

O general John Allen estará agora a ser investigado por alegadamente ter mantido uma “comunicação” com a mesma mulher que recebeu os e-mails ameaçadores (na origem da investigação do FBI) da biógrafa Paula Broadwell, a suposta relação extramatrimonial do já ex-responsável dos serviços secretos dos Estados Unidos, o general David Petraeus.

Segundo vários meios de comunicação norte-americanos, uma fonte do Departamento de Defesa confirmou que o FBI encontrou entre 20 a 30 mil páginas de comunicações – na maioria correios electrónicos – entre o general John Allen e Jill Kelley, a mulher amiga da família Petraeus.

Outras fontes anónimas do Departamento de Estado temem que do meio desta enorme quantidade de mensagens surjam “comunicações inapropriadas” para a segurança nacional. O Gen. John Allen esperava a todo o momento ser nomeado responsável pelo Comando Supremo das Forças Aliadas na Europa, ou seja, Chefe Militar na NATO, mas a decisão está suspensa.

Se a suspensão da nomeação do Gen. John Allen é o mais recente dos efeitos colaterais do caso Petraeus, o penúltimo foi a confirmação de que a bancada republicana no Congresso conheceu, ao mais alto nível, a investigação do FBI ao director da CIA, a 27 de Outubro, antes das eleições presidenciais de 6 de Novembro.

Um assessor de imprensa do líder da maioria republicana na Câmara de Representantes, Eric Cantor, disse à AP que o seu chefe foi informado nesse sábado, 27, da existência de uma investigação da alegada relação extramatrimonial do líder da CIA. A revelação foi produzida por uma fonte do FBI, cuja identidade não foi revelada. Eric Cantor terá contactado pessoalmente os responsáveis do FBI apenas no dia 31 de Outubro, porque os serviços estavam encerrados devido ao furacão Sandy.

O gabinete de Cantor não revelou quem foi contactado na direcção da polícia de investigação criminal, mas que o Congressista recebeu garantias de que actuava em nome da segurança nacional, sem que a investigação sobre Petraeus tivesse sido oficialmente confirmada. “Nesse momento era apenas uma acusação pessoal sem fundamentação oficial”, afirmou à AP, Rory Cooper, o assessor de Eric Cantor.

O calendário dos factos é, para alguns analistas, muito importante: a poucos dias de eleições renhidas qualquer dado poderia interferir na campanha. Outras opiniões sustentam ser improvável um quadro de consequências eleitorais de revelações envolvendo uma figura que ocupava um cargo central na Administração Obama, mas ideologicamente mais próxima do Partido Republicano. A Casa Branca sustenta só ter sabido do caso, na última quarta-feira, quando o general Petraeus pediu uma reunião com o presidente Obama.

O encontro teve lugar na quinta-feira e a confirmação de que o pedido de demissão foi aceite surgiu na sexta-feira. E porque razão um agente do FBI contacta o Partido Republicano em lugar da Casa Branca? O "The New York Times" sustenta que o fez por se sentir frustrado com obstáculos encontrados na investigação.

Outro ângulo polémico deste caso é o do anúncio da demissão ter surgido a poucos dias da presença de David Petraeus, esta quarta, numa comissão do congresso sobre as possíveis falhas de segurança no ataque contra o consulado norte-americana em Benghazi, na Líbia.

No incidente do passado 11 de Setembro, foram mortos quatro norte-americanos, incluindo o embaixador dos Estados Unidos, Christopher Stevens. São várias e contraditórias as versões sobre o ataque, mas para a imprensa o consulado de Benghazi era, na prática, uma base de actuação da CIA. Apesar destes elementos o caso de Benghazi não chegou a tornar-se tema da campanha. 

A adensar a preocupação está, de acordo com os meios de comunicação norte-americanos, a descoberta do FBI de que o correio electrónico do general Petraeus (no domínio Gmail não o oficial como director da CIA) teria sido usado por terceiros com mensagens cujo conteúdo se desconhece, mas que, segundo a NBC, poderiam ser deslocações não previstas na agenda oficial. Nas mãos erradas estas informações seriam valiosas para inimigos dos Estados Unidos e colocar questões de segurança nacional.

De acordo com um dos seus assessores militares, citados pelo "The Washington Post", o director da CIA decidiu demitir-se quando ficou claro que a investigação do FBI seria tornada pública. Nas últimas horas a CNN dá conta da continuação das investigações agora com buscas na casa de Paula Broadwell.

O Gen. David Petraeus é uma lenda viva no universo militar norte-americano. Será recordado como o general que desenhou a solução de duas guerras: Iraque e Afeganistão. Na cerimónia de condecoração com a mais alta distinção militar do país foi comparado aos maiores generais da história norte-americana: George Marshall ou Dwight Eisenhower. Como guardião máximo dos segredos dos Estados Unidos o militar mais respeitado da sua geração não aguentou mais de 14 meses.

O caso Petraeus envolve um enorme drama pessoal e familiar para um homem de 60 anos, sobrevivente a um cancro, cujo futuro político poderia até desembocar na Casa Branca, mas as suas ramificações poderão ter várias consequências políticas.

De todas a mais provável é a de uma investigação do Congresso sobre a suspeita de ocultação de informação relevante. O "The New York Times" escreve que as Comissões do Senado e da Câmara de Representantes só na semana passada foram informadas pelo FBI da investigação, apesar da lei determinar que os presidentes destas Comissões sejam actualizados em permanência em matérias relevantes na área da espionagem de estado.

O envolvimento do Congresso no escândalo irá amplificar as implicações políticas do caso, num momento em que o Partido Republicano pode levar Obama a acelerar as alterações na sua equipa de segurança previstas para o início do novo mandato a 20 de Janeiro.

Assim, com o caudal de dúvidas e suspeitas a aumentar dia após dia, o caso Petraeus pode ser mais que uma mera página no largo volume do misterioso comportamento humano e ter imprevisíveis consequências políticas em Washington.

A saída para as dúvidas está nas respostas à pergunta: quem soube o quê e quando?