Tempo
|

Hungria. Vaga de migrantes ameaça as "raízes cristãs" da Europa

03 set, 2015 • Carla Caixinha e João Cunha, com agências

Primeiro-ministro húngaro critica a falta de iniciativa dos líderes europeus. O padre Lino Maia responde: "Mais importante do que a religião são as pessoas".

Hungria. Vaga de migrantes ameaça as "raízes cristãs" da Europa
O primeiro-ministro húngaro reuniu-se hoje com altos representantes da União Europeia e aproveitou para se defender das críticas de que tem sido alvo por decidir contruir uma vedação que impeça o fluxo migratório no seu país. Viktor Orbán defende que os refugiados podem minar as raízes cristãs europeias. Do presidente do Conselho Europeu ouviu que o Cristianismo significa "disponibilidade para mostrar solidariedade". Donald Tusk apelou à distribuição de pelos menos 100 mil refugiados pela UE.

A vaga de refugiados e migrantes é uma ameaça às “raízes cristãs" do continente e os governantes devem conseguir controlar as suas fronteiras antes de decidirem quantos pedidos de asilo concedem, defende o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.

"As pessoas querem que controlemos a situação e protejamos as nossas fronteiras", escreveu num artigo de opinião publicado no jornal alemão "Frankfurt Allgemeine Zeitung", acrescentando que os europeus não concordam com a maioria das posições assumidas pelos governos nesta matéria.

"Apenas quando tivermos protegido as nossas fronteiras, podemos então pensar quantos pessoas podemos receber ou se deviam existir quotas", escreve Orbán.

A Hungria está a construir um muro com 175 quilómetros ao longo da fronteira com a Sérvia. Orban argumenta que o seu país está a ser "invadido" por migrantes e refugiados, acrescentando que a uma grande parte não são cristãos, mas muçulmanos.

"É uma questão importante, porque a Europa e a cultura europeia têm raízes cristãs. Ou não é alarmante em si mesmo que a cultura europeia cristã esteja quase sem condições para defender os seus próprios valores cristãos?", questionou.

À Renascença, o padre Lino Maia, presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade Social, diz que esta tese não faz qualquer sentido.

"Vou dizer uma coisa que talvez possa confundir muita gente: mais importante do que a religião são as pessoas. Claro que é muito importante que as pessoas tenham referências éticas, crenças, mas o mais importante são as pessoas. Primeiro, vamos atendê-las, vamos acolhê-las, vamos ajudá-las. E, depois, vamos pensar no resto", afirma.

Para reforçar a sua ideia, Lino Maia cita uma passagem bíblica relativa a um homem que, a caminho do templo, encontra um homem maltratado. Primeiro, trata-o, só depois vai ao templo. "Os cristãos põem a pessoa à frente de tudo e consideram o serviço à pessoa um culto a Deus", diz o padre.

Já o presidente da Pastoral Social, D. Jorge Ortiga, rejeita a declaração do primeiro ministro húngaro.

"A origem cristã da Europa alicerça-se em determinados valores, entre eles a fraternidade com a consequência da solidariedade, a solidariedade entre diversos países. Isso efectivamente tem de acontecer e deve acontecer, é urgente mesmo que aconteça", diz D. Jorge Ortiga à Renascença.

Controlo das fronteiras reforçado
A Hungria vai reforçar as medidas de controlo nas fronteiras, por causa da crise dos refugiados.

Viktor Orbán está esta quinta-feira em Bruxelas, onde se encontrou, esta manhã, com o presidente do Parlamento Europeu.

Na conferência de imprensa, Orbán garantiu que a partir de 15 de Setembro, a Hungria vai reforçar o controlo das fronteiras. "A Hungria fez tudo o que esteve ao seu alcance para cumprir as leis comunitárias. Criámos um novo pacote legislativo e até uma barreira física. Isto, em conjunto, pode trazer uma nova situação na Hungria e na Europa, a partir de 15 de Setembro".

Segundo o governante, os europeus e os húngaros estão "cheios de medo" porque os líderes políticos são incapazes de controlar esta crise de refugiados. "O problema não é europeu, é da Alemanha. Ninguém quer ficar na Hungria, na Eslováquia, Polónia ou Estónia. Todos querem ir para a Alemanha e o nosso trabalho é apenas registá-los", esclarece.

O presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, reagiu de imediato: o que se espera é solidariedade entre países-membros da União Europeia.

"Acho que precisamos uma distribuição justa dos refugiados por todos os Estados-membros. Deixem-me ser concreto, com números: os 28 têm 507 milhões de habitantes, se se distribuir 500 mil refugiados por todos não é um problema, mas se concentrarmos esses 500 mil por apenas alguns países isso será um problema. Por isso, a solidariedade para encontrar uma solução é a chave", remata.

As autoridades húngaras já interceptaram este ano mais de 150 mil refugiados provenientes de países com conflito. A grande maioria quer seguir para os países mais ricos da Europa.

Na "rota dos Balcãs", os migrantes passam pela Grécia, Macedónia e Sérvia, antes de entrarem na Hungria, o primeiro país da União Europeia onde chegam e a partir do qual desejam prosseguir viagem para países como a Alemanha ou Suécia.