Tempo
|

Reportagem

A crise dos refugiados acampada no coração da Europa

03 set, 2015 • Vasco Gandra, em Bruxelas

Omar e Khalal atravessaram seis países até chegarem à capital belga. Os dois iraquianos e centenas de outras pessoas que fogem da guerra acampam frente ao Office des Étrangers, que analisa os pedidos de asilo. Muitos belgas apoiam-nos.

A crise dos refugiados acampada no coração da Europa
Dezenas e dezenas de tendas dão abrigo a refugiados e refugiados, maioritariamente homens de meia-idade. São, sobretudo, iraquianos, sírios e afegãos. O Parque Maximilien, em Bruxelas, transformou-se há dias num acampamento improvisado.

O parque fica perto da estação norte da capital belga, uma zona moderna com muitos edifícios de escritórios, a cerca de dez minutos de carro do bairro das instituições da União Europeia. Estas pessoas optam por ficar ali porque o parque está mesmo em frente ao organismo do Estado, o Office des Étrangers, que recebe e analisa os pedidos de asilo. É só atravessar a rua.

Nas últimas semanas houve um fluxo massivo de pessoas a chegar. Em Agosto, foi batido um recorde, com 4.950 pedidos de asilo apresentados, segundo a imprensa belga. Nos últimos dias, as longas filas começam antes das 9h00, hora de abertura do Office des Étrangers. Quantos são ao certo? Talvez ninguém saiba.

 
É necessário apresentar o pedido e depois esperar pela resposta. É o que têm de fazer Omar e o seu amigo Khalal, recém-chegados de Bagdade, no Iraque. A conversa decorre com alguma dificuldade. Para além da visível inquietação, são parcos em palavras e não falam inglês. A comunicação é garantida por um fotógrafo iraquiano em reportagem, que serve de intérprete.

Atravessaram a Turquia, Bulgária, Sérvia, Hungria, Áustria e Alemanha até chegarem a Bruxelas. Omar apresentou esta quinta-feira os papéis.

A análise do pedido de asilo é apenas mais uma fase do longo périplo deste iraquiano. Se obtiver o estatuto, o que mais deseja é trazer a mulher e os filhos para a Europa, diz à Renascença.

Belgas mobilizam-se
A vida e a espera no acampamento organiza-se, mas as condições sanitárias são precárias. Há pequenos montes de lixo e de sujidade por todo o lado. Mas há também dádivas de roupa e de calçado a chegar, caixas e caixotes com produtos e bens variados, fruto da solidariedade.

No meio dos diversos amontoados de roupa e outros objectos, homens atarefados vasculham à procura de uma sorte improvável. Experimentam casacos, camisolas ou sapatos.



Um pouco por todo o lado há grupos de pessoas a conversarem. Debaixo de um toldo, os funcionários da Samu Social, associação especializada no apoio aos sem-abrigo, oferecem alimentos: pão, fiambres, enchidos, bebidas quentes. Por vezes, a comunicação faz-se por gestos; outras vezes, umas poucas palavras em inglês são suficientes.

A Cruz Vermelha, o município de Bruxelas e várias organizações não-governamentais estão a dar ajuda. A sociedade civil belga também se mobiliza. Muitos cidadãos, por iniciativa própria, deslocam-se até ao parque com alimentos, roupa, calçado, produtos de higiene, medicamentos, jogos. Fazem questão de mostrar solidariedade. Muitos trocam palavras de afecto com os refugiados.

E a generosidade tem crescido. As imagens de uma criança morta numa praia da Turquia, que, na quarta-feira, se tornou símbolo mundial do drama dos refugiados, provocou a reacção de muitos cidadãos. É o caso de Mariem, da associação flamenga Escola Sem Racismo, que distribui numa barraca pão, bebidas e alimentos empacotados.

"Foi sobretudo a imagem da criança morta no mar que nos afectou muito. Sobretudo porque somos mães, temos crianças da mesma idade. Isso dói-nos muito. Decidimos fazer qualquer coisa hoje para ajudar", diz. Mariem não poderá estar no Parque Maximilien na sexta-feira, porque trabalha, mas promete regressar no fim-de-semana.

"Estamos aqui a dar alimentos às pessoas que precisam." Ainda assim, alerta para o facto de haver alguns oportunistas que não são refugiados, mas que tentam obter alimentos e outros bens. "E depois há os que precisam, mas que têm vergonha de pedir. Enfim, esperamos poder ajudar um pouco."

Omar, sério e inquieto, aguarda que o sonho se cumpra e que o pedido de asilo seja aceite. Num breve momento, o seu rosto abre-se num sorriso ao saber que está a ser entrevistado por um jornalista português. "Portugal? O Cristiano [Ronaldo] é bom", exclama de imediato. Mas, rapidamente, volta a angústia.