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O que defendia o "marxista errático" Yanis Varoufakis?

06 jul, 2015 • Matilde Torres Pereira, com Lusa

O ministro das Finanças grego pediu a demissão apesar da vitória do "Não" no referendo. Yanis Varoufakis sai do Governo para facilitar negociações gregas com os credores.

O que defendia o "marxista errático" Yanis Varoufakis?
Autodenomina-se um "economista acidental" e um "marxista errático". Diz que se juntou às listas do Syriza porque, a certa altura, "o pensamento crítico tem de se transformar em acção política directa". Yanis Varoufakis, professor de Economia da Universidade de Atenas, de 53 anos, era ministro das Finanças da Grécia desde o final de Janeiro. 

Yanis Varoufakis é um crítico acérrimo do "status quo" na Europa. No seu blogue, publica artigos de opinião e textos académicos sobre a crise do euro e compara a austeridade ao "waterboarding" – a tortura por simulação de afogamento.

"Em vez de discutir, nos fóruns da Europa, a natureza da nossa crise sistémica, os poderes instalados ocuparam-se a torturar fiscalmente as nações, deixando-as respirar rapidamente antes de voltar a submergi-las nas águas da iliquidez. Foi assim que a Europa começou a perder a sua alma e integridade, passando de um reino de prosperidade partilhada a uma jaula de ferro, uma prisão de dívida", escreve no blogue.

Num anúncio surpreendente, poucas horas após o anúncio dos resultados do referendo, Yanis Varoufakis disse que abandonava o cargo de ministro das Finanças para ajudar o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, a continuar as negociações com os credores internacionais. "Considero ser meu dever ajudar Alexis Tsipras a explorar o capital que o povo grego nos deu através do referendo. Irei arcar com o ódio dos credores com orgulho", justifcou no seu blogue pessoal.

“Dores de crescimento”
Durante os últimos cinco meses de negociação entre Atenas e os credores internacionais, o autodenominado "marxista errático" parecia mais à vontade conversando com os anarquistas desempregados do que com outros ministros das Finanças europeus, que muitas vezes se enfureciam com as suas tácticas de negociação abruptas, descreve a agência noticiosa AFP.

O comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, comentou que Varoufakis "é uma pessoa inteligente, nem sempre fácil, mas inteligente".

O seu estilo directo causou alguns momentos marcantes, incluindo a sua caracterização da austeridade imposta à Grécia como um “waterboarding fiscal” [técnica de tortura que consiste em simular o afogamento].

Depois de as negociações terem falhado entre a Grécia e os seus credores, Varoufakis criticou a governação na Europa.

"Isto não é forma de gerir a união monetária. Isto é uma farsa. Isto tem sido uma comédia de erros que já dura há cinco anos, que a Europa tem vindo a prolongar e a disfarçar", disse Varoufakis numa entrevista à BBC.

Depois de assumir a pasta das Finanças gregas em Janeiro, passou por "algumas dores de crescimento" enquanto se adaptava à nova realidade de estar sob os holofotes da imprensa, escreve a AFP.

Varoufakis foi fotografado para a Paris Match ao piano e a jantar em grande estilo com a mulher no terraço do seu "ninho de amor, aos pés da Acrópoles", enquanto dizia à revista que abominava "o estrelato".

Três prioridades
Em Janeiro, numa entrevista ao canal britânico Channel 4, Varoufakis estabeleceu três prioridades para o novo Governo da esquerda radical. A primeira será lidar com a crise humanitária, uma preocupação central do Syriza.

"É impensável que em 2015 tenhamos pessoas que até há um par de anos tinham empregos e casas e pequenas empresas e que agora estão a dormir na rua", disse.

A segunda prioridade de Varoufakis, segundo disse ao Channel 4, é fazer reformas profundas e atacar o "pecado triangular que existe na Grécia": "as empresas de serviços que se alimentam de rendas estatais, os banqueiros e as empresas de comunicação social", a que chama "as bases da oligarquia grega". "Vamos destruir as bases sob a qual assenta a oligarquia que, década após década, suga a energia deste país", promete.
 
A terceira prioridade é a renegociação da dívida grega. No primeiro contacto que alguém do Syriza tiver com Bruxelas, dizia na entrevista, deve "falar a verdade sobre a insustentabilidade da dívida pública". Como ministro das Finanças, será o próprio a ter de o fazer.

"A Grécia é onde tudo isto começou. Tem de ser aqui que começa também a inversão da fragmentação da Europa", escreve no seu blogue.

"O meu maior medo", confessa, "agora que me meti nisto, é que me possa transformar num político. Como antídoto para esse vírus, tenciono escrever a minha carta de demissão e mantê-la no bolso, pronta a entregar no momento em que sentir que há sinais de que estou a perder o compromisso de falar a verdade ao poder."