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Reportagem. "A minha alma quer a Europa. O meu cérebro quer o dracma"

05 jul, 2015 • Catarina Fernandes Martins, em Atenas

Há quem vote “Sim” e fique zangado por isso. Há quem vote “Não” por pensar que não tem nada a perder. “Os gregos hoje não vão votar com a razão, mas sim com o coração.”

Reportagem. "A minha alma quer a Europa. O meu cérebro quer o dracma"
É o tema que domina todas as conversas do dia de hoje. Nos cafés, nas esplanadas, a caminho das mesas de voto, os gregos discutem, até à última, se votam “Sim”, se votam “Não”, se votam em branco ou em protesto. Ou se vale a pena votar.

A caminho de uma escola, Maria, uma advogada de 65 anos, desloca-se em passo apressado, movida pela fúria. Quando lhe pedimos que dê uma entrevista, diz: “Não acha que a Grécia já foi humilhada o suficiente? Porque é que ainda temos de ser mais humilhados com aquilo que se escreve sobre nós?”

Maria está zangada, irritada, furiosa. Vai votar contra a sua vontade porque não quer abster-se, mas pensa que este referendo só contribuirá para aumentar a divisão que se sente na sociedade grega entre aqueles que querem votar “Sim” e os que querem votar “Não” ao acordo nos termos dos credores, entre os mais ricos e os mais pobres, entre os funcionários públicos e aqueles que trabalham no privado, entre a classe média e aqueles que já não têm nada a perder. “Hoje vai ficar 50/50 e isso vai ser muito mau”, prevê.

A advogada sente estas divisões no seio da própria família. “O meu irmão disse-me que vai votar ‘Não’. Ele nunca fez descontos para a Segurança Social, por isso não tem nada a perder. Mas incomoda-me que não se importe com todos os que têm muito a perder”, afirma. Depois, acrescenta, frustrada: “Os políticos só falam dos funcionários públicos. Dos privados ninguém quer saber.”

Maria diz à Renascença que foi uma resistente durante a Ditadura dos Coronéis (1967-1974), que apoiou os socialistas gregos depois disso e que chegou a sentir esperança quando Alexis Tsipras foi eleito primeiro-ministro em Janeiro deste ano.

“Senti que íamos fazer a União Europeia mudar, mas não pode ser assim”, lamenta. Chegada a uma das escolas do bairro de Pagrati, em Atenas, Maria despede-se da Renascença: “Infelizmente tenho de ir votar ‘Sim’”. E desaparece por detrás dos portões de ferro.

Do lado de fora está Angelika, 52, o marido, Spiros, 55, e o filho, Eugene, 14. Os membros da família com idade para votar acabaram de o fazer, mas continuam sentados à porta da escola, a discutir o voto.

Angelika diz à Renascença que sempre votou no Syriza, que nunca votou no PASOK (socialistas) ou na Nova Democracia (conservadores). Talvez por isso esteja tão incomodada por ter votado “Sim” este domingo. “Estou muito zangada, muito zangada. O Syriza foi eleito para negociar com a União Europeia. Nunca fui de direita, mas tive de votar ‘Sim’.”

Angelika é professora e, apesar de ter visto o seu salário reduzido em 40%, quer continuar na União Europeia e pensa que a única forma de isso acontecer é se o ‘Sim’ vencer.

Spiros é artista e fala em francês: "Os gregos hoje não vão votar com a razão, mas sim com o coração", critica.

Para Spiros, votar com a razão significa votar pela continuidade na União Europeia. “Nunca imaginei chegar a esta idade e assistir a isto – que se ponha em causa a nossa pertença à Europa”, lamenta. “Não se trata apenas de uma questão económica, mas de uma questão de civilização e de ideais”, continua.

Angelika resume a posição do marido desta forma: “A Grécia é a criança da Europa. Se a Grécia sair, é como se a Europa perdesse um filho.”

Palavrões
Numa esplanada da praça Plastera, três amigos discutem as opções do voto deste domingo. Miltiades, 28, é o único que já votou, logo de manhã, e agora explica os argumentos aos jovens que o rodeiam e que ainda não decidiram o que fazer.

Miltiades diz à Renascença que nunca percebeu a pergunta do referendo e que, por isso, decidiu tornar o seu voto nulo. “Se percebesse a questão votava 'Não'. Como não percebo escrevi uns palavrões no boletim de voto." O seu voto será nulo, mas a sua participação será contabilizada.

O boletim de voto deste referendo tem algumas particularidades que foram muito criticadas durante esta semana, depois de ter sido divulgado nos meios de comunicação. Há quem diga que a pergunta, que inclui termos técnicos em inglês, traduzidos em grego entre parêntesis, é de difícil compreensão. Além disso, a opção “Não” surge antes do “Sim”, algo que não é comum e que, critica-se, pode influenciar os eleitores.

Kostas, 29, um dos amigos, acaba por dizer que não irá votar.

Dimitri Nikolopoulous, 73 anos, não vota este domingo porque não consegue escolher entre o coração e a razão. Este empresário, que se identifica como pró-monárquico e de direita, tem um negócio de venda de peças ortopédicas para hospitais e tem sentido os efeitos da crise.

“Os hospitais compram peças mais baratas à China. O meu trabalho está parado”, conta. “A minha alma, o meu coração, dizem-me para votar na Europa. O meu cérebro diz-me que se voltarmos ao dracma as importações ficam mais caras e posso voltar a vender.”

E é por isto que Dimitri Nikolopoulous não consegue votar este domingo, apanhado no meio da barricada: “O meu cérebro opõe-se à minha alma.”